Nasrallah em 2006, quando ainda aparecia em público.
Nasrallah em 2006, quando ainda aparecia em público.EPA/WAEL HAMZEH

O clérigo que elevou o Hezbollah de milícia a Estado dentro do Estado

Hassan Nasrallah passou metade da vida à frente da organização xiita, tempo em que a transformou numa poderosa arma contra Israel e, de caminho, manteve o Líbano sob sequestro.
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Herói da resistência para uns, terrorista para outros, Hassan Nasrallah viveu uma trajetória ascendente de poder e influência durante décadas, ao ponto de hoje se confundir com a organização política, religiosa e militar (não necessariamente por esta ordem) que liderou desde 1992. A sua morte não representa o fim do Hezbollah, mas é o maior dos golpes desferidos por Israel ao grupo xiita.

De turbante preto (clérigo da linhagem de Maomé, segundo os xiitas) e um orador prendado, há dez anos que, por motivos de segurança, Nasrallah comunicava com os seus seguidores apenas em discursos emitidos pelo canal de TV do Hezbollah. De nada lhe valeu: morreu aos 64 anos no bombardeamento de sexta-feira à tarde ao quartel-general do Hezbollah em Beirute, tal como pelo menos outras cinco pessoas, entre as quais Ali Karki, comandante da frente sul, e o iraniano Abbas Nilforushan, vice-comandante dos Guardas da Revolução. 

Metade da sua vida foi passada como secretário-geral do Hezbollah, cargo a que ascendeu depois de o anterior líder, Abbas al-Musawi, ter sido assassinado por Israel. Na primeira metade, cresceu entre dez irmãos num bairro pobre onde o pai vendia fruta numa banca. Cedo foi estudar Teologia e aos 15 juntou-se ao Movimento de Resistência Libanesa (Amal), fundado pelo clérigo Musa al-Sadr. Três anos volvidos foi para Najaf, no Iraque, onde o primo de Musa, Bakr al-Sadr, dirigia um seminário xiita onde, em 1976, Nasrallah conheceu Ruhollah Khomeini, futuro líder do Irão. Em 1982, troca o Amal pelo recém-criado Hezbollah.

Ao tomar as rédeas do movimento pró-iraniano - criado uma década antes na sequência do vazio deixado com a fuga de Beirute dos militantes da Organização para a Libertação da Palestina -, Nasrallah regista a organização como partido político. Logo em 1992 a dúzia de candidatos que apresenta às Eleições Municipais sagra-se vencedora, e a partir de 2005 o seu bloco político torna-se uma força cada vez mais influente. No Governo de gestão atual tem, pela primeira vez, a seu cargo dois ministérios. 

Em paralelo, os primeiros oito anos de liderança foram marcados pelo aumento de ataques e atentados suicidas ao Exército israelita, que acabou com a retirada deste do solo libanês em 2000. Um marco que elevou o estatuto do Hezbollah e do seu líder, que passou a ser visto como um herói para todos quantos veem em Israel o inimigo.

Patrocinada por Teerão, a organização foi aprofundando as suas capacidades militares - é o maior exército não-estatal do mundo - e o raio de ação, foi-se substituindo ao Estado libanês e às empresas na ação social, saúde, educação ou banca. A aventura militar de 2006, iniciada com o rapto de soldados israelitas terminou em nova incursão do Exército israelita em solo libanês, mas apesar do rasto de destruição, Nasrallah e o Hezbollah saíram reforçados.

Em contrapartida, a imagem de Nasrallah enquanto possível líder nacional ou regional foi beliscada em várias ocasiões, desde o atentado à bomba que matou o primeiro-ministro Rafik Hariri em 2005, à participação (decisiva) na guerra na Síria para salvar o regime de Bashar al-Assad, em 2012, e, pelo meio, em 2008, quando o seu Exército tomou Beirute em resposta à intenção do Governo de destruir o sistema de comunicações do Hezbollah. A partir de 2019, o país começa a enfrentar uma crise financeira dramática. Em paralelo, o Hezbollah, devido às sanções económicas ao Irão e aos efeitos da pandemia, também perde capacidade para subsidiar os seus correligionários. 

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