Aos 17 anos, com 300 dólares no bolso e um saco com umas peças de roupa, André Mendes decidiu seguir o seu sonho: ir para a América para jogar basquete. Estávamos em 1979. Chegado a Washington DC, admite: “Andei um pouco à deriva. Tive todos os empregos que se possa imaginar - construção, jardinagem, limpar casas. Tudo, tudo, tudo.” Sentado na esplanada da pastelaria lisboeta O Careca, o luso-americano recorda como só quando começou a dar explicações ao filho do casal cuja casa limpava duas vezes por semana é que as coisas melhoraram: “Deram-me cama e comida.” Ali perto ficava o Montgomery College, a universidade onde começou a estudar Biologia e, claro, a jogar basquete. Mas o dinheiro esgotou-se e Mendes acabou por se virar para a tecnologia. Passados 45 anos, recorda - num português fluentíssimo - como desde então a sua vida foi “sempre a subir”..Estudou informática, foi saltando de emprego em emprego até chegar a Chief Information Officer (CIO) do Public Broadcasting Service, PBS - o equivalente à nossa RTP, mas à dimensão americana -, onde supervisionava, entre outros, a rádio Voz da América, depois foi CIO do Departamento do Comércio, onde também liderou a transição digital..Em 2023 saiu e passou a CIO do Condado de Tarrant, no Texas. Republicano confesso, quando olha para a América hoje, Mendes está convencido de que Donald Trump vai ganhar as Presidenciais de 5 de novembro, mas garante que o milionário é bem menos radical do que muitos temem - e se voltar à Casa Branca “vai ser moderado”. .André Mendes no dia em que chegou ao Aeroporto de Dulles, em Washington, em 1979. Tinha 17 anos..Mas comecemos pelo início. Desafiado a contar a sua história, André Mendes não tem dúvidas que o “início” é o seu pai. “O meu pai nasceu numa zona muito rural do Alentejo, perto de Mértola, numa aldeiazinha chamada São Bartolomeu de Via Glória. Era uma família de nove filhos, em que sete sobreviveram”, recorda o luso-americano enquanto beberica a sua meia de leite. E continua: “O meu pai era o mais fraquinho. Por isso, enquanto os irmãos foram trabalhar para o campo, foram guardar cabras e tudo isso, o meu avô mandou o meu pai para Lisboa, num burro.”.Estávamos em 1941, o pai de Mendes tinha 14 anos e, chegado à capital, começou a estudar à noite e conseguiu um emprego numa pequena casa comercial, “no posto mais baixinho”. “Essa casa comercial comprou outra, depois outra, e outra, e depois comprou um banco. Passou a ser o Banco Totta”. E depois Totta Aliança, Totta & Açores, e finalmente Santander Totta. É com orgulho que Mendes conta como o pai foi subindo todos os degraus dentro do banco, até chegar ao Conselho de Administração, tendo-se formado apenas aos 65 anos, já com 51 anos de casa..Nascido em Lisboa, na Maternidade Alfredo da Costa, André Mendes passou parte da infância no Porto, onde o pai estava a trabalhar. Aos seus 9 anos, a família volta para a capital. Muito alto, foi então que começou a jogar basquete e que surgiu o sonho de ir para a América. Aos 12, a revolução passou-lhe pela porta. Eram 6.30 da manhã quando o pai o acordou a dizer que nesse dia não ia haver escola. Porquê? inquiriu o jovem André. Uma revolução, terá respondido o pai..Era a manhã do 25 de Abril de 1974 e pouco depois a família via os tanques passar da varanda da sua casa na Avenida dos Estados Unidos da América. Ora não era só o nome da rua onde Mendes vivia que era premonitório do que seria a sua vida futura, foi também nesse dia que começou a ouvir a Voz da América na ânsia de que uma voz de fora lhe explicasse o que se passava dentro do seu país..Mendes (2.