O último grande "padrinho" siciliano foi preso ao fim de 30 anos a monte

Matteo Messina Denaro, considerado o sucessor de Totò Riina, o "padrinho dos padrinhos", está ligado a uma onda de violência sem precedentes contra magistrados, polícias e testemunhas nos anos 90. Desde então manteve a liderança da Cosa Nostra na sombra.

Em setembro de 2021, as autoridades italianas regozijaram-se com a notícia da detenção, em Haia, do fugitivo à justiça Matteo Messina Denaro. O suspeito estava num restaurante a jantar com o filho quando a polícia neerlandesa o vendou e transportou para uma prisão de alta segurança, onde foi mantido em isolamento durante três dias. O detido era afinal um cidadão inglês, de 54 anos, sem qualquer relação com o homem conhecido como "Diabolik" e "U Siccu", desaparecido desde 1993 e condenado à revelia a uma pena de prisão perpétua. Ontem não houve qualquer troca de identidade. Apesar de estar a receber tratamento sob o nome de Andrea Bonafede, quando as forças policiais irromperam numa clínica em Palermo para lhe deitarem a mão, declarou: "Eu sou Matteo Messina Denaro."

Filho de "Don Ciccio", um chefe da Cosa Nostra de Castelvetrano, uma vila na província de Trapani, na Sicília, Denaro, de 60 anos, é considerado o último grande "padrinho" daquela organização criminosa e o herdeiro de Salvatore "Totò" Riina. A sua fama de assassino cruel ganhou contornos de lenda devido ao tempo em que conseguiu iludir as autoridades - três décadas - enquanto manteve o poder na província, mantendo negócios de tráfico de drogas e de apostas, mas também de imobiliário e até de energia eólica. Foi o número um na lista dos mais procurados de Itália, acusado de associação mafiosa, múltiplos assassínios e uso de explosivos. Da sua lenda de sanguinário faz parte a frase que terá proferido de que as suas vítimas podiam "encher um cemitério".

Messina Denaro começou a ser procurado pelas autoridades em 1989, acusado de associação com a máfia pela participação na luta entre dois clãs rivais e também suspeito de homicídio de um empresário hoteleiro que se queixava da presença da máfia. Ao que consta, bastou que uma funcionária do hotel, sua amante, tenha contado a indignação do patrão para lhe valer de sentença de morte. Em 1992 participou no assassínio de Mincenzo Milazzo, chefe de um clã rival, e estrangulou a sua companheira, que se encontrava grávida.

"Diabolik" - o nome de uma personagem criminosa de BD italiana - foi condenado à revelia por estar por detrás dos atentados bombistas de 1993 em Roma, Milão e Florença que mataram 10 pessoas, poucos meses após a Cosa Nostra ter assassinado os juízes Giovanni Falcone e Paolo Borsellino, que lideravam a investigação contra a máfia, em ataques semelhantes.

Foi também condenado por muitos outros homicídios, em especial o de Giuseppe Di Matteo, de 12 anos, cuja história tem contornos especialmente cruéis. Após ter sido raptado e mantido em cativeiro cerca de dois anos, numa tentativa de dissuadir o seu pai de testemunhar contra a máfia, o menino acabou estrangulado e o seu corpo foi dissolvido em ácido.

Denaro ganhou também fama por conduzir automóveis desportivos, vestir roupa luxuosa e usar relógios de dezenas de milhares de euros. Um playboy que colecionou amantes e, segundo foi revelado em tribunal, na sua juventude era participante em festas sexuais com "senhoras da alta burguesia" de Palermo, segundo conta a agência ANSA.

Em 2015, a polícia descobriu que Messina Denaro comunicava com os seus colaboradores mais próximos através de notas manuscritas. O procurador-adjunto Paolo Guido disse que o desmantelamento da sua rede de protetores era fundamental.

A detenção aconteceu 30 anos e um dia depois da prisão de Totò Riina, o "padrinho dos padrinhos" e inspiração para a obra de Mario Puzo O Padrinho, de quem Denaro era herdeiro e que suplantou pelo menos no tempo de foragido - Riina também foi preso em Palermo, mas ao fim de 23 anos. Segundo as autoridades, Denaro estava na clínica La Maddalena para uma sessão de quimioterapia, um tratamento que segue há um ano a um cancro no cólon. Quando os outros utentes e transeuntes se aperceberam de quem estava a ser preso, a polícia recebeu aplausos e elogios.

"Matteo Messina Denaro foi capturado graças à recolha de um grande número de dados de informações de vários departamentos dos Carabinieri, na estrada, por meio de escutas telefónicas, de várias bases de dados para o levar à prisão", comentou o comandante dos Carabinieri, Teo Luzi, que se mostrou exultante, "porque é um resultado extraordinário".

A Palermo acorreu não só o chefe daquela unidade paramilitar, mas também a primeira-ministra, Giorgia Meloni. Além de ter feito uma paragem no monumento de homenagem a Falcone, à sua mulher e aos três agentes mortos no atentado, Meloni reuniu-se com as chefias policiais e judiciárias e propôs que o dia 16 de janeiro passe a ser da luta antimáfia.

"Um dia extraordinário para o Estado", disse o ministro do Interior, Matteo Piantedosi, que recebeu um telefonema de congratulações do presidente, Sergio Mattarella.

Lista dos mais procurados reduzida a quatro

Um assassino sem ligações criminais e três mafiosos cada qual de sua organização: são estes os quatro criminosos da lista de fugitivos italianos altamente perigosos, segundo a ANSA. Attilio Cubeddu, nascido em 1947, é procurado desde 1997, quando este decidiu não regressar à prisão de uma licença precária, onde cumpria pena por homicídio, sequestro e lesões corporais graves. Giovanni Motisi, nascido em 1959, enfrenta prisão perpétua por um rol de crimes relacionados com a máfia siciliana e é procurado desde 1998. Já o napolitano Renato Cinquegranella, nascido em 1949, é procurado desde 2002 por associação criminosa com a Camorra. Por fim, Pasquale Bonavota, nascido em 1974, é procurado desde 2018 por associação mafiosa ("ndrangheta), e homicídio.

cesar.avo@dn.pt

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