O que torna o caso Koldo tão grave? Os alegados crimes e subornos pagos para a adjudicação de obras públicas ou a proximidade dos suspeitos ao primeiro-ministro Pedro Sánchez?Acho que é a proximidade a Sánchez. Estamos a falar de dois secretários de Organização do PSOE [José Luis Ábalos e Santos Cerdán] escolhidos diretamente por Sánchez. E que tiveram não só cargos no partido, o terceiro mais importante na hierarquia, mas também no governo. É uma corrupção que independentemente da quantia, que só será determinada pelos tribunais, denota uma falta de ética absoluta no comportamento público da parte de pessoas estreitamente ligadas à carreira política do primeiro-ministro. Foram as pessoas que o acompanharam na digressão que fez no famoso Peugeot para convencer as bases socialistas a que votassem nele nas primárias [em 2016, após se ter demitido pelos maus resultados eleitorais] e desde aí estiveram sempre ligadas a ele. É uma situação que, independentemente da quantia roubada, denota uma importante corrupção moral. Algumas sondagens mostram que os espanhóis duvidam que Sánchez não tivesse conhecimento destes alegados crimes... Dizem as sondagens, mas diz sobretudo o senso comum. São quase dez anos de convivência. Para lá das provas juridicamente fiáveis da culpabilidade ou não destes personagens, a transcrição das conversas que houve entre eles para realizar essas operações fraudulentas mostra um caráter moral bastante deteriorado. E isso não apenas no tema da corrupção económica, mas, por exemplo, no comentário que fez Cerdán a Koldo para que metesse dois votos na urna quando ninguém estivesse a ver. Sánchez disse que isso não tem importância, porque são dois votos. Como não tem importância? É igual. Não se trata da quantia, trata-se do caráter moral de alguém que, numas primárias, é capaz de dizer a um colaborador próximo para cometer fraude eleitoral para que Sánchez possa ganhar. Estamos, efetivamente, numa deterioração tão clara desde o ponto de vista do senso comum que é difícil pensar que Sánchez não sabia quem eram de verdade Ábalos e Cerdán. Além disso, existe a questão que, mesmo se não soubesse, é evidente que era ele quem os tinha escolhido e era ele o responsável por controlar, efetivamente, que não estavam a cometer este tipo de atividades fraudulentas. Por uma razão ou outra, acho que as pessoas que não têm um interesse económico ou um interesse político direto em que as coisas não mudem, têm muito claro que a única solução para sair desta crise moral é que Sánchez se demita. Tanto Cerdán, o ex-ministro dos Transportes, como o seu antigo assessor, Koldo García, tinham ficado em liberdade após serem ouvidos pelo juiz. O facto de esta semana Santos Cerdán ter ficado em prisão preventiva ainda agravou mais a situação? O juiz considerou, com base em todos os indícios, que Cerdán era o líder do esquema e quem iniciou esta operação interna de corrupção no partido no poder. Mais grave é que a defesa de Cerdán é a mesma que tem feito o PSOE de Sánchez desde o início para justificar que não há nada de corrupção nem de mau comportamento nos atos do governo, alegando que tudo era uma operação da direita e dos juízes. Cerdán tentou fazer um comício político, aliás queria que o interrogatório fosse transmitido em direto por streaming. Tentar acusar os próprios juízes de fazerem parte da operação contra ele e contra o PSOE por serem progressistas é um escândalo. É evidente que não está acusado por ser socialista ou progressista, mas sim por factos muito concretos. A oposição insiste em pedir eleições antecipadas, mas o primeiro-ministro rejeita esse cenário e diz que fica até às eleições de 2027. Até quando pode resistir?Acho que vai resistir os dois anos. Acho que noutros países os casos de corrupção têm impacto, mas em Espanha não é tão importante como deveria no comportamento do eleitorado. A última sondagem publicada por um jornal normalmente crítico do governo, o El Mundo, apesar de titular que o PSOE se está a afundar, na realidade mostrava que só tinha caído 1,5 pontos percentuais. No momento em que está a acontecer o escândalo. E pela frente há o verão, há dois anos, pode haver uma mudança do foco mediático através de novas medidas da esquerda e é preciso ter em conta que, neste momento, há uma rede de interesses mútuos que torna impossível uma moção de censura no Congresso. Sánchez chegou ao poder numa