Manifestante israelita confronta judeus ortodoxos por causa da isenção do serviço obrigatório.
Manifestante israelita confronta judeus ortodoxos por causa da isenção do serviço obrigatório.JACK GUEZ / AFP

Netanyahu em xeque com serviço militar para os ultraortodoxos

O tema cria divisão na sociedade, ainda para mais em tempo de guerra. Coligação de governo do primeiro-ministro está em risco quer isenções sejam levantadas ou sejam mantidas.
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O primeiro-ministro israelita, Benjamin Netanyahu, corre o risco de ser obrigado a antecipar as eleições. Não será por causa do arrastar da guerra na Faixa de Gaza, quase a cumprir seis meses, ou da pressão das famílias dos reféns ainda nas mãos do Hamas, mas por um tema que divide a sociedade israelita há anos: o serviço militar obrigatório para os ultraortodoxos.

O serviço militar é obrigatório em Israel para os jovens a partir dos 18 anos (32 meses para os homens e 24 para as mulheres), mas os judeus que estudam a Torá a tempo inteiro em seminários estão isentos até aos 26 de anos - e a partir dessa idade já ninguém é chamado. Há ultraortodoxos que escolhem servir no exército, mas a maioria não o faz. As jovens mulheres desta comunidade, que já representa 13% da população, estão automaticamente isentas.

Em plena guerra na Faixa de Gaza, numa altura em que dezenas de milhares de reservistas foram chamados a servir, a pressão para que as isenções sejam levantadas está a aumentar. Desde a incursão militar israelita no enclave palestiniano, a 27 de outubro de 2023, pelo menos 253 soldados israelitas já morreram, segundo as Forças de Defesa de Israel. Além disso, milhares foram chamados da reserva, questionando porque têm que arriscar a vida quando há uma minoria que recebe apoio estatal para estudar, não serve no exército e contribui menos para a economia do que o resto da sociedade.

A lei que garantia a isenção aos ultraortodoxos foi considerada inconstitucional em 2017, mas só expirava oficialmente em junho do ano passado - antes disso, contudo, o governo conseguiu prolongar o prazo para ser redigida uma nova lei até ao final deste mês. Mas, na quarta-feira, o governo de Netanyahu anunciou que não tinha sido possível chegar a acordo na coligação de governo.

O executivo inclui dois partidos ultraortodoxos: o Judaísmo Unido da Torá, que tem sete deputados no Knesset, e o Shas, que tem 11. Estes ameaçam deixar cair o executivo se não ficarem satisfeitos com a nova lei. Antes da guerra, tinham apoiado a polémica reforma judicial do primeiro-ministro, muito contestada nas ruas, na esperança de conseguirem manter as isenções ao serviço obrigatório.

Mas Netanyahu não pode ceder facilmente a esses partidos. A aliança secular União Nacional, liderada pelo ex-chefe do Estado-Maior do Exército Benny Gantz, ameaçou sair do governo de união criado após o início da guerra se os ultraortodoxos não passarem a ser chamados para a recruta. A saída do opositor tornado aliado não será suficiente para fazer cair o governo, mas o próprio ministro da Defesa, Yoav Gallant, do Likud de Netanyahu, quer uma lei de serviço militar obrigatório mais ampla.

O primeiro-ministro pediu na quinta-feira ao Supremo Tribunal de Justiça mais 30 dias para poder chegar a um acordo com os parceiros, alegando que na prática não teve os nove meses para escrever a nova lei por causa do estalar da guerra a 7 de outubro. O Supremo parece ter cedido em parte, dando ao governo até ao final de abril para apresentar mais argumentos sobre se a decisão é final ou não.  

Contudo, noutra decisão, deu ordens para suspender o financiamento estatal aos estudantes das escolas da Torá que seriam suscetíveis de poderem ser recrutados a partir desta segunda-feira - os que fizeram 18 anos após o fim da isenção, em junho do ano passado, sendo que o congelamento total será só a partir de agosto.

“A decisão provisória tomada pelo Supremo Tribunal de Justiça de suspender imediatamente o financiamento é uma marca de Caim e um mau tratamento sem precedentes aos estudantes da Torá na terra dos judeus”, disse o líder do Shas, Aryeh Deri, indicando que iria considerar quais seriam os próximos passos do partido.

Netanyahu, que tem resistido às pressões para antecipar as eleições - as sondagens dizem que poderá perder para Gantz -, está numa corrida contra o tempo para chegar a um acordo que evite esse cenário.

susana.f.salvador@dn.pt

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