O primeiro-ministro israelita, Benjamin Netanyahu, disse esta quinta-feira (21 de agosto) ter dado ordens para “iniciar negociações imediatas” para a libertação de todos os reféns, ao mesmo tempo que aprovou o plano para que as Forças de Defesa de Israel (IDF, na sigla em inglês) assumam o controlo da cidade de Gaza e derrotem o Hamas. As declarações de Netanyahu parecem ignorar o plano de cessar-fogo proposto pelos mediadores do Egito e do Qatar que está em cima da mesa e que o Hamas aceitou na segunda-feira. “Estamos na fase da vitória decisiva. Vim à Divisão de Gaza para aprovar os planos que as IDF me apresentaram a mim e ao ministro da Defesa para assumir o controlo da cidade de Gaza e derrotar o Hamas”, indicou o primeiro-ministro. “Ao mesmo tempo, dei instruções para iniciar negociações imediatas para a libertação de todos os nossos reféns e para pôr fim à guerra em condições aceitáveis para Israel”, explicou. “Estas duas coisas, a derrota do Hamas e a libertação de todos os nossos reféns, andam de mãos dadas”, concluiu.A proposta em cima da mesa inclui um cessar-fogo de 60 dias, a libertação de dez reféns vivos (serão apenas 20 num total de 50) e a entrega dos corpos de 18, em troca da libertação de duas centenas de presos palestinianos. O plano foi aceite pelo Hamas na segunda-feira à noite, com Netanyahu a alegar que isso é fruto da “imensa pressão” que as IDF estão a fazer tendo em vista assumir o controlo da cidade de Gaza. Israel estaria a analisar a proposta, esperando-se até esta sexta-feira (22 de agosto) uma resposta - não sendo claro se o primeiro-ministro está a rasgar totalmente esse texto ou a querer renegociar as suas condições. Os familiares dos reféns, que esta quinta-feira (21 de agosto) marcharam para o quartel-general das IDF em Telavive em protesto contra o seu plano de assumir o controlo da cidade de Gaza, acusam Netanyahu de os estar a condenar à morte ao ignorar o acordo. “Alguém que escolheu durante três dias não responder ao acordo que o governo já tinha aprovado [a proposta é semelhante a uma anterior que Israel tinha aceitado], não convocar o Gabinete de Segurança ou o conselho de ministros, escolheu essencialmente sacrificar os reféns”, disse Bar Goddard, filha de Manny Goddard, que foi morto nos ataques de 7 de outubro de 2023 e cujo corpo é um dos mantidos em Gaza. Controlo totalIndependentemente do esforço diplomático para o fim da guerra, a ordem de Netanyahu é também para as IDF avançarem com a operação de controlo da cidade de Gaza. Os militares israelitas têm trabalhado já nesse sentido nos últimos dias. “Já temos forças a operar nos arredores e forças adicionais juntar-se-ão a elas mais tarde”, disse o chefe do Estado-Maior das IDF, Eyal Zamir. “As nossas missões continuam a ser a libertação dos reféns e a derrota do Hamas. Não descansaremos nem pararemos até as concluirmos. Cumprir estas missões é essencial para o nosso futuro e para os nossos valores enquanto sociedade”, acrescentou o líder das IDF, numa visita às tropas das brigadas que repeliram um ataque do Hamas ao seu acampamento em Khan Yunis, na quarta-feira (20 de agosto). Esta quinta-feira (21 de agosto), centenas de palestinianos protestaram na cidade de Gaza contra os planos israelitas. “Salvem Gaza, já chega”, “Gaza está a morrer pela matança, fome e opressão”, lia-se nos cartazes dos manifestantes. “Esta é uma mensagem clara: as palavras acabaram e chegou o momento de agir para pôr fim às operações militares, ao genocídio contra o nosso povo e aos massacres que ocorrem diariamente”, disse o jornalista palestiniano Tawfik Abu Jarad durante o protesto, segundo a Reuters.Portugal está entre os 27 países da Coligação pela Liberdade de Imprensa que instaram Israel a “permitir o acesso imediato dos media internacionais independentes” à Faixa de Gaza. “Os jornalistas e os