O dia seguinte ao breve mas simbólico encontro entre os líderes da Ucrânia e dos Estados Unidos, ficou marcado por alguns números: Volodymyr Zelensky disse que a Rússia está há quase 50 dias a “ignorar” a proposta de cessar-fogo dos Estados Unidos depois de as forças russas terem lançado 150 drones contra território ucraniano; Donald Trump está à beira de completar os primeiros cem dias de presidência com a popularidade mais baixa de sempre de um presidente norte-americano quando o seu secretário de Estado volta a dizer que os EUA podem sair em breve de cena no que respeita aos esforços diplomáticos para calar as armas.Da reunião tida na basílica de São Pedro, no Vaticano, minutos antes do início das exéquias do papa Francisco, ficaram as indicações de Kiev, Washington e Paris de que foi “bastante positiva”. Desconhecem-se os temas específicos abordados para lá do que o presidente ucraniano publicou nas redes sociais: “cessar-fogo total e incondicional” e “paz fiável e duradoura que impedirá o surgimento de uma nova guerra”. Os ucranianos querem garantias de segurança sólidas para que os russos não se sintam tentados a ignorar o acordo, e essas garantias passam não só por uma força de dissuasão ocidental mas também pelo apoio dos EUA, em especial no apoio aéreo e de partilha de informações. Às fotografias publicadas pelo seu gabinete, Zelensky realçou o simbolismo do local e da ocasião em que o encontro ocorreu, pelo que estavam criadas as condições para um momento “histórico”. Certo é que, por um lado, não houve uma segunda reunião entre ambos, ao contrário do que fontes oficiais ucranianas chegaram a anunciar; e que, na viagem a caminho do seu campo de golfe na Nova Jérsia, Trump desferiu uma rara crítica a Vladimir Putin e ameaçou com mais sanções. A reunião aconteceu num contexto em que as relações entre Zelensky e Trump estavam no nível mais baixo de sempre, quase dois meses depois do choque diplomático entre ambos na Casa Branca e um dia depois de a Time ter publicado uma entrevista em que o nova-iorquino voltou a dar a península da Crimeia, ocupada e anexada pela Rússia desde 2014, como perdida para os ucranianos. “A Crimeia permanecerá com a Rússia. Zelensky compreende isso, e todos entendem que está com eles há muito tempo.” A questão da cedência de territórios fará parte das negociações e do plano norte-americano (que contempla reconhecer a Crimeia de jure russa e os restantes territórios ocupados de facto), mas Kiev não aceita ceder a um plano do agrado de Moscovo antes de alcançado o cessar-fogo. Quanto à questão específica da Crimeia, o presidente ucraniano não tem margem política nem jurídica para capitular. O economista Tymofiy Mylovanov, ex-ministro durante o primeiro ano da presidência de Zelensky, comentou à Associated Press que caso o líder ou algum membro do governo assinasse um documento nesse sentido poderiam vir a ser julgados por traição. O único instrumento válido para reconhecer alterações territoriais é o referendo, e tal iniciativa só nasceria após um longo debate público e político. “É por isso que a Rússia está a pressionar por isso, porque sabe que é impossível de alcançar“, disse Mylovanov. “Qualquer coisa relacionada com mudanças constitucionais dá imenso espaço político e de comunicação pública à Rússia. Isto é tudo o que eles querem.”Depois de a Rússia ter atacado nas primeiras horas de domingo com 150 drones em cinco regiões do norte, centro, sul e leste, sem vítimas mortais a registar, e de ter morto cinco civis em bombardeamentos nas regiões de Donetsk e Kharkiv, o presidente ucraniano lamentou a insuficiente pressão global em relação a Moscovo e disse que “em breve, passarão 50 dias desde que a Rússia começou a ignorar a proposta dos Estados Unidos para uma trégua total e incondicional”. Citado pelo The New York Times, o analista militar Serhiy Hrabsky disse que falar de um acordo de paz é prematuro enquanto Moscovo jogar “pingue-pongue político” com os EUA. “A Rússia não vai parar”, crê o ucraniano. Com Donald Trump a bater o seu próprio recorde de impopularidade ao fim dos primeiros cem dias de mandato entre os últimos 15 presidentes norte-americanos (39% de aprovação segundo sondagem The Washington Post-ABC News-Ipsos), a Casa Branca pode seguir em frente. Isso mesmo voltou a dizer o chefe da diplomacia norte-americana, Marco Rubio: “Esta semana será realmente importante, e na qual temos de tomar uma decisão sobre se queremos continuar envolvidos nesta empreitada, ou se é o momento de nos concentrarmos em outras questões que são igualmente importantes, se não mais, em alguns casos.” Em entrevista à NBC, Rubio discordou da hipótese de impor mais sanções à Rússia porque tal equivaleria a “uma condenação a mais dois anos de guerra”.