A primeira-ministra italiana tinha prometido, antes de chegar ao poder, que não iria alterar a Lei 194, aprovada em 1978.
A primeira-ministra italiana tinha prometido, antes de chegar ao poder, que não iria alterar a Lei 194, aprovada em 1978.Filippo MONTEFORTE / AFP

Meloni mexe na lei do aborto contra a onda europeia

Emenda permite aos ativistas pró-vida acesso às clínicas que fazem interrupções voluntárias da gravidez para darem informações.
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Antes de chegar a primeira-ministra, Giorgia Meloni, líder do partido de extrema-direita Irmãos de Itália, prometeu que, apesar de ser contra o aborto, não iria mexer no direito à interrupção voluntária da gravidez, aprovado em maio de 1978 através da Lei 194, “mas que as mulheres devem saber que existem outras opções”. Este mês, o seu Governo apresentou uma proposta de emenda que permite aos ativistas pró-vida acesso às mulheres que se dirigem a clínicas onde são feitos abortos para que recebam mais informações sobre a interrupção voluntária da gravidez.

A medida, adotada na terça-feira pelo Senado, permite assim às regiões italianas garantir que grupos “com experiência qualificada em apoio à maternidade” possam ter acesso às mulheres que estão a pensar em abortar em clínicas administradas pelo Sistema de Saúde público.

O Governo de Meloni defende  que esta nova emenda cumpre o objetivo original da lei de 1978 que legaliza o aborto, segundo a qual as clínicas podem colaborar com esses ativistas para apoiarem a maternidade e informarem melhor as pacientes sobre medidas existentes de apoio à maternidade, como assistência financeira e acordos de Segurança Social, para que a interrupção da gravidez não seja feita por motivos económicos. Os opositores dizem que a alteração torna mais fácil para os ativistas pró-vida intimidarem as mulheres e restringirem o seu direito ao aborto.

Atualmente, os grupos pró-vida  já têm acesso a clínicas em várias regiões administradas pela direita e esta medida pode levar à extensão dessa prática a nível nacional.

Esta alteração legislativa em Itália promovida por Meloni vai contra o que se está a passar na Europa. A 8 de março, a França aprovou a introdução do direito ao aborto na sua Constituição, na Polónia, o Parlamento está a tentar reverter a proibição quase total imposta pelo anterior Governo populista, e, este mês, o Parlamento Europeu aprovou uma resolução para incluir o aborto nos direitos fundamentais da UE.

Passando uma imagem de moderada em termos internacionais  - por exemplo, contra os receios iniciais, tem sido uma forte apoiante da Ucrânia e crítica de Moscovo -, Giorgia Meloni tem sido acusada pela oposição de estar a implementar uma agenda de extrema-direita desde que chegou ao poder.

“Ela é subtil”, refere ao New York Times Gianfranco Pasquino, professor emérito de Ciência Política na Universidade de Bolonha, acrescentando que a líder do Governo procura deslocar as sensibilidades italianas e europeias para a direita sem recorrer a alterações de leis. “Ela é uma excelente política”, sublinha o mesmo académico.

Mas nem mesmo a subtileza evitou que Meloni já tivesse sido acusada de censura. Itália celebra esta quinta-feira a sua libertação do fascismo, um aniversário ofuscado por uma disputa de censura na emissora pública centrada nas raízes de extrema-direita da primeira-ministra.

A RAI cancelou abruptamente um monólogo sobre o fascismo da autoria de um escritor de renome, que seria transmitido no sábado, antes do Dia da Libertação. Os críticos afirmam há meses que a RAI nomeou figuras ideologicamente próximas do Governo de Meloni, apelidando-a de Telemeloni.

E a decisão de retirar o monólogo de Antonio Scurati, no qual ele acusava o partido de Meloni de reescrever a História, provocou indignação generalizada.

Meloni negou a censura de sua parte e publicou o monólogo de Scurati no Facebook, sugerindo que os italianos decidissem por si próprios. “Aqueles que sempre foram condenados ao ostracismo e censurados pelo serviço público nunca pedirão a censura de ninguém”, escreveu.

ana.meireles@dn.pt

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