Musk em risco de “autodestruição.” Tesla em queda, polémicas no DOGE e protestos nas ruas
Em Lisboa podem ter sido só uma dezena, os manifestantes a juntar-se no passado domingo frente ao stand da Tesla, mas um pouco por todo o mundo os protestos contra a marca de carros elétricos de que é dono Elon Musk têm-se multiplicado, até com algumas ações de vandalismo. Sobretudo na Europa, surgiu um movimento de donos de Teslas para se desfazerem dos carros, de modo a não ficarem associados ao milionário que se tornou uma das figuras mais influentes junto do presidente Donald Trump, para quem dirige o Departamento de Eficiência Governamental, apesar de não ser membro oficial da Administração. Mas este não é o único desafio que Musk tem enfrentado.
Tudo isto não passaria de banais protestos se não começasse já a ter consequências. Só na Alemanha as vendas de Teslas caíram 76% em fevereiro, comparado com o mesmo período do ano anterior e desde 17 de dezembro, quando atingiram o pico, as ações da Tesla perderam mais de 50% do seu valor.
O próprio Trump já veio em defesa do multimilionário. “Amanhã de manhã, vou comprar um novo Tesla para mostrar confiança e apoio a Elon Musk, um grande norte-americano. Por que é que ele está a ser prejudicado por aplicar o seu tremendo talento para ajudar a Tornar a América Grande Outra Vez (Make America Great Again)?”, garantiu o presidente aos jornalistas na terça-feira.
Dito e feito, de entre os Tesla que exibira na entrada da Casa Branca, Trump escolheu um Modelo S vermelho. A seu lado, Musk anunciou que, “como parte das grandes políticas do presidente Trump e da sua Administração, e como um ato de fé na América, a Tesla vai duplicar a sua produção nos EUA nos próximos dois anos”.
No início do mês, furiosos com os maus resultados em bolsa da empresa, alguns acionistas da Tesla viraram-se contra Musk, exigindo que o empresário fizesse o que ele estava a exigir aos funcionários públicos americanos: que enviasse um e-mail a explicar o que fez na última semana. “Olá Elon Musk. Por favor, partilhe cinco coisas que fez pela Tesla esta semana”, escreveram vários acionistas no X, interpelando diretamente o dono da Tesla. Um deles foi mesmo mais longe, questionando: “Ou estás em teletrabalho? Estou a perguntar em nome de todos nós.”
Com uma fortuna avaliada em 330 mil milhões de dólares (segundo a atualização em tempo real da revista Forbes), Musk é dono, além da Tesla, também da Space X e da rede social X. Nascido em Pretória, na África do Sul, e educado entre a elite branca, protegido da luta pelo fim do Apartheid, Musk mudou-se em 1989 para o Canadá, país da sua mãe, e daí para os Estados Unidos, onde se formou na Universidade da Pensilvânia. Mas foi na Califórnia onde começou a sua carreira como empresário. Afinal, estamos a falar do homem que, aos 12 anos, criou o seu primeiro jogo de computador.
Depois de ver a sua fortuna atingir o pico em dezembro de 2024 (acima dos 400 mil milhões, o valor mais alto registado no índice de riqueza da Bloomberg), nos últimos meses Musk perdeu quase 130 mil milhões de dólares. Chegou a perder 29 mil milhões num único dia, resultado da oscilação bolsista. Mesmo assim continua a ser o homem mais rico do mundo.
Cortes pouco eficazes
Ontem, a juíza federal Tanya Chutkan ordenou que Musk e o DOGE, o Departamento de Eficiência Governamental de que é líder, entreguem os registos que revelariam as identidades dos funcionários e registos internos relacionados com os esforços para reduzir agressivamente as despesas e os programas do governo federal. A decisão surgiu na sequência de uma queixa apresentada pelos procuradores-gerais de 14 Estados governados por democratas, segundo os quais Musk está a violar a Constituição ao exercer poderes que só os funcionários confirmados pelo Senado deviam ter.
Este é apenas o último episódio de uma série de desafios ao DOGE e ao seu líder. Musk tem tido dificuldades em explicar o funcionamento do Departamento e o seu próprio papel neste projeto. O multimilionário é um “funcionário especial do governo”, o que, segundo a Casa Branca, significa que o seu registo de informação financeira não será tornado público.
