Há mais de um ano, quando já andava em campanha eleitoral, Donald Trump prometeu que não seria um ditador no eventual regresso à Casa Branca -- “exceto no primeiro dia”. Esse dia chegou e a lista do que o presidente prometeu fazer é longa, estando alegadamente a preparar mais de 100 ordens executivas que, na prática, pretendem apagar aquilo que Joe Biden fez em quatro anos -- que tentou proteger-se antes de lhe devolver as chaves da Sala Oval. “Eu posso desfazer quase tudo o que Biden fez, através de ordens executivas. E no primeiro dia, muito disso será desfeito”, disse Trump à revista Time em novembro, para o número em que foi eleito Pessoa do Ano.ImigraçãoUma das principais promessas eleitorais de Trump é para começar a cumprir no primeiro dia: fechar a fronteira com o México, concluir a construção do muro e dar início à deportação em massa de imigrantes - de criminosos a pessoas que entraram recentemente, até aos que receberam ordens de deportação da parte dos tribunais. Biden, numa tentativa de proteger alguns dos eventuais alvos de Trump, alargou por 18 meses o estatuto de proteção temporária aos imigrantes da Venezuela (600 mil), de El Salvador (230 mil), da Ucrânia (100 mil) ou do Sudão (1900). Esta medida é concebida para proteger os imigrantes de serem deportados para países atingidos por catástrofes ou conflitos. O republicano também se prepara para reintroduzir (e alargar a mais nações) a polémica proibição de entrada no país de pessoas oriundas, principalmente, de Estados muçulmanos. Essa foi uma medida que aplicou na primeira passagem pela Casa Branca e que, após contestação, foi autorizada pelos tribunais.O presidente quer ainda acabar com o direito à cidadania por nascimento, o que implicaria que crianças nascidas nos EUA filhas de imigrantes ilegais não teriam automaticamente direito a ser cidadãos norte-americanos. Esta decisão irá, certamente, ser contestada na justiça, devendo terminar no Supremo Tribunal (onde os conservadores são maioria).Perdões pelo 6 de JaneiroQuase 1600 pessoas foram condenadas e outras 500 aguardam o julgamento ou a sentença pelo envolvimento na invasão do Capitólio, a 6 de janeiro de 2021, para tentarem evitar a confirmação da vitória eleitoral de Joe Biden. Trump, que continua a dizer ter sido ele o vencedor das Presidenciais de 2020, prometeu ajudar desde o primeiro dia os “patriotas inacreditáveis”.Mas os seus planos não são conhecidos, tendo o próprio admitido que houve uns que “perderam o controlo”. Os especialistas acreditam que poderá perdoar de imediato os que foram condenados por crimes menores, como “invasão de propriedade”, mas não estiveram envolvidos em atos violentos. Serão cerca de 900. Mas há mais de 170 que foram acusados por posse de arma letal e por atacar polícias, podendo não ser incluídos. E depois há os supostos líderes da conspiração.TarifasTrump vai reabrir a guerra comercial com a China e alargá-la a outros países, tendo prometido impor tarifas - “a melhor coisa que foi inventada” - sobre os bens importados. A base de Trump é uma tarifa geral de 10% para todos, subindo para os 25% no caso de bens vindos do Canadá ou do México (se não travarem a entrada de imigrantes ilegais) e chegando a 60% para os da China. Mas nem todas as empresas norte-americanas - ou até Wall Street - apoiam esta medida.AmbienteO presidente quer reverter muitas das políticas de proteção ambiental implementadas por Biden logo no primeiro dia de regresso à Casa Branca. No topo da lista está acabar com os subsídios para as questões climáticas, mas também as regulamentações que favorecem a venda de carros elétricos. Trump também prometeu levantar as restrições à produção de combustíveis fósseis e expandir a exploração de petróleo - incluindo fracking e as perfuração offshore, proibidas por Biden. A dias de deixar o cargo, o democrata alargou as proibições de exploração offshore a mais zonas. Apesar de o republicano dizer que reverterá de imediato essa decisão, a verdade é que não o pode fazer já e terá de passar pelo Congresso (onde tem a maioria), atrasando a decisão por algum tempo.Com as ordens executivas, Trump pode, contudo, travar projetos de energia eólica ou acabar com as diretivas que obrigam as empresas a tornar-se mais “verdes”. Guerra de valoresOutra das promessas de Trump passa por acabar com as políticas de género nas escolas, assim como os programas “diversidade, equidade e inclusão” no governo federal. “Assinarei ordens executivas para acabar com a mutilação sexual infantil, retirar os transgénero das Forças Armadas [já o tinha feito no primeiro mandato] e das nossas Escolas Primárias, Secundárias e Superiores”, disse num evento para jovens conservadores no Arizona, já depois de eleito. O republicano prometeu acabar com a “loucura transgénero”, insistindo que só há dois géneros “homem e mulher”. E quer “manter os homens fora do desporto das mulheres” (não sendo claro como o fará com uma ordem executiva).Ainda dentro das escolas, Trump quer cortar no apoio federal a escolas onde é ensinada a Teoria Crítica da Raça (que diz que esta é um construção social e o racismo não é um produto de preconceito ou parcialidade individual, mas algo que está dentro do sistema legal) ou onde existe obrigatoriedade de vacinação das crianças.Limpeza no governo federal Trump criou um novo departamento, o da Eficiência Governamental, que será dirigido pelos milionários Elon Musk e Vivek Ramaswamy, sendo que um dos objetivos é cortar nas despesas da Administração. Uma das coisas que Trump quer fazer, nesse sentido, é reduzir o número de trabalhadores federais, podendo logo desde o primeiro dia começar a retirar a proteção que há contra o seu despedimento (passando muitos das posições de carreira para postos de nomeação política, por exemplo). A Administração de Biden criou contudo uma nova regra contra esse tipo de mudança, pelo que os planos de Trump podem não se concretizar num só dia.O republicano também quer acabar com o Estado paralelo (o “deep state”), o tal “pântano” que diz existir em Washington e com o qual tentou acabar na primeira passagem pela Casa Branca. A ideia é olhar para os burocratas que não são eleitos e que têm interesses próprios e acabar com eles, daí querer que os funcionários passem um novo teste de serviço público, além de querer afastar os que divulgam informação aos media.Trump também quer uma limpeza nas regulamentações federais existentes, nomeadamente nas que aumentam o custo dos bens e serviços. A ideia é garantir que por cada nova regulação introduzida, dez são eliminadas.Acabar com a guerra na UcrâniaTrump reivindicou a responsabilidade pelo acordo de cessar-fogo em Gaza - alegando que este só existiu devido à sua “histórica vitória” em novembro -, mas durante a sua campanha também disse, dezenas de vezes, que teria um acordo para acabar a guerra entre a Ucrânia e a Rússia no primeiro dia na Casa BrancaAos poucos, a promessa foi mudando, com Trump a dizer que teria um acordo “muito rapidamente” - mas já não no dia 1 - e, depois de eleito, passou a dizer que iria “resolver” o conflito, falando em seis meses. Os próprios conselheiros do presidente admitiram nos últimos dias que qualquer avanço pode ainda levar meses. TikTokAs ordens executivas não vão ser usadas só para cumprir promessas de campanha. Trump disse ontem que vai assinar uma para permitir que a rede social TikTok, que levanta questões de segurança nacional por causa da sua origem chinesa, volte a funcionar nos EUA. O presidente vai dar mais 90 dias para que seja encontrada uma solução para a proibição decretada pela Justiça - que passa pela eventual venda a uma operadora norte-americana -, depois de no sábado à noite a app ter deixado de funcionar no país.