"Não há acidentes em tempo de guerra", diz Zelensky sobre a morte de três governantes
Queda de helicóptero junto de infantário mata ministro do Interior e dois adjuntos. Líder ucraniano apela para os aliados não perderem mais tempo na decisão de apoio.
A queda de um helicóptero com seis funcionários do Ministério do Interior e três tripulantes em Brovary, localidade na região de Kiev, causou a morte a todos os ocupantes e ainda a mais cinco pessoas, uma criança incluída. O ministro do Interior Denys Monastyrskyi, o primeiro vice-ministro Yevhenii Yenin e o secretário de Estado do ministério Yurii Lubkovych contam-se entre os mortos do acidente que atingiu um edifício residencial junto de um jardim-de-infância. Ao discursar para o Fórum Económico Mundial de Davos em videoconferência, o presidente ucraniano afirmou que "isto não é um acidente, porque se deveu à guerra, e a guerra tem muitas dimensões, não apenas nos campos de batalha". Ou seja, "não há acidentes em tempo de guerra, são todos resultado da guerra"".
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O helicóptero estava a voar em direção à linha da frente no leste da Ucrânia. "O objetivo do voo de helicóptero era desenvolver trabalho num dos pontos quentes do nosso país onde as hostilidades estão em curso", disse o vice-chefe do gabinete presidencial, Kyrylo Tymo- shenko. Além dos 14 mortos, 29 pessoas ficaram feridas, incluindo 15 crianças.
À AFP, Dmytro Serbyn contou que estava em casa a tomar o pequeno-almoço quando ouviu um zumbido invulgar. Quando se apercebeu de que estavam a deflagrar chamas sobre o infantário correu em direção ao edifício, tendo saltado a sua cerca e quebrado janelas para retirar as crianças para um lugar seguro.
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"Dois polícias e outro homem estavam comigo. Levámos as crianças até ao pátio e daí para um local seguro, passámos algumas delas por cima da vedação", relatou Serbyn. Uma das crianças estava ferida na cara. "Os seus ferimentos eram tão graves que o seu pai não a reconheceu imediatamente."
As autoridades disseram que a causa do acidente está a ser investigada. Segundo um comunicado de imprensa dos serviços secretos da Ucrânia (SBU) há três hipóteses em análise: ou o piloto não cumpriu os regulamentos de segurança durante o voo, ou uma avaria causou um acidente ou houve "uma ação deliberada para destruir a aeronave". A Alemanha, pela pena da ministra do Interior, Nancy Faeser, ofereceu ao governo ucraniano apoio para a identificação das causas da queda do helicóptero.
Com o Ministério do Interior decapitado, o chefe da polícia nacional Ihor Klymenko foi designado ministro interino. Além da supervisão da polícia, guarda nacional e guarda fronteiriça, bem como dos serviços de emergência, incluindo desminagem, Denys Monastyrsky estava pessoalmente envolvido na troca de prisioneiros entre a Ucrânia e a Rússia.
Um ministro sem escândalos

Denys Monastyrsky.
© EPA/ZURAB KURTSIKIDZE
Nascido há 42 anos em Khmelnytsky, no oeste do país, Denys Monastyrsky foi advogado e professor antes de ser eleito deputado em 2019 pelo partido Servo do Povo. Dois anos depois foi nomeado ministro do Interior.
"Honesto e decente", caracterizou a deputada Oleksandra Ustinova, de um partido da oposição. "Uma pessoa muito modesta e corajosa. Com ele não houve escândalos", elogiou Serhiy Leshchenko, conselheiro do chefe de gabinete de Zelensky. "Um grande tesouro para a Ucrânia", disse o autarca de Kiev Vitali Klitschko.
Tempo para pensar, tempo para matar
Depois de numa primeira reação ter falado numa "terrível tragédia" cuja "dor não se pode expressar com palavras", Volodymyr Zelensky, dirigindo-se ao Fórum Económico Mundial, homenageou os mortos com um minuto de silêncio e depois implorou aos aliados da Ucrânia que não perdessem mais tempo para decidir renovado apoio. "O tempo que o mundo livre usa para pensar é usado pelo estado terrorista para matar", disse.