profissionais dos media desempenham um papel essencial para chamar a atenção para a realidade devastadora da guerra. O acesso às zonas de conflito é vital para o desempenho eficaz deste papel”, indicaram em comunicado. “Opomo-nos a todas as tentativas de restringir a liberdade de imprensa e de bloquear a entrada de jornalistas durante os conflitos”, acrescentaram os 27 países, entre eles Reino Unido, França, Alemanha , Austrália e Ucrânia. “Morte em massa”O secretário-geral das Nações Unidas, António Guterres, apelou a um cessar-fogo e alertou contra a nova operação militar de Israel. “É vital alcançar imediatamente um cessar-fogo em Gaza e a libertação incondicional de todos os reféns, bem como evitar a morte e a destruição em massa que uma operação militar contra Gaza inevitavelmente provocaria”, indicou no X. Segundo uma investigação do jornal britânico The Guardian, com o apoio da publicação israelo-palestiniana +972 e o site em hebraico Local Call, pelo menos 83% dos palestinianos mortos por Israel na Faixa de Gaza são civis. As contas são feitas a partir de informação oficial classificada do Exército israelita.Em maio, 19 meses depois do início da guerra em resposta ao ataque do Hamas de 7 de outubro de 2023, os serviços secretos israelitas registavam 8900 combatentes deste grupo terrorista e da Jihad Islâmica Palestiniana como “mortos” ou “provavelmente mortos”. Segundo as autoridades de saúde de Gaza, que são controladas pelo Hamas e não distinguem entre mortos civis e militantes, nessa altura o número de mortos no enclave chegava aos 53 mil. Os combatentes seriam então 17% e os civis 83%.Segundo as publicações, este rácio aparente de mortes de civis por combatentes é terrivelmente elevada para uma guerra moderna. O Programa de Dados de Conflitos de Uppsala, que recolhe dados sobre violência a nível mundial desde 1989, só registou maior percentagem de mortes de civis no massacre de Srebrenica (11 a 25 de julho de 1995), no genocídio do Ruanda (1994) e no cerco russo de Mariupol (2022).As IDF rejeitam contudo estes números, dizendo que “não refletem os dados disponíveis”. Em janeiro, Israel disse que 20 mil terroristas já tinham sido mortos e na quarta-feira atualizou para 22 mil, dizendo que desde o início da guerra que o rácio está igual: dois ou três civis mortos por cada um terrorista do Hamas.“Avisos iniciais” O receio da comunidade internacional é que a operação para assumir o controlo da cidade de Gaza possa fazer aumentar ainda mais o número de mortes civis. Esta quinta-feir, as IDF indicaram ter começado os “avisos iniciais” às autoridades médicas e organizações internacionais no norte da Faixa de Gaza para a necessidade de evacuar. Os militares divulgaram um audio, onde um oficial da COGAT (organização das IDF que coordena os esforços humanitários em Gaza) avisa um responsável do setor da saúde para se preparar “para o movimento da população para o sul da Faixa de Gaza”, dizendo que os hospitais desta área estão preparados. Centenas de palestinianos já começaram a fazer essa viagem, não querendo aguardar pela ordem. Mas muitas famílias estão divididas sobre o que fazer, segundo uma reportagem da Al-Jazeera. Há quem tenha ficado no passado, durante outras operações das IDF, e que agora rejeite enfrentar um novo cerco e bombardeamentos diários, e há quem tenha sido obrigado a fugir para sul e se arrependa, prometendo não o fazer agora. Um milhão de pessoas ainda estarão na cidade.O Gabinete da ONU para a Coordenação de Assuntos Humanitários (OCHA) alertou que o plano israelita para assumir o controlo da cidade de Gaza “terá um impacto humanitário terrível na população”. Num comunicado, avisam ainda que “obrigar centenas de milhares de pessoas a deslocarem-se para sul é uma receita para um desastre ainda maior” e “pode equivaler a uma transferência forçada”.