Dos carentes complexos da Penha e do Alemão, na zona norte do Rio de Janeiro, a megaoperação contra o Comando Vermelho, de 28 de outubro, migrou de vez para a imponente praça dos Três Poderes, no coração de Brasília, e ameaça tornar-se um dos pratos principais no menu da eleição presidencial do Brasil de 2026. A operação que causou a morte de 121 pessoas, incluindo quatro polícias, e foi classificada como “sucesso” pelo governador do estado, o bolsonarista Cláudio Castro, e de “matança” pelo presidente da República, Lula da Silva, vai resultar na votação de projetos de lei (PL), de iniciativa do governo e da oposição, e de uma proposta de emenda à constituição (PEC), apresentada pelo Palácio do Planalto. Além disso, estará no centro de uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) sobre crime organizado.Do lado do governo, o “PL Anti-facção”, cria o tipo penal “organização criminosa qualificada”, prevê penas de até 30 anos de prisão sem progressão de regime, classifica o crime como hediondo e visa criar o Banco Nacional de Organizações Criminosas para rastrear atividades ilícitas. Já a chamada “PEC da Segurança” pretende gerar o Sistema Único de Segurança Pública, inspirado no sistema de saúde, e instituir uma coordenação das inteligências federal, estadual e municipal.O projeto da oposição, entretanto, vai mais longe: quer as organizações criminosas equiparadas a organizações terroristas, o que o Governo Lula rejeita. “Em primeiro lugar não tem nenhum impacto, além da banalização do conceito de terrorismo, que acontece por preconceito étnico ou religioso, tem apelo internacional e não visa o lucro, ao contrário do objetivo das organizações criminosas”, disse Marivaldo Pereira, secretário do ministério da Justiça e Segurança, ao site Metrópoles. “Além disso, se do dia para a noite você diz que o Brasil tem 100 organizações terroristas, isso teria impacto até no acesso do país a crédito”. Em resposta, bolsonaristas como o senador Flávio Bolsonaro, um dos nomes equacionados à direita para disputar a presidencial de 2026, e os deputados Bia Kicis e Nikolas Ferreira, cunharam a expressão “PT, Partido dos Traficantes” nas redes sociais. O Partido dos Trabalhadores, de Lula, já os processou por tentarem “de forma vil e repugnante associar a imagem” do partido “ao crime organizado”.Por outro lado, já está em andamento a CPI do crime com presidência de Fabiano Contarato, do PT, e vice-presidência de Hamilton Mourão, o vice de Bolsonaro de 2019 a 2022, que os especialistas temem que se transforme num espetáculo eleitoreiro. Depois de ver Lula crescer nas sondagens, na sequência da reunião promissora com Donald Trump em resposta ao aumento de taxação comercial a produtos brasileiros nos EUA por lóbi de Eduardo Bolsonaro, os presidenciáveis da oposição apostam na segurança pública para inverter a onda. Sondagem do instituto Quaest de segunda-feira, 3 de novembro, indicou que para 60% dos entrevistados a segurança pública é o principal calcanhar de Aquiles do presidente. Na mesma pesquisa, 58% dos habitantes do estado do Rio concordaram com o governador e definiram a megaoperação de dia 28 como “um sucesso”. “Estas operações são só espasmos’RAFAEL ALCADIPANI - Especialista em Segurança da Fundação Getúlio VargasMegaoperações como a do Rio melhoram a segurança da população? Essas operações não têm gerado melhoria da segurança nem no Rio, nem no Brasil, são espasmos sem continuidade nem estratégia. Neste caso, além do número elevado de baixas, que inclui polícias, a operação também não conseguiu prender nem metade dos alvos que pretendia, então é difícil falar em ‘sucesso’ de qualquer tipo.Especialistas defendem que as operações tenham mais foco na Faria Lima (a Wall Street brasileira), onde estão os investimentos dos líderes, e menos nos barracos das favelas, onde moram os soldados. Concorda? No Rio há muitas lideranças que estão, sim, escondidas nas comunidades e não dá para descuidar esses núcleos. Mas, por outro lado, tem de haver operações também na Faria Lima. Qual a solução? Como as Unidades de Polícia Pacificadora (UPP) nas favelas prometeram resolver mas falharam a prazo, será o exemplo de Medellín, baseado em “urbanismo social”, a saída? As UPP foram uma centelha mas, mais por razões políticas, não vingaram porque só se preocuparam com a segurança pública e esqueceram as outras responsabilidades do estado. Medellín, onde nos anos 90 havia 385 homicídios por 100 mil habitantes e que hoje regista 11, pode ser copiado e pode ser solução, sim. Em relação aos projetos de lei anti-facção, espero que os parlamentares os vejam como inícios e não como oportunidade para fazer circo político..Lula da Silva garante que operação no Rio de Janeiro não tinha “ordem de matança”.Defensoria Pública contabiliza 132 mortos na megaoperação no Rio de Janeiro.Urso, o alvo da megaoperação no Rio que pode ter matado 119 pessoas, continua foragido