A perseguição das autoridades norte-americanas ao líder da Venezuela não é de hoje, nem a acusação de que é o cabecilha de um alegado grupo de narcotráfico. Mas nos últimos dias voltaram à carga contra Nicolás Maduro, tendo a procuradora-geral anunciado que a recompensa por informações que levem à sua detenção ou condenação poderá ascender a 50 milhões de dólares (43 milhões de euros), quando antes se fixava nos 25 milhões. "É um dos maiores narcotraficantes do mundo e uma ameaça para a nossa segurança nacional", disse Pam Bondi na quinta-feira. Esta adiantou que o Departamento Antidrogas (DEA) apreendeu "30 toneladas de cocaína vinculadas a Maduro e seus associados, das quais sete toneladas estão relacionadas com o próprio Maduro" e disse que mais de 700 milhões de dólares em bens, incluindo dois aviões, foram apreendidos.Em paralelo, o Departamento de Estado declarou que o presidente venezuelano -- a quem não reconhece como tal -- "tem sido um líder na última década do Cartel de los Soles, o qual é responsável por traficar droga para os Estados Unidos". De regresso à Casa Branca, uma das primeiras ordens executivas de Donald Trump foi de instruir o Departamento de Estado para este passar a designar as organizações criminosas de tráfico de droga como terroristas. No mês passado, o Cartel de los Soles ganhou o estatuto de grupo terrorista global e as autoridades acusaram Maduro e outras altas figuras da república bolivariana de chefiarem o bando. Na sexta-feira, o The New York Times revelava que Trump ordenou "secretamente" o Pentágono para usar as forças militares contra cartéis de droga, uma escalada que faz recordar a controversa operação militar no Panamá, em 1989. Então, sob ordens do presidente George Bush, mais de 20 mil militares foram enviados para aquele país da América Central para deter o presidente Manuel Noriega, acusado de tráfico de droga. Agora, a amplitude de movimentos é outra, mas as questões relacionadas com a sua legalidade serão de novo trazidas a debate. Como realça o jornal nova-iorquino, uma lei de 1878 veda as forças armadas de fazer o trabalho das forças policiais, embora a Marinha conduza operações de interceção de embarcações de narcotráfico, sob comando da Guarda Costeira.O cartel que não o éNinguém sabe ao certo se existe nem quando foi formado. Há quem diga que viu a luz do dia depois da chegada ao poder de Hugo Chávez (1999), quando as instituições estatais passaram a estar subjugadas aos militares. Segundo esta teoria, as redes de tráfico de drogas passaram para o controlo de altas figuras militares, resultado da sua coordenação com os guerrilheiros colombianos, que há muito se financiavam com esse negócio. Para o Insight Crime, centro de investigação de crime organizado da América Latina e Caraíbas, a origem deste grupo criminoso nas fileiras do exército venezuelano precede a era de Chávez. O seu nome faz alusão às insígnias dos generais, que no lugar das estrelas têm sóis. Quanto ao termo cartel, não é rigoroso. Segundo o codiretor do Insight Crime Jeremy McDermott, "não é um cartel, é um grupo de círculos ou redes dentro do regime chavista que facilitam, protegem ou participam no narcotráfico". Em declarações à BBC em 2020, quando o grupo foi acusado pela primeira vez pelas autoridades norte-americanas, McDermott descrevia o carácter único da Venezuela face aos outros países de exportação de cocaína: "A diferença na Venezuela em comparação com o México e a Colômbia é que uma elevada percentagem do negócio é gerido dentro do Estado." Também à BBC, mas em 2016, o ex-general Clíver Alcalá, que rompeu com Maduro, afirmou: "Que existe uma estrutura que permite a droga sair da Colômbia, passe pela Venezuela e chegue à Europa e EUA, existe."Quando o Departamento de Estado acusou Maduro pela primeira vez, durante o primeiro mandato de Trump, a recompensa foi fixada em 15 milhões de dólares. A administração Biden subiu a quantia para 25 milhões no final do mandato, já este ano, depois de ter considerado o resultado das últimas eleiões presidenciais uma fraude e reconhecido o candidato da oposição Edmundo González como vencedor.Em 2020, Maduro reagiu à acusação de que era visado, ao lado de outras figuras do regime, classificando a administração Trump de "cowboys racistas do século XIX". Diosdado Cabello, atual ministro do Interior, acusado pelos EUA e há muito suspeito de fazer parte da chefia do grupo, dizia em 2015: "Aos que me acusam de narcotráfico, apresentem-me uma prova, uma só." Em 2019, o general Hugo Carvajal, antigo chefe dos serviços de informações militares, apoiou Juan Guaidó na tentativa de derrube de Maduro, mas como o regime não caiu, Carvajal fugiu para Espanha, onde acabou preso. Carvajal era um dos acusados pelas autoridades dos EUA, e acabou por ser extraditado em 2023. Conhecido como El Pollo (o Frango), declarou-se culpado dos crimes de tráfico de droga e de branqueamento de capitais em junho passado, durante o julgamento. Dois anos antes, ao ouvir as acusações, declarou-se inocente. Uma reviravolta que faz alimentar a especulação de que este homem, que foi próximo de Hugo Chávez, chegou a acordo com a justiça norte-americana e que, a troco de uma sentença favorável, tenha revelado informações relevantes sobre o esquema de tráfico de droga.Na quinta-feira, Pam Bondi assegurou que "Maduro não escapará à justiça". Em resposta, o ministro dos Negócios Estrangeiros venezuelano Yvan Gil qualificou a iniciativa de "cortina de fumo mais ridícula alguma vez vista" e atacou a procuradora-geral, "a mesma que prometeu uma inexistente lista secreta de Jeffrey Epstein e que se envolve em escândalos de favores políticos".