Quem admite votar em Lula da Silva para presidente também está disposto a votar Tarcísio de Freitas, suposto herdeiro dos votos do inelegível Jair Bolsonaro, para governador de São Paulo, nas eleições gerais de 2026, revela sondagem do instituto Datafolha dos últimos dias. Ou seja, caso Lula, do PT, decida recandidatar-se ao Planalto, como parece provável, e Tarcísio resolva tentar um segundo mandato no estado, como vem assegurando que pretende, os paulistas, que são 22% da população brasileira, estão dispostos a votar em ambos – a votar, como já se diz na gíria política brasileira, “Lulísio”.Entre os eleitores que consideram o governo do país ótimo ou bom, 38% têm a mesma opinião sobre a gestão Tarcísio. E entre os que aprovam, pessoalmente, o presidente, 49% avaliam positivamente o governador paulista. Parece contraditório, uma vez que Lula é do PT, classificável como de esquerda ou de centro-esquerda, e Tarcísio é do Republicanos, visto como o braço político da IURD e situado na direita conservadora. Mas está a ser interpretado por cientistas políticos como um apelo do eleitorado à conciliação, ao equilíbrio – como em regimes, como o português, onde a população por vezes vota num governo à esquerda quando o presidente é de direita e vice-versa.“O voto Lulísio é útil sobretudo para Tarcísio, que quer afastar-se do bolsonarismo, surgir como alguém moderado e ganhar votos na corrida ao governo de São Paulo de quem vota no Lula para presidente em 2026”, diz ao DN o cientista político Vinícius Vieira, da Fundação Armando Álvares Penteado. “Como nesta eleição presidencial, Lula ainda deve concorrer e até, provavelmente, ganhar, Tarcísio tentará a reeleição em São Paulo e apostará em 2030, quando Bolsonaro ainda deve estar inelegível e Lula também, porque não pode concorrer a um terceiro mandato seguido, ou seja, visa herdar os votos de Bolsonaro e ainda conquistar o centro”. Tarcísio, embora apareça como candidato mais forte do bolsonarismo já em 2026, perde, como todos os demais supostos herdeiros do ex-presidente, no duelo com Lula – 43% a 24% – no cenário testado naquela mesma sondagem, razão pela qual deve tentar a reeleição no estado..“Há uma tendência do eleitorado, sobretudo em Minas Gerais, de votar mais à direita para o governo do estado e mais à esquerda para o governo federal ou vice-versa”, continua o politólogo. “Como em 1966, quando já em ditadura ainda houve eleições estaduais em Minas Gerais e o vencedor, Israel Pinheiro, era aliado do ex-presidente Juscelino Kubitschek, ou seja, foi um movimento claro contra a ditadura”.“Em São Paulo é mais novidade porque no estado normalmente os candidatos de centro-direita ou direita vencem no estado e os candidatos dessa área política são também os mais votados para o Planalto, como no caso da dupla Bolsodoria”, lembra.Bolsodoria, Lulécio e outrasO voto Bolsodoria, de 2018, refere-se a eleitores que preferiram Bolsonaro para presidente e João Doria para governador paulista. Na ocasião, Doria, do PSDB, de centro-direita, tentou usar o slogan como trampolim eleitoral, uma vez que Bolsonaro, candidato de extrema-direita na altura no PSL, estava muito à frente do seu colega de partido Geraldo Alckmin.Nas eleições de 2022, depois de Bolsonaro e Doria no exercício dos cargos terem rompido relações a propósito da vacinação contra a covid-19, o slogan tornou-se uma assombração para o segundo, atacado à direita e à esquerda pela associação ao primeiro. “E o voto Lulécio, a aposta no voto no Lula para Brasília e no Aécio Neves para o governo de Minas Gerais não resultou na eleição de Aécio para presidente, como ele pretendia”, lembra Vieira. “Em 2010, não conseguiu ser candidato do PSDB, foi José Serra, e em 2014, perdeu para Dilma Rousseff, essa experiência, portanto, não é muito alvissareira para Tarcísio...” Outros votos casados fizeram história na política brasileira como o voto Bolsoleite, em Bolsonaro para presidente e em Eduardo Leite, do moderado de direita PSDB, para governador do Rio Grande do Sul em 2018 e 2022, ou o voto Bolsozema, reunindo o líder da extrema-direita brasileira e Romeu Zema, eleito e reeleito governador de Minas Gerais nas mesmas eleições pelo Novo, espécie de Iniciativa Liberal.O tarcisismoNa segunda daquelas eleições, porém, houve também apelo ao voto Lulema, para equilibrar a esquerda, representada por Lula, e a direita de Zema. Tarcísio, entretanto, tem trabalhado em dois tabuleiros para conquistar o centro: em manifestações pro-Bolsonaro ataca Lula e exalta o ex-presidente mas em obras oficiais afaga o atual e não se refere ao antecessor. Mas afinal o que representa Tarcísio? “O tarcisismo é, no fundo, uma combinação do bolsonarismo, do malufismo [referência a Paulo Maluf, ex-governador e ex-prefeito de São Paulo], que era linha dura nas questões de segurança pública e tinha foco em obras, e de tucanismo [numa referência ao PSDB, partido fundado por Fernando Henrique Cardoso], Na moderação e no ar técnico, por isso ele precisa do voto Lulísio”, resume Vinícius Vieira.