moção de censura precisamente por causa dos escândalos de corrupção no PP. Foi isso que fez cair Mariano Rajoy. Por que é que agora não é uma opção para Alberto Núñez Feijóo?Isto demonstra, precisamente, que aquela moção de censura apresentada com a desculpa da corrupção era, na realidade, uma moção que já tinha em si um projeto de governo de aliança com os nacionalistas bascos e catalães. E por isso é que triunfou, não pelo tema da corrupção. E por essa mesma razão não há possibilidade de um governo alternativo. A Constituição espanhola apostou, desde o princípio, numa moção de censura construtiva. Pode-se estar muito contra este governo, mas se não há um alternativo, com um projeto, então não se pode mudar o governo. Esse é um problema, mas também uma garantia de estabilidade, para que os governos não estejam a mudar continuamente nem haja um vazio de poder. Mas que não se consiga agora a moção de censura também demonstra a falta de estratégia e de consolidação política de uma alternativa em Espanha. O PP devia ter deixado, há muito tempo, de apontar todos os defeitos, que são muitos, de Sánchez e do PSOE, e ter posto o foco na construção de uma alternativa maioritária. E não o está a fazer. Não está a criar uma alternativa de centro liberal que possa atrair alguma parte do eleitorado progressista, para o qual é insustentável um governo em que os princípios da democracia estão a ser postos em causa. Portanto, acho que o apoio dos partidos nacionalistas e do Sumar a Sánchez vai continuar, com um pouco de discórdia interna e alardear das mudanças que devem acontecer. E serão tomadas algumas medidas que não mudam absolutamente nada, mas que permitirão ao atual governo manter-se no poder mais dois anos. Eles têm os números, por isso vai ser assim. Um dos argumentos de Sánchez para resistir é porque não quer entregar o poder ao Vox. Não corre o risco de favorecer mais a extrema-direita assim?O que favorece a extrema-direita é a falta de confiança na democracia e a continuidade de um governo em que a moral está em causa, porque a única coisa que fará efetivamente é encher as urnas com mais votos de extrema-direita dentro de dois anos. Mas o PSOE de Sánchez é o primeiro a beneficiar da existência de uma força de extrema-direita em Espanha capaz de bloquear a alternância política. O PSOE vê nisto uma oportunidade, em conluio com os nacionalistas, de se perpetuar no poder. E esta perpetuação no poder é o que produz a corrupção do sistema político, porque não há democracia sem alternância. E quando a alternância é bloqueada, como neste caso, por uma pressão baseada nesta retórica antifascista, com uma aliança com os nacionalistas, bloqueia-se o sistema político. É isso que está a acontecer em Espanha. Em Portugal, António Costa demitiu-se quando surgiram suspeitas, mas o país só foi para eleições porque o Presidente assim o entendeu. Em Espanha é possível que Sánchez se demita e que outra pessoa do PSOE assuma o poder sem ir a novas eleições?Constitucionalmente o primeiro-ministro podia demitir-se e outro membro do PSOE apresentar-se ao voto de confiança do Parlamento. Mas o que acontece é que aí é mais difícil que os sócios atuais digam que “sim”. Porque agora têm a desculpa de que o que estão a fazer é dizer “não” ao PP e ao Vox, não “sim” a este governo. Mas se houver um debate de confiança, teriam que apresentar um programa e teriam que analisar o que passou com o tema da corrupção e por tanto dizer “sim” a um governo deste PSOE. Por outro lado, se a alternância a Sánchez, que é o que deveria acontecer num congresso do PSOE, fosse um socialista que não estivesse implicado em absoluto no seu esquema de poder, então evidentemente que sim podia haver uma saída. Mas essa saída está bloqueada pelo facto de o PSOE estar controlado a 100% por Sánchez. O problema desta corrupção é que não é uma corrupção económica, é uma corrupção político-económica. Corrompeu-se o sistema político em primeiro lugar ao negociar a amnistia a troco de uns votos para continuar no Governo e negociá-la fora de Espanha e, precisamente, por um dos alegados corruptos, Cerdán. Então não há nenhuma alternativa a Sánchez dentro do PSOE?Em termos práticos acho que não há. Porque estão há sete anos com dois secretários de Organização, influenciando diretamente nas listas eleitorais e na eleição dos cargos de todas as organizações do PSOE. O Comité Federal