A crise diplomática que começou há mais de um ano entre o Canadá e a Índia agravou-se na última semana, depois de as autoridades canadianas acusarem diretamente agentes do governo indiano de estarem por detrás de “atividade criminosa grave” no seu território. Na origem das tensões, que levaram à expulsão mútua de diplomatas, está o assassínio de Hardeep Singh Nijjar, um líder separatista sikh no Canadá. A última reviravolta é o nome do gangue que estaria a fazer o trabalho sujo de Nova Deli, mesmo com o seu líder, Lawrence Bishnoi, na prisão. A Índia nega todas as acusações, mas a crise parece estar para durar..Ativista nascido no Punjab, Hardeep Singh Nijjar mudou-se para o Canadá nos anos 90. Entrou ilegalmente, trabalhou como canalizador, casou e teve dois filhos. Obteve a cidadania em 2015, tornando-se em 2020 presidente do templo sikh em Surrey, à porta do qual foi morto a tiro por três homens, a 18 de junho de 2023. Três anos antes tinha sido classificado como “terrorista” pela Índia, por defender a independência do Calistão e um referendo sobre o tema..O movimento separatista sikh ganhou força nas décadas de 70 e 80, com as autoridades indianas a responderem com repressão aos atos de violência. Atualmente a ideia de um Calistão independente está ativa, principalmente na diáspora. Fora da Índia e do Paquistão, é no Canadá que vive o maior número de sikhs - quase 772 mil, segundo o Censo de 2021. Ainda antes da morte de Nijjar, já o governo liderado por Narendra Modi acusava o primeiro-ministro canadiano, Justin Trudeau, de apoiar os sikhs (nem todos defendem a criação do Calistão) com motivos eleitorais, já que estes tendem a votar no Partido Liberal..Mas a morte do separatista agravou mais as tensões, com a primeira expulsão de diplomatas em setembro do ano passado, depois de as autoridades canadianas anunciarem que estavam a investigar “alegações credíveis” de que havia ligações entre o governo indiano e os autores do crime. Um mês depois, Otava retirava 41 diplomatas da Índia, após Nova Deli avisar que iam perder a imunidade diplomática por “interferência contínua” nos assuntos internos do país..Os alegados autores da morte de Nijjar foram detidos em maio, mas a investigação continuou. Na segunda-feira, Trudeau disse que a polícia tinha encontrado “provas claras e convincentes” de que agentes indianos estavam envolvidos em atividades - desde recolha de informação e coerção - que ameaçam a segurança pública no Canadá e que ia expulsar seis diplomatas indianos - um deles o alto comissário (o mais alto representante nos países da Commonwealth). .A Índia respondeu na mesma moeda, negando categoricamente todas a acusações. Nova Deli alega que Otava não partilhou “a mínima prova”, apesar dos “muitos pedidos”. Também acusa Trudeau de ter “uma estratégia deliberada de difamar a Índia para obter ganhos políticos.”.O nome de Bishnoi foi mencionado na conferência de imprensa da polícia, na segunda-feira, e repetido por Trudeau numa audição parlamentar na quarta. O primeiro-ministro disse existirem provas que envolvem diplomatas indianos “na recolha de informações sobre canadianos que são opositores ou estão em desacordo com o governo de Modi”, com a secreta indiana a passar depois esses dados “para organizações criminosas, como o grupo Lawrence Bishnoi”. .Mas quem é Bishnoi? Com apenas 31 anos, é o líder de um dos maiores gangues indianos - e que acaba de ganhar ainda mais fama depois de ter sido mencionado por Trudeau. O grupo que leva o seu nome é suspeito de ter matado um conhecido rapper sikh em 2022 e executado um político em Mumbai no início deste mês, apenas pela sua amizade com o famoso ator de Bollywood Salman Khan. Este é alvo de várias ameaças de morte do gangue por ter matado dois antílopes numa caçada recreativa no Rajastão em 1998. Para a seita religiosa de Bishnoi estes animais são sagrados. .Lawrence nasceu no Punjab (como Nijjar), sendo filho de um antigo polícia cuja família tinha mais de 40 hectares de terras. Batizado em homenagem a um antigo administrador britânico do território, foi ao estudar Direito na universidade que se começou a envolver com política - e com o crime. Preso por fogo posto e tentativa de homicídio, foi enviado para uma prisão onde basicamente aprendeu a “profissão”. .Há mais de uma década que Bishnoi anda de prisão em prisão - está atualmente numa no Estado de Gujarat -, enquanto o seu grupo continua a crescer e a ganhar força. Alguns acreditam que o consegue fazer por contar com proteção oficial (o partido de Modi governa nesse Estado) ou algum poderoso apoiante. Os seus tentáculos estendem-se ao Canadá e aos EUA, onde também houve tentativas de assassínio de líderes sikhs e diplomatas foram acusados..susana.f.salvador@dn.pt