O chanceler alemão, que também discursou em Davos em inglês, mas presencialmente, elogiou a capacidade de adaptação do seu país para se tornar "completamente independente" dos combustíveis russos e criticou Moscovo. "A Rússia já falhou completamente na obtenção dos seus objetivos imperialistas. A Ucrânia está a defender-se com uma coragem impressionante", disse Olaf Scholz, que disse ainda que para a guerra acabar, "a Rússia tem de perder".
O discurso do chefe do governo alemão era muito aguardado porque tem sido pressionado por vários líderes para se decidir pela autorização da exportação dos tanques Leopard 2 que vários peritos consideram poder fazer a diferença no campo de batalha. Porém, sobre esse tema, nem uma palavra. Também presente na cidade alpina, o secretário-geral da NATO disse que os países da aliança estão prontos a anunciar "armas mais pesadas" para a Ucrânia no final da reunião que decorre amanhã na base militar de Ramstein, na Alemanha. "A mensagem principal será mais apoio e apoio mais avançado, armas mais pesadas e armas mais modernas, porque esta é uma luta pelos nossos valores", afirmou Jens Stoltenberg.
A reunião de Ramstein, dirigida pelo secretário da Defesa norte-americano, Lloyd Austin, inclui os as três dezenas de ministros da Defesa da NATO e ainda representantes de outros 20 países. Antes ainda da reunião, o Canadá anunciou o envio de 200 veículos blindados de transporte. Numa visita a Kiev, a ministra da Defesa Anita Anand disse que os veículos Senator, de fabrico canadiano, fazem parte do pacote de assistência militar de mais de 350 milhões de euros. O Canadá é um dos países que poderá enviar tanques Leopard 2 para a Ucrânia.
Lavrov e a "solução final" contra a Rússia
O ministro dos Negócios Estrangeiros da Rússia voltou a exprimir a sua visão muito própria da História ao comparar o apoio do Ocidente a Kiev à campanha de Napoleão em terras russas e à invasão nazi.

Sergei Lavrov.
© EPA/YURI KOCHETKOV
Sergei Lavrov usou a conferência de imprensa de início de ano para voltar a usar a figura de Adolf Hitler para denegrir. Em maio do ano passado o chefe da Diplomacia Russa pegou numa teoria da conspiração antissemita segundo a qual Hitler tinha "sangue judeu" para criticar o presidente ucraniano Volodymyr Zelensky, que é judeu. Tais declarações levaram-no a pedir desculpas a Israel.
Desta feita o alvo foi Washington e os seus aliados. "Tal como Napoleão mobilizou praticamente toda a Europa contra o Império Russo, tal como Hitler mobilizou e capturou a maioria dos países europeus e os enviou contra a União Soviética, agora os Estados Unidos organizaram uma coligação", disse Lavrov. "Os Estados Unidos, por intermédio da Ucrânia por procuração, estão a travar uma guerra contra o nosso país com a mesma tarefa: a solução final da questão russa. Tal como Hitler queria finalmente resolver a questão judaica", prosseguiu.
A "solução final" foi o programa de extermínio dos judeus decidido em 1942 pelo regime nazi e levado à prática até à derrota militar, algo que não encontra qualquer paralelo com a atualidade.
Lavrov defendeu ainda os objetivos do Kremlin na sua ofensiva na Ucrânia, que incluíam a "desnazificação" do país invadido, mas que agora não se sabe quais são. "Não são inventados, não são tirados do nada, mas são objetivos determinados por interesses de segurança fundamentais e legítimos da Federação Russa".
Já o presidente Vladimir Putin, de visita a uma fábrica de armamento em São Petersburgo, disse "não ter quaisquer dúvidas de que a vitória está garantida" ante o "regime neonazi" ucraniano. "Tudo segue conforme os planos do Ministério da Defesa e do Estado-Maior."
cesar.avo@dn.pt
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