O botão nuclear ficou mais perto de Putin. Quais são os riscos?
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O botão nuclear ficou mais perto de Putin. Quais são os riscos?

O presidente russo aprovou mudanças na doutrina nuclear do seu país, alargando o leque de ataques que podem justificar uma resposta nuclear de Moscovo. Mas de que arsenal militar estamos a falar, quem podem dar ordem para o usar e quem mais tem armas nucleares?
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Putin aprovou mudanças na doutrina nuclear da Rússia, o que alterou?
A principal mudança na doutrina nuclear da Rússia aprovada pelo presidente Vladimir Putin tem a ver com as novas condições em que Moscovo pode considerar usar o seu arsenal militar. A doutrina passou agora a dizer que um ataque de um Estado não-nuclear, desde que apoiado por um Estado nuclear, será considerado um ataque conjunto à Rússia e poderá justificar uma resposta que envolva as armas nucleares. Esta alteração foi proposta em setembro e assinada esta terça-feira, data em que se assinalam os mil dias desde a invasão russa da Ucrânia, em fevereiro de 2022. E, não por acaso, também surge um dia depois de os EUA terem dado autorização para a Ucrânia usar os seus mísseis de longo alcance ATACMS, convencionais, contra solo russo. Uma decisão tomada pelo presidente Joe Biden apenas dois meses antes de deixar o cargo e com o seu sucessor, Donald Trump, já eleito.

Quando é que a Rússia pode agora, em teoria, usar as armas nucleares?
Qualquer ataque com mísseis convencionais, drones ou aviões contra a Rússia pode justificar uma resposta nuclear do Kremlin. O mesmo se aplica a qualquer ameaça que ponha em causa a soberania russa, como um ataque, por exemplo, contra o seu aliado a Bielorrússia. Mais, com a nova doutrina, um ataque de um membro de uma coligação passa, em tese, a ser visto como um ataque de toda a coligação. 

O que aconteceu depois de se conhecer esta mudança?
Já depois do anúncio da mudança na doutrina nuclear russa, a Ucrânia terá usado pela primeira vez os mísseis ATACMS contra solo russo. Pelo menos é o que garante o Ministério da Defesa russo, segundo o qual tropas russas terão disparado seis mísseis de longo alcance de fabrico americano contra a região de Bryansk. Cinco terão sido abatidos e o sexto terá sido danificado, com os destroços a caírem na zona de uma instalação militar não especificada.

De que arsenal nuclear russos estamos a falar?
Potência nuclear desde 1949, quando realizaram o primeiro teste - quatro anos depois de os EUA terem detonado as bombas atómicas contra Hiroshima e Nagasaki, levando à rendição do Japão no final da II Guerra Mundial -, a Rússia (que herdou o arsenal soviético) detém hoje o maior número de ogivas nucleares - 5580, contra as 5044 dos EUA. Um número muito menor do que as 35 mil ogivas que a Rússia herdou após a queda da URSS em 1991. Das que hoje possui (no verão de 2023 enviou algumas armas nucleares táticas para a Bielorrússia), 1200 estão retiradas, mas intactas e, das restantes, mais de 1700 estarão potencialmente prontas a ser usadas de imediato, podendo ser colocadas em mísseis balísticos intercontinentais (870), disparadas a partir de submarinos nucleares (640) e as restantes 200 lançadas por aviões bombardeiros. 

Quem pode dar ordem para usar as armas nucleares russas?
A ordem terá de partir de Vladimir Putin. Por isso o presidente russo faz-se acompanhar para toda a parte pela maleta nuclear chamada Cheget (que deve o nome à montanha do Cáucaso). O ministro da Defesa e o chefe do Estado-Maior das Forças Armadas russas também têm maletas semelhantes. Se a Rússia for atacada e a resposta for a nuclear, Putin, através da maleta, enviaria uma ordem de lançamento aos comandos militares que detêm os códigos nucleares. Uma ordem que seguiria a cadeia de comando até ao lançamentos dos mísseis contra os alvos identificados. 

Além da Rússia e dos EUA, quem mais pertence ao restrito clube nuclear?
Os EUA foram os pioneiros da bomba atómica e os únicos a usá-la em cenário de guerra, em 1945. Os soviéticos, que espiaram profusamente os americanos, testaram a sua primeira bomba quatro anos depois, pondo fim ao monopólio dos EUA. Durante a Guerra Fria, ambos os países foram acumulando ogivas, explicando essa atitude com a necessidade de dissuasão mútua que evitava uma guerra quente. Ainda com a memória da II Guerra Mundial fresca, o Reino Unido fez questão de se dotar de arsenal próprio desde 1952, seguido da França em 1960. Quatro anos depois, a China tornava-se na última das potências nucleares oficiais - um clube que corresponde aos cinco membros permanentes do Conselho de Segurança.  Apesar de não o reconhecer oficialmente até hoje - com os ocasionais deslizes - Israel procurou a bomba logo nos anos 1960, num esforço de proteção contra uma vizinhança no mínimo hostil. Já a Índia e o Paquistão protagonizaram um pingue-pongue de ensaios nucleares em 1998. E a verdade é que depois de três guerras em 25 anos, os irmãos-inimigos não voltaram depois disso ao confronto. A Coreia do Norte é o mais recente membro (não oficial) do clube, com o primeiro ensaio em 2006 e outros cinco desde então. Um esforço para garantir a continuidade dos Kim no poder. Com o atual líder, Kim Jong-un, a ameaçar, ainda no mês passado, destruir a Coreia do Sul com armas nucleares se for provocado. 

Há um esforço de não-proliferação e desarmamento nuclear? 
O número de ogivas tem, de facto, baixado desde a Guerra Fria. À exceção de Coreia do Norte, Israel, Índia e Paquistão, as restantes potências nucleares são todas signatárias do Tratado de Não-Proliferação Nuclear. Entretanto, em novembro de 2023, a Rússia revogou a ratificação do Tratado de Proibição Completa dos Ensaios Nucleares, num sinal de alerta para a comunidade internacional. 

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