Os "Cidadãos do Reich" e o aristocrata que queriam derrubar o governo alemão
Polícia deteve 25 pessoas suspeitas de pertencer a um grupo terrorista de extrema-direita que planeava um ataque ao Parlamento e alegadamente procurou apoio de Moscovo.
São conhecidos como Reichsbürger, isto é, "Cidadãos do Reich", e não reconhecem a Alemanha como um Estado legítimo. O grupo que ontem foi desmantelado, numa operação que envolveu mais de três mil polícias e buscas a 130 propriedades, queria alegadamente invadir o Parlamento e derrubar o governo. O objetivo seria instalar no poder o príncipe Heinrich XIII Reuss, um aristocrata de 71 anos que está entre as 25 pessoas detidas. O empresário terá tentado contactar Moscovo em busca de apoio (entre os presos há também uma cidadã russa), com a Embaixada da Rússia em Berlim a negar qualquer envolvimento.
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Segundo as autoridades alemãs, os detidos são suspeitos de "pertencer a uma organização terrorista fundada no final de novembro de 2021", com ligações ao movimento Reichsbürger, que "tinha estabelecido o objetivo de derrubar a ordem estatal existente na Alemanha e substituí-la pela sua própria forma de Estado". Além dos 25 detidos (um deles preso em Itália e outro na Áustria), foram ainda identificados mais 27 suspeitos.
Um dos locais que foi alvo de buscas, segundo a revista Der Spiegel, foi um quartel da Unidade de Forças Especiais (KSK) do Exército alemão, na cidade de Calw (no estado de Bade-Vurtemberga, no sul). Entre os detidos estará um soldado desta unidade, além de vários reservistas das Forças Armadas alemãs, segundo confirmaram os Serviços de Inteligência Militares à agência de notícias DPA - um dos líderes seria Rüdiger von P. , que comandou um batalhão de paraquedistas no início da década de 1990 (antes de se juntar à KSK), acabando por ser afastado por roubar armas. Não é a primeira vez que a KSK se vê envolvida em problemas com extremismos de direita, tendo em 2020 sido desmantelada uma das unidades por causa disso.
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De acordo com os procuradores, como parte da preparação para o alegado golpe, os membros deste grupo teriam já adquirido armas, efetuado treino de tiro e estavam a tentar recrutar mais seguidores, nomeadamente entre os militares e polícias. Os suspeitos sabiam que os seus objetivos "só podiam ser alcançados com recurso a meios militares e violência contra representantes estatais", acrescentaram.
O grupo tinha planos para formar um governo de transição - a juíza e antiga deputada da Alternativa para a Alemanha (AfD) Birgit Malsack-Winkemann, que também foi presa, seria alegadamente a ministra da Justiça. Além disso, queriam renegociar a nova ordem estatal na Alemanha com os Aliados que venceram a II Guerra Mundial, a começar pela Rússia.
A russa Vitalia B. teria facilitado contactos com responsáveis de Moscovo, com as autoridades alemãs a dizerem que "não há indicação de que as pessoas contactadas responderam positivamente". A Embaixada da Rússia em Berlim "não mantém contactos com representantes de grupos terroristas ou outras entidades ilegais", indicou em comunicado.
A ministra do Interior alemã, Nancy Faeser, disse que a investigação que levou à operação de ontem "olhou para o abismo da ameaça terrorista" do Reichsbürger. O grupo que foi desmantelado, acrescentou, "era motivado pelas fantasias de derrubar de forma violenta o governo e teorias da conspiração", sendo necessário investigar mais para perceber até onde tinham avançado nos seus planos. A ministra agradeceu às forças de segurança envolvidas na "proteção da [sua] democracia".
"Cidadãos do Reich"
Segundo a emissora Deutsche Welle, os membros do movimento Reichsbürger negam a existência da República Federal Alemã do pós-II Guerra Mundial e acreditam que o atual Estado não é mais do que uma construção administrativa ainda ocupada pelos poderes Ocidentais - os EUA, o Reino Unido e a França. O movimento é formado por vários pequenos grupos que recusam pagar impostos, assim como a autoridade da polícia e de outras instituições estatais, e que declararam os seus próprios "territórios nacionais", não escondendo os seus propósitos.
De acordo com os Serviços de Informação internos, o movimento terá cerca de 21 mil membros (a maioria do sexo masculino e uma média de idades superior a 50 anos), com 5% a serem considerados de extrema-direita. Mais de dois mil são considerados potencialmente violentos, tendo vários formação militar - e propensão para armazenar armas. Em 2016, um agente da polícia foi morto por um membro do Reichsbürger durante uma operação para apreender o arsenal de mais de 30 armas que tinha em casa.
Apesar de o grupo ontem desmantelado ter sido formado há pouco mais de um ano, o movimento mais global já existe há mais tempo. Este operação terá sido desencadeada após as autoridades terem descoberto, em abril, os planos de outro grupo do Reichsbürger que planeava raptar o ministro da Saúde, Karl Lauterbach, por causa das políticas restritivas contra a covid-19. Esse gesto seria o "prelúdio" do golpe de Estado.
Após o golpe, o poder seria entregue ao príncipe Heinrich XIII, descendente da Casa de Reuss, que foi criada no século XII e governou a região no atual estado da Turíngia até ao colapso do império, na Revolução de 1918. A família recebeu terras e títulos do imperador Henrique VI, daí a homenagem que é feita com o nome dos herdeiros masculinos.
Heinrich XIII é um empresário do setor imobiliário de Frankfurt, casado com a iraniana Susan Doukht Jalali. A família há anos que se tem vindo a distanciar dele, com um porta-voz a dizer aos media alemães, em agosto, que ele era um velho "parcialmente confuso" que se deixou envolver nos "equívocos das teorias da conspiração".
susana.f.salvador@dn.pt
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