NATO aponta atenções à China com a invasão russa da Ucrânia em mente
Os líderes dos 32 países da NATO tentaram esta quinta-feira reforçar os laços com os seus parceiros asiáticos depois de terem criticado a China como um “facilitador decisivo” da invasão da Rússia, e antes de manterem conversações com o presidente da Ucrânia, Volodymyr Zelensky, no última dia da cimeira em Washington.
Assim, depois de terem dedicado a maior parte da cimeira ao reforço da Ucrânia, a NATO fez esta quinta-feira um pequeno intervalo e desviou a sua atenção para Oriente, ao dar as boas-vindas aos líderes da Austrália, Japão, Nova Zelândia e Coreia do Sul. A cimeira de Washington é a terceira reunião deste tipo com a presença de líderes dos quatro parceiros da Ásia-Pacífico, e está relacionada, acima de tudo, com sinalizar o maior interesse da NATO na região, numa altura de crescente concorrência entre Washington e Pequim.
“Nesta sessão abordaremos os nossos desafios de segurança partilhados, como a guerra da Rússia contra a Ucrânia, o apoio da China à economia de guerra russa e o crescente alinhamento de poderes autoritários”, disse o secretário-geral da Aliança, Jens Stoltenberg, no início da reunião, na qual também participaram o presidente do Conselho Europeu, Charles Michel, e o líder da diplomacia da União Europeia, Josep Borrell. A ainda primeira-ministra da Estónia, Kaja Kallas, alertou que a cooperação ou relação entre os países aliados e os seus parceiros no Pacífico com Pequim poderá ser “muito prejudicada se a China continuar a apoiar a Rússia nesta guerra”.
À margem da cimeira, o presidente dos EUA, Joe Biden, também se reuniu com os líderes da Coreia do Sul, Japão, Nova Zelândia e Austrália. Segundo um comunicado da Casa Branca divulgado após a reunião, os dirigentes abordaram as suas “preocupações compartilhadas” sobre o apoio da China à indústria de defesa russa.
A declaração final da cimeira, conhecida na noite de quarta-feira, classificou a China como “facilitador decisivo da guerra da Rússia contra a Ucrânia” através do seu fornecimento de bens de dupla utilização, como microchips, que podem ajudar os militares de Moscovo. No mesmo documento, os chefes de Estado e de governo dos países da Aliança afirmaram ainda que a China “não pode permitir a maior guerra na Europa na história recente sem que isso tenha um impacto negativo nos seus interesses e reputação”.
Em resposta, um porta-voz da missão de Pequim na União Europeia alertou que “a NATO deveria parar de alardear a chamada ameaça da China e de provocar confronto e rivalidade, e fazer mais para contribuir para a paz e a estabilidade mundiais”. “Todos sabem que a China não é a criadora da crise na Ucrânia. A posição da China em relação à Ucrânia é aberta e honesta”, acrescentou a mesma fonte.
O Global Times, jornal em inglês do grupo do Diário do Povo, o órgão central do Partido Comunista Chinês, foi mais longe e no seu editorial desta quinta-feira afirmou que a NATO “precisa de criar continuamente mais inimigos e crises para sustentar a sua existência”, acusando a Aliança de “incitar conflitos” na região da Ásia-Pacífico.
“Não vamos especular sobre se a NATO chegará viva ao seu 76.º aniversário, mas é certo que a NATO não avançará pacificamente para o futuro”, pode ler-se no texto, que refere ainda que “a expansão contínua da NATO na Europa e o seu alcance na região Ásia-Pacífico visam infiltrar a política de grupo e o pensamento de confronto na integração regional e na globalização económica”.
O jornal chinês recordou ainda que Pequim “está agora a desempenhar um papel decisivo na guerra da Rússia contra a Ucrânia”. E num sinal da escalada das tensões entre Pequim e a NATO, soube-se agora que a China está a realizar exercícios militares antiterroristas desde o dia 8 com a Bielorrússia na fronteira oriental da NATO, mais concretamente em Brest, uma cidade bielorrussa junto à Polónia. Segundo analistas, Pequim queria enviar à Aliança uma mensagem de alerta com o calendário dos exercícios, até porque exercícios sino-bielorrussos já ocorreram antes, mas esta é a primeira vez desde que a Rússia invadiu a Ucrânia.
Mais mísseis na Alemanha
No que diz respeito à Ucrânia, Volodymyr Zelensky recebeu na quarta-feira promessas de novas defesas aéreas e a garantia de que está para breve o início da entrega de jatos F-16 por parte dos aliados da NATO. E também ouviu os Estados Unidos anunciarem um passo importante para reforçar a dissuasão da NATO contra a Rússia na Europa, ao dizerem que iniciarão “implantações episódicas” de mísseis de longo alcance para a Alemanha em 2026. A Casa Branca referiu também que eventualmente tentaria estacioná-los permanentemente na Alemanha, e os mísseis teriam “um alcance significativamente maior” do que os atuais sistemas norte-americanos na Europa. O chanceler alemão, Olaf Scholz, mostrou esta quinta-feira o seu agrado com esta decisão, afirmando que é “algo de dissuasão e que garante a paz, e é uma decisão necessária e importante no momento certo”.
O Kremlin reagiu esta quinta-feira aos anúncios feitos em Washington, dizendo que estava a planear “medidas de resposta” para conter a “ameaça muito grave” da NATO, acusando a Aliança de estar “totalmente envolvida no conflito sobre a Ucrânia”.
O que levou o presidente da Turquia a reiterar que qualquer possibilidade de um confronto direto entre a Rússia e a NATO era “preocupante”. “Quaisquer passos que possam levar a este resultado devem ser evitados conscientemente”, disse Recep Tayyip Erdogan, um dos poucos membros da NATO que manteve laços com a Rússia desde a invasão.
Já esta quinta-feira, na reunião do Conselho NATO-Ucrânia, Zelensky disse que Kiev está “muito perto” do seu objetivo de se juntar à Aliança, um comentário que surgiu depois de Stoltenberg ter dito que os dois tinham concordado, numa reunião mais cedo, que “mais financiamento, mais apoio militar, mais acordos de segurança e mais interoperabilidade constituem uma ponte para a adesão à NATO”.
No que os dois parecem ainda não concordar é quanto à pretensão de Kiev de os aliados deixarem cair os limites ao uso das suas armas em ataques contra a Rússia, algo referido esta quinta-feira mais uma vez pelo líder ucraniano. Stoltenberg observou que os aliados reduziram as restrições impostas à Ucrânia, com os países variando nas suas limitações, e que isso permitiu a Kiev atacar alvos militares legítimos em território russo. No entanto, lembrou que os aliados têm o direito de ajudar e defender o direito de autodefesa da Ucrânia “sem se tornar parte no conflito”.
ana.meireles@dn.pt