Moscovo impõe condições para a paz. Alargamento de sanções à energia esbarra em Berlim

Zelensky rejeita três condições de Putin para parar a ofensiva e apela para o diálogo, quando um número crescente de chancelarias se voluntaria para intermediar. EUA avança com embargo à energia russa.
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Ao décimo segundo dia da sua "operação militar especial", o regime russo fez saber de forma explícita quais as suas exigências para a parar, enquanto delegações russas e ucranianas se encontraram para uma terceira e inconclusiva ronda de negociações focada na criação de corredores humanitários, quando mais de 1,7 milhões de ucranianos abandonaram o país. Como que em resposta ao apelo do presidente Zelensky, os Estados Unidos preparam-se para avançar com mais sanções à Rússia, desta vez ao setor da energia, uma iniciativa que está longe de recolher unanimidade na União Europeia, em especial junto da Alemanha.

O porta-voz do Kremlin Dmitri Peskov apresentou as exigências de Vladimir Putin para suspender o ataque à Ucrânia: Kiev tem de baixar as armas, alterar a constituição para consagrar a neutralidade, reconhecer a Crimeia como território russo, e ainda reconhecer as repúblicas separatistas de Donetsk e Lugansk como estados independentes. Peskov disse que, caso a Ucrânia acedesse, "tudo isto pode ser parado de um momento para o outro". A resposta foi dada por Volodymyr Zelensky em entrevista à TV norte-americana ABC. "Este é outro ultimato e não estamos preparados para ultimatos", afirmou. "Mas temos a solução possível para estes três pontos, pontos-chave, o que é preciso fazer é que o presidente Putin comece a falar. Começar o diálogo em vez de viver na bolha da informação sem oxigénio. Penso que é aí que ele está. Está a receber informação e não se sabe quão realista é essa informação que está a receber", concluiu.

Em Brest, na Bielorrússia, as delegações de russos e ucranianos fizeram progressos nas conversações, mas não conseguiram chegar a um acordo sobre a criação de corredores humanitários a partir das cidades fustigadas. Kiev disse que tinha havido "resultados positivos" da terceira ronda de negociações, centrada em dar aos civis rotas de evacuação de cidades sitiadas como Mariupol, mas a Rússia disse que as suas expectativas das conversações "não foram cumpridas". Os comentários russos, em paralelo aos bombardeamentos que continuam a atingir civis, não dão esperança para que haja uma trégua tão cedo. Estima-se que haja agora cerca de dois mil civis ucranianos mortos, entre os quais 13 pessoas enquanto trabalhavam numa padaria na cidade de Makariv, e o presidente da câmara da cidade de Gostomel enquanto entregava pão aos seus concidadãos.

A Ucrânia tinha anteriormente rejeitado uma proposta russa de corredores humanitários nas cidades de Kharkiv, Kiev, Mariupol e Sumy, uma vez que estas conduziam diretamente à Rússia ou à Bielorrússia, aliado de Moscovo. "Esta não é uma opção aceitável", disse a vice-primeira-ministra ucraniana Iryna Vereshchuk. Por sua vez um negociador russo em Brest acusou a Ucrânia de bloquear a criação dos corredores, tendo descrito que se está perante um "crime de guerra". Já o presidente francês Emmanuel Macron acusou Putin de cinismo. "Nada disto é sério, é cinismo moral e político, o que acho intolerável", disse Macron em entrevista à LCI. O chefe de estado francês tinha falado ao telefone com o russo na véspera.

Na segunda-feira foi a vez do presidente do Conselho Europeu, Charles Michel, apelar não só para o "cessar imediato das hostilidades", mas também para se "assegurar a passagem humanitária segura e o acesso à assistência". Também o primeiro-ministro indiano telefonou a Vladimir Putin e ainda a Volodymyr Zelensky, tendo abordado a importância dos corredores humanitários para facilitar a retirada de civis, num momento em que o Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR) estima em 1,7 milhões o número de deslocados que saíram do país. O chefe da diplomacia da UE, Josep Borrell, voltou a dizer que esse número pode chegar aos cinco milhões.

Nos telefonemas a Putin e Zelensky, Narendra Modi propôs um encontro entre os líderes dos dois países em guerra. Enquanto esse cenário parece irrealista, na frente diplomática os ministros dos Negócios Estrangeiros dos dois países, Sergei Lavrov e Dmytro Kuleba, irão encontrar-se na quinta-feira em Antália, resultado dos esforços de mediação do líder turco Recep Tayyip Erdogan.

Também Israel se mostra em especial atividade diplomática. Depois de o primeiro-ministro Naftali Bennett ter reunido com Putin em Moscovo e com o chanceler Olaf Scholz em Berlim, e ter falado ao telefone por três vezes com Zelensky, o ministro dos Negócios Estrangeiros Yair Lapid encontrou-se com o homólogo norte-americano Antony Blinken na Letónia para analisarem o tema. A Santa Sé, através do secretário de Estado Pietro Parolin, também fez saber que está preparada para negociar uma solução para se alcançar a paz. No dia anterior, o Papa Francisco anunciou o envio de dois cardeais para a Ucrânia com a missão de reforçar a ajuda humanitária.

Por fim, refira-se que Pequim também admite ter um papel de intermediário entre os beligerantes. Em resposta ao desafio de Josep Borrell e do primeiro-ministro australiano Scott Morrison, o MNE Wang Yi disse que a China está "disposta a trabalhar com a comunidade internacional para levar a cabo a mediação necessária, quando necessário".

Horas depois de Zelensky ter solicitado ao Ocidente para alargarem as sanções com um embargo ao petróleo e gás russos, os congressistas norte-americanos chegaram a acordo para criar legislação que pare a importação de energia russa, suspenda as relações comerciais com a Rússia, e que mandate a administração Biden para retirar o país liderado por Putin da Organização Mundial do Comércio.

Na Europa há quem, como o ministro dos Negócios Estrangeiros da Lituânia, concorde com um embargo europeu à energia russa. "Não podemos pagar pelo petróleo e pelo gás com sangue ucraniano", afirmou Gabrielius Landsbergis. Mas o chanceler alemão lembrou que as importações da Rússia são "essenciais para a vida diária dos cidadãos". Mais enfático, o vice-primeiro-ministro russo Alexander Novak avisou que um embargo traria "consequências catastróficas para o mercado global", com o preço do barril de crude a atingir 300 dólares ou mais.

A presidência francesa do Conselho da União Europeia anunciou que os 27 países concordaram em pedir à Comissão Europeia para iniciar o processo de análise dos pedidos de adesão de Ucrânia, Geórgia e Moldávia à UE. Cabe agora à Comissão dar um parecer, passando depois para o Conselho de Assuntos Gerais a formação de um calendário com as negociações de adesão, que inclui um programa de reformas.

O presidente ucraniano pedira a adesão imediata ao clube europeu através de um "procedimento especial" e presidentes de oito países pediram a Bruxelas para abrir de imediato o processo negocial. O chefe da diplomacia europeia, Josep Borrell, lembrou que o processo pode demorar "muitos anos".

São países candidatos à UE Albânia, Macedónia do Norte, Montenegro, Sérvia e Turquia.

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