O Kremlin adotou um tom diplomático face à espiral de ameaças entre o ex-presidente Dmitri Medvedev e Donald Trump, a poucas horas de receber pela quinta vez o enviado especial Steve Witkoff e de o ultimato para Moscovo pôr termo à guerra expirar. Em paralelo, dois países que ficarão afetados em consequência das sanções secundárias, a China e a Índia, dão sinais de que não deixarão de comprar petróleo russo. Ao recusar comentar se o Kremlin iria recomendar a Medvedev, atual vice-presidente do Conselho de Segurança da Rússia, uma mudança no tom com que se dirige ao presidente dos Estados Unidos, o porta-voz da presidência Dmitri Peskov disse tudo: “No nosso país, a política externa é formulada pelo chefe de Estado, o presidente Putin.” Sobre a retórica nuclear iniciada pelo ex-presidente e ex-primeiro-ministro russo em resposta ao anúncio de Trump de que iria encurtar o prazo para Moscovo se entender com Kiev, Peskov afirmou aos jornalistas: “A Rússia é muito cautelosa em questões de não proliferação nuclear e acreditamos que todos devem ser muito cuidadosos com a retórica nuclear.” A mensagem de prudência contrasta com a revisão da doutrina nuclear levada a cabo em novembro passado, que alarga o espectro de cenários para o uso do arsenal nuclear. Agora considera-se legítimo responder com armas nucleares a um ataque convencional se este for considerado uma “ameaça crítica à soberania”. Horas antes, Trump confirmou a ida do seu emissário à capital russa e a imposição de sanções secundárias aos países que compram petróleo a Moscovo se o regime de Putin não parar a guerra. “Haverá sanções, mas eles parecem ser muito bons a evitá-las. São personagens astutos e muito bons a evitar sanções, por isso vamos ver o que acontece”, considerou o presidente norte-americano. .“Não pode haver vencedores numa guerra nuclear. Esta é provavelmente a premissa fundamental em que nos baseamos. Não cremos que haja qualquer escalada [com os EUA].”Dmitri Peskov. É neste contexto - e com dois submarinos nucleares dos EUA reposicionados por ordem de Trump na sequência das ameaças de Medvedev - que a visita do enviado Witkoff se desenrola nesta quarta-feira, segundo a agência russa TASS. “Estamos sempre felizes em ver o sr. Witkoff em Moscovo e sempre encantados por estar em contacto com ele. Achamos que esses contactos são importantes, construtivos e úteis”, comentou Peskov, sem excluir a hipótese de uma reunião do amigo pessoal de Trump com Putin. Em março, em entrevista, o promotor imobiliário demonstrou não saber os nomes das regiões ocupadas pela Rússia e repetiu os argumentos da propaganda russa, da negação de que a Ucrânia seja um país aos referendos fraudulentos que foram realizados nos territórios invadidos. Para o cientista político Sergei Markov, ex-conselheiro de Putin, desta vez Witkoff pode levar mais do que uma pintura de Trump para Washington. Ao dizer que este encontro é a última hipótese de se chegar a um acordo antes do prazo terminar, Markov especulou que Putin poderá conceder uma trégua parcial, ao pausar os ataques com mísseis e drones que têm atingido as zonas residenciais ucranianas. Uma proposta que dá tempo a Moscovo e que poderá agradar a Trump. Se o prazo expirar e as sanções à Rússia avançarem, a consequência mais gravosa são as sanções secundárias, ou seja , a penalização de países, empresas e indivíduos que mantenham negócios com a Rússia. A ameaça em específico prende-se com tarifas de 100% para a China e a Índia, países que compram petróleo russo a preços baixos, mas que ainda assim contribuem para quase metade do orçamento de Moscovo. “A pressão e a coerção não levarão a nada. A China defenderá firmemente a sua soberania, segurança e interesses de desenvolvimento”, reagiu o Ministério dos Negócios Estrangeiros chinês. A Índia não reagiu oficialmente, mas duas fontes governamentais disseram à Reuters que Nova Deli não vai rasgar os contratos de longo prazo. “Não é assim tão simples deixar de comprar da noite para o dia”, disse uma fonte.