Dotados de uma experiência profissional em cargos europeus a que muito poucos chegaram, o presidente da Mesa da Assembleia Geral do Conselho da Diáspora Portuguesa José Manuel Durão Barroso e o antigo embaixador da União Europeia João Vale de Almeida deixaram conselhos a Portugal e aos portugueses na reunião anual daquele órgão fundado em 2012. O primeiro defendeu que o país tem de apostar no tabuleiro europeu, enquanto o segundo apregoou a aposta na organização e no rigor. As intervenções foram curtas, e em momentos diferentes, mas no mesmo sentido. O contexto internacional mudou, e para pior, nos últimos anos, mas os portugueses têm motivos para um prudente otimismo se afinarmos na mesma nota. Durão Barroso advertiu para a situação perigosa atual. “Algumas potências querem afirmar a força bruta em vez dos mecanismos da diplomacia e do multilateralismo. Isso torna tudo mais difícil para nós. Mas nós temos a Europa. Na Europa todos os países são pequenos, mas alguns não se deram conta. A única maneira de contarmos é ter a escala europeia para defender os nossos interesses e projetarmos os nossos valores.” João Vale de Almeida, que se apresentou como “diasporante há 37 anos”, disse que “somos todos embaixadores de Portugal” e proclamou que é mais do que chegado o tempo de deixarmos os três pês e substituí-los pelos três ás. Ou, como disse: “Temos de acabar com a síndrome dos três pês, de Portugal país periférico, pequeno e pobre.” Vale de Almeida, que nos últimos anos da carreira foi embaixador da União Europeia nas Nações Unidas, nos EUA e no Reino Unido, propôs em alternativa um “triplo A”, ou seja, um país “ágil, ambicioso e atrativo”. Para isso há que assumir as limitações, mas enaltecer e amplificar as capacidades do país. “É essa a mensagem que tenho. Vi Portugal a fazer coisas excecionais na UE. Mas temos de ser muitos exigentes e rigorosos e procurar a excelência.”. O autor do livro O Divórcio das Nações partilhou o painel sobre diplomacia económica e diplomacia cultural em diálogo com Manuel Santiago, presidente da Music Series Festivals Association, iniciativa que tem como objetivo promover artistas portugueses da música erudita. Este, na sua missão de encontrar audiências e visibilidade, reconheceu existir “um mundo por identificar e explorar nesse soft power cultural”. Vale de Almeida aproveitou a deixa: “Temos de contar com o soft power, é uma dimensão essencial, mas não é a única. Há que conjugar esforços, com organização, organização, organização, com mais eficácia e eficiência. Mas a minha mensagem é otimista, Portugal não se deixa ficar mal.” Considerou ainda que se deve realçar o papel dos privados e dar um sentido de urgência para não perder tempo em coisas periféricas”. Numa nota dissonante com o discurso político vigente sobre a perda de capital humano e o respetivo investimento para o estrangeiro, Vale de Almeida disse não alinhar nesse “discurso lacrimejante” porque “cada jovem que emigra é um asset para Portugal e que mais tarde vai trazer retorno”. .João Vale de Almeida: “Não devemos desistir da América de forma irresponsável e precipitada”. “Orgulho” foi uma palavra que ecoou por diversas vezes na Cidadela de Cascais. O secretário de Estado das Comunidades Emídio Sousa terá sido o primeiro a pronunciá-la, tendo realçado que os portugueses devem-no ter, mas desprovido da arrogância. Vale de Almeida concordou. “O orgulho arrogante não nos caracteriza e ainda bem. Temos de ter mais autoconfiança naquilo em que acreditamos e defendemos, não de uma forma indelicada, mas termos orgulho.”Também Durão Barroso manifestou o seu orgulho ao invocar o processo de paz de Bicesse entre o governo angolano do MPLA e a UNITA. “É uma das coisas de que mais me orgulho. As partes não se falavam. Não há muitos casos, ou nenhum, de uma antiga potência colonial seja