Nas últimas semanas, não foram o presidente Lula da Silva ou o antecessor Jair Bolsonaro o centro das atenções da imprensa do Brasil. Foram Janja da Silva, atual primeira-dama, e Michelle Bolsonaro, a ex. Janja sofreu críticas em série, e depois apoios, por ter agido como política eleita ao confrontar Xi Jinping sobre regulamentação do Tik Tok num encontro oficial na China. E Michelle, que faz um tour pelo país profundo com as eleições de 2026 no horizonte, motivou a demissão de um aliado.É no Partido dos Trabalhadores (PT), de Lula, e no governo que Janja sofre mais resistências: a notícia do embaraço causado a Xi só pode ter chegado à imprensa através de ministros ou outros aliados. Lula disse na sequência que a mulher não só não causou embaraço nenhum como “não é cidadã de segunda classe”. Na sequência, ela foi defendida à esquerda por, supostamente, ser vítima de misoginia. E o Partido Liberal (PL), de Bolsonaro e de Michelle, que preside à secção PL Mulher, demitiu nos últimos dias Fabio Wajngarten, fiel assessor de comunicação do ex-presidente, que desdenhou da possibilidade de Michelle ser candidata do partido à presidência, em mensagens obtidas pela polícia na investigação da tentativa de golpe de Estado. “Em que país, Valdemar vive?”, pergunta Wajngarten ao ex-ajudante de ordens da presidência Mauro Cid, referindo-se a Valdemar Costa Neto, líder do PL. O interlocutor reage: “Prefiro o Lula…”. Michelle e Janja, com carisma próprio, devem mesmo arriscar-se na carreira política, segundo a maioria dos observadores. “Porque a primeira-dama, Janja, exerce um fascínio sobre a política e a imprensa, que não sabem muito bem como lidar com uma personalidade inédita no cenário nacional. Não é ministra nem assessora mas tem mais poder e causa mais barulho do que a maior parte da equipa formal do marido”, escreveu Fábio Zanini, do jornal Folha de S. Paulo. “Se [o ato eleitoral] fosse hoje, segundo sondagens partidárias, Michelle estaria eleita pelo menos senadora”, lembrou, por sua vez, Monica Gugliano em O Estado de S. Paulo.As duas também já travaram embates diretos. No início do mandato do atual presidente, Janja insinuou que haviam desaparecido móveis do Palácio da Alvorada. Como eles foram encontrados mais tarde num depósito, a ex-primeira-dama levou a melhor no primeiro round entre ambas. No segundo, Michelle, a propósito da participação da primeira na abertura dos Jogos Olímpicos de Paris, na qualidade de chefe de Estado, substituindo Lula, atirou: “Algumas primeiras-damas têm vocação para viajar, c’est la vie [é a vida]...” No terceiro, já nesta semana, Janja, questionada pelo jornal Folha de S. Paulo se levava maquiador em viagens, respondeu: "Não sou dessas, você está confundido a primeira-dama, era a outra, não eu...". Referia-se ao maquiador uruguaio Agustín Fernández, inseparável de Michelle até em viagens..Michelle, entretanto, tem se dedicado nos últimos tempos a visitar regiões periféricas do país para criar condições para ser candidata - a qual cargo ainda não se sabe - em 2026. “Alguma vez se soube de uma visita de Janja - sem o marido - ao interior do Nordeste, ou conhecendo as barracas dos moradores na beira dos rios no Amazonas ou os agricultores que dependem das cisternas (que nunca são entregues) para terem água?”, pergunta Gugliano. Merval Pereira, colunista do jornal O Globo, notou que, “assim como Janja tem desenvoltura para falar em público (...) também Michelle se apresenta bem ao microfone, como se pôde constatar nas várias manifestações públicas convocadas por Bolsonaro nos últimos meses para tentar salvá-lo da condenação pela tentativa de golpe”. “Michelle, aliás, é hoje considerada a mais provável escolha de Bolsonaro para fazer parte de uma lista à eleição presidencial. A ideia seria colocá-la como vice de Bolsonaro, uma lista puro-sangue, até que o Tribunal Superior Eleitoral vete formalmente a candidatura”, continua Merval. “Um mês antes da eleição, ele indicaria Michelle para substituí-lo na cabeça de lista”.“E se Michelle vencer?”, questiona-se o colunista. “Bolsonaro, condenado pela tentativa de golpe, vai para prisão domiciliar devido à idade e à saúde debilitada. O seu domicílio seria o Palácio da Alvorada, residência oficial da Presidência da República. Era só o que faltava”.“Michelle Bolsonaro está pronta para exercer o papel de Winnie Mandela dos trópicos no mais que provável cenário de prisão de Jair, cônjuge e ex-presidente. Não é difícil visualizá-la chegando para visitar o marido na cadeia, com semblante fechado, levando sacolas com roupas e alimentos, e na saída dando uma entrevista em tom desafiador”, afirma, por sua vez, Zanini.E acrescenta: “No mandato do marido, ela não sofreu 10% dos ataques que Janja aguenta hoje, porque fazia o figurino tradicional das primeiras-damas. Desabrochou como política apenas na campanha de 2022 (...) com um discurso eloquente que surpreendeu até os seus marqueteiros. Desde então, não parou mais, e a sua oratória de pastora é ponto alto de qualquer manifestação bolsonarista”. Para, concluir, que “não é difícil imaginá-las duelando na tribuna do Senado daqui a uma década - se alguma não se eleger presidente antes, claro”.