º a contar da direita) com a equipa dos MCTP Falcons..O que Mendes não imaginava era que algumas décadas mais tarde seria, enquanto CIO da PBS, um dos responsáveis pela supervisão do serviço de radiodifusão internacional financiado pelo Governo dos EUA. “Pelo amor de Deus, como é que eu podia imaginar isto”, exclama agora, numa das suas visitas a Lisboa, onde a mãe, açoriana da Ilha Terceira, ainda vive..Da PBS, Mendes passou para o Departamento do Comércio, mas se trabalhava em Washington, já na altura vivia no Texas. E todas as semanas fazia os mais de 2000 quilómetros entre casa e o emprego na capital federal. “Saía à terça-feira de manhã, levantava-me às 2.00 horas da manhã para apanhar o avião das 5.00 e voltava na quinta à noite, chegava à meia-noite. Às segundas e sextas era teletrabalho”, conta. .Mas como é que foi parar ao Texas, questiono enquanto trinco um dos famosos croissants do Careca? “Pouco depois de entrar para a PBS e para a Special Olympics [organização internacional criada para apoiar as pessoas com deficiências intelectuais] fui passar três semanas à Austrália com a minha mulher. E ela apaixonou-se pelos cangurus e pelos wallabys, que são aqueles cangurus pequeninos. E quando chegámos a Washington ela começou a dizer que era giro ter um wallaby em casa, como pet. Eu não achei que era possível”, recorda Mendes..Das palavras ao atos, a mulher arranjou um wallaby que passou a dividir o quintal da família com o cão. Mas quando o animal desenvolveu problemas de saúde os Mendes perceberam que os veterinários americanos não estavam preparados para tratar o wallaby. Mais uma vez a mulher de André decidiu assumir as rédeas da situação e começou a estudar tudo sobre aquela espécie, sendo hoje “uma das pessoas mais indicadas para o tratamento e a criação de wallabys”, garante o marido. E à medida que o número de pequenos cangurus ia crescendo na casa dos Mendes no Maryland, ao pé de Washington DC, estes perceberam que precisavam de mais espaço se queriam continuar com a criação. Foi assim que se mudaram para o Texas, onde hoje têm mais de 60 animais numa quinta com dez hectares, uma espécie de “zoo, mas que só se pode visitar por marcação.”.O bichinho da política.Em finais de 2013, André Mendes reformou-se do Governo Federal e passou a trabalhar com CIO do Condado de Tarrant, no Texas. Mas durante anos, os cargos que foi ocupando na Administração Federal americana deram-lhe acesso a alguns dos líderes da maior potência mundial. “Eu respondia diretamente a Obama, depois com Trump eram dois níveis, ou seja, o meu patrão respondia diretamente ao presidente, e o mesmo com Biden”, garante o luso-americano..Com as Presidenciais a aproximarem-se rapidamente, não podíamos deixar de falar dos candidatos. A conversa decorreu ainda antes de Joe Biden desistir da candidatura e de a sua vice Kamala Harris ser confirmada como candidata democrata, mas o lusodescendente não duvidava da vitória de Donald Trump. “Eu sou das pessoas mais liberais do mundo e acho que Trump também é, mas agora pintam-no como se fosse homofóbico”, lamenta..Convencido de que o que o ex-presidente faz é dizer o que os americanos querem ouvir, Mendes já então apostava que Biden ia acabar por ter de sair da corrida, mas admitia que Kamala Harris, no mínimo, não o convence como candidata: “Ouvi-la lembra-me o pessoal do MRPP depois do 25 de Abril.”.Mendes com o presidente Ronald Reagan, de quem a primeira mulher de Mendes foi estenógrafa..Ainda antes de nos despedirmos, André Mendes conta-me como a sua relação com a Casa Branca é mais antiga do que a sua chegada a cargos no Governo Federal. “A minha primeira mulher, que também era americana como a atual, era secretária. Um dia viu uma anúncio no jornal a pedir uma estenógrafa”. Respondeu e “duas semanas depois era estenógrafa do presidente Ronald Reagan.”.Tantos anos próximo do poder, o próprio Mendes parece ter sido contagiado pelo bichinho da política. “Provavelmente vou concorrer à Câmara [dos Deputados]” em 2028, avança. E quando comento que neste momento até há cinco congressistas lusodescendente, André Mendes sublinha: “Mas não há nenhum nascido em Portugal. Eu seria o primeiro da História”.