O caso de corrupção que envolve a irmã de Javier Milei, Karina Milei (à dir. na foto) pode ter contribuído para a derrota do partido do presidente da Argentina nas eleições em Buenos Aires.
O caso de corrupção que envolve a irmã de Javier Milei, Karina Milei (à dir. na foto) pode ter contribuído para a derrota do partido do presidente da Argentina nas eleições em Buenos Aires.EPA/Juan Ignacio Roncoroni

Milei derrotado em eleição após escândalo com a irmã

Peronistas ganham, com larga vantagem, na província de Buenos Aires e marcam pontos para as legislativas de 26 de outubro. Corrupção no coração do governo e estagnação económica explicam resultados.
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A dois meses das eleições legislativas na Argentina, Javier Milei perdeu as eleições na província de Buenos Aires, que concentra 40% dos eleitores do país, para a oposição. Gabriel Katopodis, candidato de uma coligação peronista, somou 47.49% dos votos contra 36,88% de Diego Valenzuela, do La Libertad Avanza, a formação criada em torno do presidente da Argentina, quando estão contados mais de 98% dos votos. 

Milei “nacionalizou” as eleições na província, tradicional bastião do peronismo, há três meses, quando a conjuntura lhe era favorável: a inflação estava sob controle e Cristina Kirchner, ex-presidente e ainda uma das líderes da oposição, havia sido presa por corrupção. “Vamos esmagar o kirchnerismo”, chegou a dizer o presidente. 

Porém, além da economia ter dado sinais de estagnação desde então, um escândalo, desta vez no coração do governo, inverteu os papéis e reduziu a popularidade do presidente para 39%, segundo o instituto Trespuntocero. Karina Milei, irmã do líder argentino, que a trata por “chefa”, secretária-geral da presidência e presidente do La Libertad Avanza, foi envolvida num caso de corrupção na indústria farmacêutica.

“Sem dúvida, a nível político, hoje tivemos uma derrota clara e se alguém quiser reconstruir, o que deve ser feito é aceitar os resultados. Apesar do resultado eleitoral, quero sinalizar a todos os argentinos que o rumo para o qual fomos eleitos não vai ser modificado, vai ser reforçado", prometeu o ultraliberal Milei, ao reconhecer a derrota.

“As urnas deram uma mensagem ao presidente. Depois do que aconteceu hoje, cuja leitura não devemos exagerar, eles vão ter de mudar o rumo. As urnas disseram a Milei que não se pode travar as obras públicas, não se pode bater nos reformados, não se pode abandonar as pessoas com deficiência, nem tirar recursos da saúde, da educação, da ciência e da cultura", disse, por sua vez o governador Axel Kiciloff, aliado de Kirchner. 

"Banalizar e vandalizar o 'Nunca Mais' [movimento anti-ditadura], que representa o período mais sombrio e trágico da história argentina, não é de graça. Rir da morte e da dor dos seus oponentes também não é de graça. Além disso, você deveria se preocupar com as pessoas com deficiência, em vez de roubar 3% dos seus medicamentos", escreveu a ex-presidente Cristina Kirchner nas redes sociais. 

Kiciloff e Kirchner são vistos como presidenciáveis contra Milei, em 2027

No escândalo que envolveu Karina Milei, a divulgação de áudios de Diego Spagnuolo, um advogado íntimo da família, foi peça chave. “Estão roubando, você pode fingir que não sabe mas não joguem esse problema para mim, tenho todos os Whatsapp de Karina”, diz Spagnuolo, que dirigia a Agência Nacional Para Pessoas com Deficiência (Andis) e representa juridicamente o próprio Milei, numa mensagem com destinatário incerto e cuja veracidade ainda não foi confirmada - nem desmentida.

“Do que eles cobram pelos remédios, você tem que colocar 8% (...) ela [Karina] recebe 3%”, ouve-se noutra gravação. Sendo que 3% equivalem, segundo a imprensa argentina, a valores entre os 500 e os 800 mil dólares da faturação de farmacêuticas para garantir contratos com áreas do governo, nomeadamente o ministério da Defesa. 

Spagnuolo foi, entretanto, destituído no cargo na Andis e autoridades policiais argentinas fizeram 16 operações com apreensão de telemóveis, documentos, máquinas de contar dinheiro e milhares de dólares em espécie relacionados com o esquema naquele organismo e na empresa farmacêutica Suizo. Eduardo “Lule” Menem, braço direito de Karina e um dos principais agentes políticos do governo, é apontado como o operador da rede da suposta rede de corrupção.

Karina Milei, 53 anos, foi figura omnipresente da corrida eleitoral como eminência parda e objeto da devoção do irmão, de 54, que a trata por “chefa” e a considera a estratega por trás da sua meteórica ascensão política. 

Sem relação com os pais, a irmã, formada em relações públicas e com carreira na gestão financeira, foi a única familiar com quem o hoje presidente manteve sempre o contacto, considerando-a, segundo reportagens da CNN e da BBC, “o único suporte psicológico de Javier, vítima de violência doméstica exercida pelo pai”. 

“Ela é Moisés, a Messias, eu sou só um populista”, chegou a dizer Javier de Karina que, embora muito mais reservada do que o irmão, também tem traços de excentricidade: estudou para ser chef de pastelaria, foi escultora e é leitora de cartas de tarot, ajudando o irmão a comunicar-se com Conan, o cão falecido dele. 

O primeiro ato de MIlei como presidente foi a revogação de um decreto, do tempo da presidência, de 2015 a 2019, de Maurício Macri, que proibia a nomeação de familiares para posições no gabinete e o consequente convite a Karina para assumir a posição de secretária da presidência. E é ela, solteira, sem namorado conhecido, nem filhos, quem determina quem se reúne ou não com o irmão na Casa Rosada.

A eleição na mais importante das províncias da Argentina, embora eleja apenas deputados estaduais, antecipa as legislativas de 26 de outubro, principal batalha de Milei, em 2025, uma vez que o governo vem somando derrotas parlamentares que vêm limitando o alcance das suas reformas ultraliberais na economia. 

O caso de corrupção que envolve a irmã de Javier Milei, Karina Milei (à dir. na foto) pode ter contribuído para a derrota do partido do presidente da Argentina nas eleições em Buenos Aires.
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