Ontem também, novos dados do Tesouro dos EUA revelaram que a política de cortes radicais de Musk não conseguiu travar o aumento da despesa federal, que atingiu um recorde de 603 mil milhões de dólares no mês de passado. Em fevereiro a despesa global cresceu 40 mil milhões de dólares, um aumento de 7% relativamente ao mesmo período de 2024.
O DOGE alega no seu site oficial já ter poupado 115 mil milhões (quase 715 dólares por contribuinte), mas, segundo a Newsweek, apenas uns poucos departamentos federais reduziram as despesas no primeiro mês de mandato de Trump. Musk chegou a prometer cortar dois biliões (os trillions americanos) de dólares em despesa federal, tendo mais tarde passado o objetivo para metade. Mas mesmo um bilião exigiria cortes radicais - uma ideia que agrada a falcões orçamentais, aos apoiantes convictos do MAGA - Make America Great Again - de Trump e à legião de fãs de Musk.
Depois do apoio do multimilionário durante a campanha - terá gastado mais de 250 milhões de dólares para ajudar o republicano a voltar à Casa -, Trump nomeou Musk para liderar o esforço da sua Administração para acabar com o desperdício na despesa pública e lutar contra a corrupção, pondo em prática a sua promessa de limpar o “pântano”.
Para os seus críticos, o DOGE vai prejudicar milhões de americanos ao eliminar programas de que necessitam ou o pessoal que os apoia. Também manifestam preocupação com os conflitos de interesses, dado que as empresas de Musk têm milhares de milhões de dólares em contratos federais.
E as controvérsias têm-se multiplicado. Desde as dúvidas sobre a legalidade de os funcionários do DOGE terem acesso aos dados dos contribuintes, à purga na USAid, a Agência dos Estados Unidos para o Desenvolvimento Internacional, com o secretário de Estado, Marco Rubio, a garantir esta semana que mais de 80% dos contratos da agência vão ser cancelados, passando pela oferta feita aos funcionários federais de pagarem os salários até final de setembro, além da manutenção dos seus benefícios caso aceitassem demitir-se rapidamente. Segundo a Administração, cerca de 75.000 trabalhadores aceitaram a oferta antes do seu encerramento, a 12 de fevereiro, ou seja, cerca de 4% da força de trabalho federal.
Vilão-mor dos democratas
Aproveitando a queda na popularidade de Musk (uma sondagem da CNN divulgada na quarta-feira mostrava que só 35% dos americanos têm opinião positiva sobre o multimilionário) para tentar atingir Trump, os democratas têm concentrado os ataques no dono da Tesla. “Processaram-no. Exigiram inquéritos do Congresso. Usaram cartazes a dizer ‘Musk rouba’, durante o discurso de Trump no Congresso. Um grupo liberal lançou um cartaz digital em Times Square que mostrava Musk a segurar a Casa Branca com fios de marioneta, enquanto outro grupo promoveu reuniões ‘Musk ou Nós’ em distritos congressionais do Partido Republicano”, escrevia esta semana o The Washington Post.
Mesmo entre os republicanos parece haver quem não morra de amores por Musk. Inclusive dentro da Administração, pelo menos se tivermos em conta a altercação entre Rubio e Musk durante uma reunião do Governo convocada por Trump para debater os esforços do multimilionário para reduzir os gastos do executivo. Segundo o jornal The New York Times, Musk terá acusado Rubio de não cortar funcionários suficientes no Departamento de Estado, com o multimilionário a acrescentar que o secretário de Estado é “bom na televisão”. Trump acabou por intervir, esclarecendo que os membros da Administração têm a última palavra e não o DOGE ou Musk.
Não faltaram logo analistas a ver neste incidente um sinal de que a relação entre Trump e Musk já não estará tão boa quanto foi. Num artigo intitulado “A autodestruição de Elon Musk”, Edward Luce, especialista do Financial Times em EUA, explica que “o custo de manter Musk ao lado de Trump está a aumentar. Na ignorância de como o governo federal funciona, Musk só está a causar danos.” E o colunista do jornal britânico garante: “A questão é como é que Trump se vai livrar de Musk, não quando.”