No dia seguinte às municipais de 27 de outubro, os observadores foram unânimes: Tarcísio de Freitas, governador de São Paulo, foi o maior dos vencedores da eleição e, dessa forma, pavimentou o caminho para uma candidatura presidencial em 2026. Visto como bolsonarista pela direita bolsonarista e como moderado pela direita moderada e com Lula da Silva, presidente da República, e a esquerda a saírem derrotados, já nada poderia deter a criatura rumo ao Palácio do Planalto. Exceto, pelos vistos, o próprio criador: Jair Bolsonaro. .O ex-presidente da República disse em entrevista à revista Veja, ainda antes da vitória do ídolo político Donald Trump nos Estados Unidos, que só ele tem “chance” de vencer Lula ou o candidato de esquerda que substitua o quase octogenário chefe do Estado. “O Tarcísio é um baita [ótimo] gestor mas eu estou vivo (...) o candidato sou eu”..Àquela entrevista, Bolsonaro juntou outra ao jornal Folha de S. Paulo, já após o triunfo do Republicano, num tom ainda mais animado: admitiu que a vitória de Trump “é um passo importantíssimo” para o seu “sonho” de disputar a eleição de 2026 e voltar ao Palácio do Planalto, em 2027. “É uma caminhada de mil passos, você tem que dar o primeiro, tem que dar o décimo. E o Trump é um passo importantíssimo”, afirmou..E a determinada altura até admitiu ter Michel Temer, o seu antecessor no Planalto, como candidato a vice-presidente. O objetivo da aliança seria, segundo setores da imprensa, contornar os problemas judiciais de Bolsonaro - Temer é amigo de Alexandre de Moraes, o juiz do Supremo Federal Tribunal (STF) que tem em mãos a maioria dos processos contra o ex-presidente, e de outros magistrados da corte..Entre esses processos conta-se, desde logo, a inelegibilidade até 2030 por abuso de poder político, ao reunir-se com embaixadores estrangeiros a questionar a lisura do processo eleitoral meses antes do sufrágio. E, entre outros, o de crime de golpe de Estado, para já nas mãos da procuradoria-geral da República, que pode chegar a penas acumuladas de 23 anos de prisão..“Nunca atuei fora das quatro linhas [da Constituição], não tenho medo de julgamento”, disse Bolsonaro à Veja. “Há dois anos querendo me incriminar como golpista, vai à merda, porra”, reclamou na Folha. “E eu acredito que o Trump gostaria que eu fosse elegível. Ele que vai ter que dizer isso aí, mesmo que tivesse conversado com ele, não falaria. Tenho certeza de que ele gostaria que eu viesse a ser candidato”, continuou..Ainda antes do caso da inelegibilidade e da suposta participação numa tentativa de golpe de Estado, o ex-presidente tem um desejo dependente da vontade do citado Alexandre de Moraes: ir à posse de Trump, mesmo com o passaporte apreendido pela justiça e proibido de sair do país. “Você acha que ele [Trump] vai convidar o Lula? Talvez protocolarmente. Quem vai convidar do Brasil? Talvez só eu. Ele [Moraes] vai falar ‘não’ para o cara mais poderoso do mundo?”..Se as municipais deram corpo político mais a Tarcísio do que a Bolsonaro porque o vencedor na cidade de São Paulo, o prefeito Ricardo Nunes, foi apoiado inequivocamente pelo primeiro e timidamente pelo segundo, a vitória de Trump nos Estados Unidos é vista, portanto, como um trampolim para as ambições do próprio ex-presidente entre observadores. .Especialista em Relações Internacionais da Fundação Armando Álvares Penteado, o académico Vinicius Vieira admite que a vitória de Trump possa resultar numa amnistia a Bolsonaro, “dependendo de como vai reagir o STF”, e não considera “surpreendente” ou “teoria da conspiração” que a nova administração americana intervenha no Brasil. “Vamos ver como o bolsonarismo vai conseguir influenciar as decisões americanas, já há no Congresso americano por parte de alguns congressistas republicanos uma tentativa de investigação de Alexandre de Moraes e de adoção de sanções contra o Brasil...”.“Se o Trump adotar uma posição pragmática, e ele é pragmático em relação à União Europeia e à Rússia, nada disso prosperará, mas os seus mais diretos apoiantes na política externa vêm a América Latina como um quintal, então vão favorecer o Javier Milei, presidente da Argentina, e o Bolsonaro”, acrescenta Vieira. “Convém ter em conta que se Trump estivesse no poder em 2022, o golpe de Bolsonaro poderia ter dado certo e Lula não teria tomado posse”.