chamada a fazer a paz entre as partes”, disse, lamentando porém que o acordo não tenha perdurado. “Temos essa predisposição, somos menos arrogantes, temos mais humildade mas sem sermos subservientes. Já a arrogância é uma manifestação de estupidez. Devemos exportar a excessiva autocrítica para quem precisa dela”, sugeriu.Durão Barroso pegou nos traços dos portugueses e comparou-os com os de outros países ao responder porque se questionava o facto de um português chegar a presidente da Comissão Europeia -, o único até agora a não pertencer a um dos países fundadores ou dos maiores. “A razão pela qual não perguntavam isso a um francês, inglês ou alemão é porque era normal.” Prosseguiu: “Temos de ser realistas sobre a excelência portuguesa. Ainda somos vistos com uma certa condescendência”, e recordou que antes dele o único português a dirigir uma “grande organização internacional” deu-se no século XIII com o papa João XXI. “Daí termos de justificar estar nestas posições. Detesto o complexo de inferioridade, que alguns portugueses têm, e o de superioridade, porque não somos os melhores do mundo.”O antigo primeiro-ministro disse que os espanhóis têm “imensa inveja” dos portugueses por terem alcançado cargos internacionais de topo nos últimos anos. A explicação: “Os portugueses são naturalmente mais equilibrados, moderados, de compromisso. Os espanhóis são muito mais categóricos”, disse, acrescentando que os portugueses são por estes comparados aos galegos: “Não sabem se estamos a subir ou a descer uma escada.”Durão Barroso revelou que foi um telefonema realizado à sua frente, em Istambul, por Jacques Chirac e Tony Blair a Jorge Sampaio, e à resposta do Presidente, que o convenceram a avançar para a Comissão. O presidente francês e o primeiro-ministro pediram a Sampaio que este não dissolvesse a Assembleia da República, uma das duas condições para aceitar mudar-se para Bruxelas (sendo a outra a garantia de que o seu nome reuniria o consenso). “A minha saída para a Comissão foi muito controversa em Portugal”, recorda, mas em contraponto lembra como foi recebido nas ruas francesas e suíças pelos emigrantes. “Mobilizou imenso os portugueses”, em particular aqueles que emigraram “com estatuto social diminuído, em posição secundária”..Luxemburgo é exemplo de política migratória para Marcelo Rebelo de Sousa .Encerrou o encontro Marcelo Rebelo de Sousa. O Presidente, que é presidente honorário do Conselho da Diáspora Portuguesa, relembrou o progresso daquele órgão, mas acabou por se centrar em questões internas: a demografia e a imigração. Ao fazê-lo ligou-o à diáspora, ao falar do Luxemburgo, país que “há 50 anos optou pela imigração portuguesa”. Disse que a sociedade daquele país ainda era rural, católica, conservadora e “escolheu pelas afinidades” numa “aposta de Estado”. Recordou que o governo do então primeiro-ministro Jean-Claude Juncker fez investimentos em Portugal “em habitação, em instituições sociais, em educação”, tendo como objetivo o regresso de parte da população migrante do grão-ducado. O Presidente aponta como única crítica a este país modelar no acolhimento de migrantes a persistência “do problema do elevador social”. Marcelo revela viagem de Rangel O ministro dos Negócios Estrangeiros Paulo Rangel, por inerência de funções vice-presidente honorário do Conselho da Diáspora Portuguesa, participou à distância no encontro anual por se encontrar em Bruxelas, no Conselho Europeu, com o primeiro-ministro Luís Montenegro e depois seguir para a Polónia, onde irá encontrar-se com o homólogo, Radoslaw Sikorski, e assinar um memorando de entendimento, segundo o ministério. Mas a viagem não fica por Varsóvia. Segundo revelou Marcelo Rebelo de Sousa durante a sua intervenção, o chefe da diplomacia irá também à Ucrânia. Uma informação por norma reservada por motivos de segurança.