está controlado pelo sanchismo. Dentro do PSOE e à sua volta há, evidentemente, alternativas. Mas nenhuma tem possibilidade de êxito. Está Eduardo Madina, que disputou a liderança a Sánchez, e noutro nível, mais próximo do sanchismo, que talvez possa ser uma alternativa, analistas falaram de Josep Borrell. Podia ser um homem intermédio. Mas eu acho que não, porque o que vai acontecer é uma continuação de Sánchez. Penso que é inútil enganar-me. O curioso é que, quando uma democracia está na situação como esta, ninguém sabe o que vai acontecer a não ser o líder máximo. Não há transparência, porque tudo está na cabeça de Sánchez. E o que pode acontecer no Comité Federal deste sábado?Nada de mudanças. Nada. O que se especula efetivamente é que haverá algumas medidas que, mediaticamente fiquem bonitas, apresentáveis, provavelmente mudanças nos códigos éticos e pôr algumas pessoas novas, renovar. Dar a ideia de que se renovou todos os procedimentos internos. Qualquer tipo de medida exceto a única que deveriam tomar, que era que a equipa responsável por esta situação desse lugar a outra. Isso não vai acontecer, por isso vai ser algo de gattopardiano, com tudo a mudar para que nada mude. O ambiente será pesado na reunião do PSOE, contrastando com o ambiente festivo no congresso do PP, já a partir desta sexta-feira e até domingo. O problema do PP não é Sánchez. O problema do PP não é que Sánchez esteja mal, o problema do PP é que o PP tem que estar bem. Dar uma solução aos problemas do país e, em primeiro lugar, a um diálogo com os nacionalistas. O nacionalismo tanto no País Basco como na Catalunha reflete uma realidade inegável que deu lugar, entre outras coisas, a terrorismo e morte que durou grande parte da democracia, e a uma revolta, digamos assim, apoiada em parte pelos cidadãos da Catalunha, que criou um problema grave para todo o país. Estas duas realidades, gostemos ou não, são realidades e por isso é preciso serem analisadas com eles e encontrar uma saída política, uma saída baseada em princípios democráticos. E isso é muito difícil, é uma tarefa pendente. Porque o problema de Espanha não é a corrupção, esse é um dos problemas, mas é comum a todos os países. O problema é a desintegração territorial. Porque não pode haver democracia sem sustento, sem um povo que se sinta identificado consigo mesmo e construa uma sociedade na qual os direitos de todos sejam exatamente os mesmos. Eu acho que a única solução para o nacionalismo catalão e basco é, efetivamente, deixar falar o povo. Se decidirem continuar com um país comum, com direitos iguais, ficarei muito feliz. Caso contrário, viveremos com eles na União Europeia, sem problemas. Mas não é isso que o PP está a propor, nem o Sumar. Não o propõe ninguém porque é uma verdade incómoda. Esta hipocrisia, este cinismo coletivo, este não querer ver o que é evidente, é o que está a levar-nos a esta degradação política. Mas no PP, Feijóo está numa posição melhor do que nunca...Feijóo é, provavelmente, neste momento, o melhor que tem o PP. Porque é um homem com uma grande experiência de governo, de uma nacionalidade histórica [Galiza], diferenciada de outras regiões por ter uma língua e uma geografia muito particular, mas perfeitamente integrada no que é a construção de Espanha, como ideia democrática de uma só sociedade com a sua diversidade. Está por isso em melhores condições, tanto pela sua natureza liberal, centrista e pragmática, como por pertencer a esta região, para propor uma solução para Espanha da diversidade regional. O problema é que Espanha tem também à direita o Vox e aquele nacionalismo que se mistura com outros problemas que todos os partidos de extrema-direita têm, as tendências anti-imigração, quando a imigração é uma das fontes de riqueza e crescimento do PIB na última década em Espanha, ou anti-turismo. São dois elementos, evidentemente regulados, de crescimento económico, de diversidade cultural, política e económica. Eu acho, efetivamente, que Feijóo é um grande candidato. Mas o problema do PP é que não é só Feijóo. E eu não sei se será capaz de apresentar uma alternativa que seja suficientemente sólida para substituir Sánchez nas próximas eleições. O tempo o dirá. Não sabemos o que vai acontecer nos dois anos que resta de governo. Por causa das iniciativas que possa tomar, como muda a situação internacional, a própria economia, que é o mais importante.