O "genro ideal" Jordan Bardella assume as rédeas na era pós-Le Pen

O eurodeputado de 27 anos venceu a corrida à liderança da União Nacional (ex-Frente Nacional) com 84,84% dos votos. O primeiro desafio do delfim de Marine é manter partido na linha.

Em 2013, todas as quartas-feiras, jovens militantes da Frente Nacional juntam-se num apartamento no 13.º bairro de Paris para aprenderem os segredos da política. Na última fila, um rapaz alto e esguio vai tomando notas. Sempre. Pouco o distingue dos outros exceto talvez dois pormenores: a indumentária impecável e "a forma como falava, falava bem. E isso tinha impacto", recordava ao Le Monde a eurodeputada Mathilde Androuët, na altura co-presidente da FN para a juventude. Tudo porque passada menos de uma década Jordan Bardella, hoje com 27 anos, foi eleito para suceder a Marine Le Pen na liderança da agora rebatizada União Nacional (RN na sigla em francês). E depois da polémica racista causada por um deputado RN na Assembleia Nacional a sua primeira tarefa já está encontrada: manter a ordem nas suas fileiras.

O eurodeputado que desde setembro de 2021, quando Le Pen saiu para se dedicar à campanha presidencial, assumia a liderança interina da formação obteve 85% dos votos dos 26 mil militantes ao Congresso da RN, deixando pelo caminho Louis Aliot, vice-presidente do partido, presidente da Câmara de Perpignan e antigo companheiro de Marine Le Pen.

No seu discurso, Bardella afirmou-se "humilde" perante o novo cargo, saudou duas mulheres "sem as quais não seria o que sou hoje", a mãe "que me criou com dificuldades" e Marine Le Pen a quem deve "todo o reconhecimento". Prometeu manter a linha do partido, lembrando que "o povo francês sofre uma política migratória que não escolheu", defendendo "uma França que quer dar ênfase à palavra "identidade"". Quanto a futuras eleições: "a urgência é a alternância".

Esta mudança deve permitir a Marine Le Pen concentrar-se na Assembleia Nacional, onde a RN tem o maior grupo parlamentar da oposição com 89 deputados. Le Pen deverá ainda começar a pensar em 2027 e numa quarta candidatura às presidenciais que o seu sucessor já disse apoiar totalmente.

"Após dez anos, chegou a hora de ceder o lugar", afirmou Marine Le Pen, garantindo não se afastar da liderança para "ir de férias" - "estarei onde a França e a causa nacional precisarem de mim".

Primeiro líder do partido a não ter o apelido Le Pen (mesmo se a ligação familiar existe, já lá vamos) ao suceder a Marine e ao pai desta, Jean-Marie, fundador em 1972 da Frente Nacional à qual presidiu durante quatro décadas, Bardella assume as rédeas num momento em que a agora RN parece assombrada por fantasmas do passado. Os seus deputados foram os únicos a ficar sentados no momento de votar a expulsão temporária de Grégoire de Fournas, eleito RN pela Gironde, após a vaga de indignação causada por uma tirada racista deste dirigida a Carlos Martes Bilongo, da França Insubmissa (esquerda radical). "Que volte para África" é a frase da polémica. A esquerda diz que era dirigida a Bilongo, De Fournas garante que estava a falar de um barco com migrantes. Polémica a lembrar declarações incendiárias do pai Le Pen contra os imigrantes - um caminho que Marine tentou evitar, num esforço de normalização do partido.

Do bairro social ao topo

Mas quem é afinal Jordan Bardella? Nascido num bairro social de Seine Saint-Denis, nos arredores de Paris, numa família de origens italianas, o novo líder da RN foi criado pela mãe num bairro social. E gosta de se apresentar como um exemplo de ascensão social, longe da imagem privilegiada dos Le Pen. Aos 16 anos torna-se militantes da Frente Nacional. E a partir daí sobe, não dois a dois, mas quatro a quatro, os degraus na hierarquia do partido.

Ao longo dos anos, vai sabendo aproximar-se de quem está na mó de cima. Primeiro Frédéric Chatillon, próximo de Marine, chegando a namorar a filha dele, mas quando escândalos financeiros o salpicam, vira-se para Philippe Olivier, conselheiro e cunhado da líder, passando a namorar a filha deste, sobrinha de Marine. Relação que dura até hoje, fazendo com que a RN afinal fique em família. Só não a família que muitos esperariam. Tudo porque Marion Maréchal-Le Pen, ex-deputada e vista como herdeira natural da tia Marine, depois de se afastar da política em 2017, acabou não só por apoia Éric Zemmour, rival desta à direita da extrema-direita nas presidenciais deste ano, como se juntou ao seu partido Reconquista, do qual é, aos 32 anos, vice-presidente executiva.

Os seus segredos? É bom orador, nunca lhe falta um soundbite. É elegante, telegénico e a sua retórica fácil já deixou sem palavras até os ministros experientes como Bruno Le Maire ou Gabriel Attal. Além disso tem um físico atraente: "as mães querem-no para genro, as mulheres para namorado e os homens querem ser como ele", resumiu a eurodeputada Mathilde Androuët. Ideia que Stéphane Ravier, senador RN que se passou para o Reconquista, confirma ao Le Monde: " Ele diz coisas que o politicamente correto classifica como horrores e passam nas calmas. Sempre no mesmo tom, com o mesmo volume, com aquele estilo de genro ideal..."

Quanto a ideologia, quem o conhece garante que isso não lhe interessa nada. O ex-jornalista da BFM-TV Pascal Humeau, que trabalhou com ele na campanha para as europeias 2019, fala numa "concha vazia", mas destaca "é bom aluno, trabalha. Tem atitude, sorriso, todos os reflexos, é muito bom nisso". Tal como tem memória para números, "argumentos e citações que impressionam". Resta saber se impressiona todos no partido e os eleitores da extrema-direita.

helena.r.tecedeiro@dn.pt

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