"Marine Le Pen como presidente procuraria formar um eixo Paris-Budapeste-Moscovo nocivo para a UE"
Líder da secção de Paris do think tank European Council on Foreign Relations, Tara Varma fala ao DN sobre o segundo duelo entre Emmanuel Macron e a líder do Rassemblement National (Reunião Nacional) na 2.ª volta das presidenciais francesas. Num país extremado como nunca politicamente, os franceses escolhem este domingo o vencedor.
Emmanuel Macron e Marine Le Pen confrontam-se de novo na segunda volta das presidenciais francesas. Acha que as probabilidades de Macron ganhar são agora mais baixas do que há cinco anos?
Não diria que as probabilidades são mais baixas - as últimas sondagens indicam que ele venceria com 56% contra 44% de Marine Le Pen. Se este cenário se concretizar, será verdade que terá perdido 10 pontos em relação a 2017. As preocupações eram mais fortes nos primeiros dias logo depois dos resultados da primeira volta, uma vez que as intenções de voto a seu favor pareciam muito mais baixas do que há cinco anos. Dez dias depois, um vasto leque de dirigentes políticos apelaram a votar contra Le Pen, e isso traduz-se ou em votar em branco, ou a abster-se, ou a colocar um boletim em nome de Emmanuel Macron na urna. Mas o perigo de ver a extrema-direita chegar ao poder continua grande. Uma grande parte dos indecisos estiveram à espera do debate de quarta-feira para tomarem uma decisão. Já em 2017 este momento fora determinante, uma vez que Marine Le Pen perdera completamente a compostura. Desta vez surgiu melhor preparada, mesmo se de um ponto de vista técnico, Macron estava claramente mais à vontade.
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A candidatura de alguém extremista como Éric Zemmour veio normalizar ainda mais a candidatura de Marine Le Pen, que fez um grande esforço nestas eleições para mostrar que se normalizara?
A candidatura de Éric Zemmour serviu de para-raios e de espantalho que permitiu a Marine Le Pen terminar a mudança de pele que possibilitou a desdiabolização da Frente Nacional - hoje Rassemblement National - iniciada há mais de 10 anos. A radicalidade de Éric Zemmour parece ter colocado Le Pen menos na extrema-direita do tabuleiro político, mas uma análise mais aprofundada do seu programa contradiz essa impressão: nas questões migratórias, religiosas, económicas, sociais, ela continua a ser a herdeira do pai.
Ainda se pode falar numa frente republicana? Os 80% de Jacques Chirac contra o pai, Jean-Marie Le Pen, parecem hoje uma coisa do outro mundo...
Esta é a terceira vez em 20 anos que um candidato da Frente Nacional/Rassemblement National chega à segunda volta das presidenciais. A primeira vez, em 2002, foi um verdadeiro choque. Em 2022, infelizmente, este era o duelo esperado. O que confirma a fraqueza da frente republicana e a convulsão que se vive no panorama político francês. Macron, no centro-direita e esquerda, rodeado pela extrema-direita e pela extrema-esquerda. Esta reconfiguração coloca a questão da pertinência dos antigos partidos de governo: o Partido Socialista e Os Republicanos, que, juntos e somados, conseguem o mesmo resultado que Éric Zemmour.
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Os eleitores de Jean-Luc Mélenchon serão decisivos. Quem está em melhor posição para os atrair na segunda volta, Macron ou a abstenção?
Mais uma vez o debate pode ter sido decisivo para dar aos eleitores de esquerda as respostas e garantias que estes esperam do candidato Macron. No entanto, na consulta organizada pela União Popular [nome da campanha de Mélenchon às presidenciais 2022] perto de 38% escolheram o voto em branco ou nulo, 29% a abstenção e 33% o voto em Macron, o que confirma o grau de volatilidade desta segunda volta.
Se Marine Le Pen vencer, que poderes tem uma Assembleia Nacional que lhe seja eventualmente hostil para travar os seus projetos?
Marine Le Pen já indicou que fará tudo o que estiver no seu poder para contornar a Assembleia Nacional, se esta lhe for hostil. De facto, a V República oferece-lhe um grande número de poderes para legislar sozinha.
A eleição de Marine Le Pen como presidente seria sinónimo de "Francexit" - a saída de França da União Europeia?
Marine Le Pen presidente procuraria formar uma aliança com a Hungria, e logo um eixo Paris-Budapeste-Moscovo que seria nocivo tanto para a construção europeia como para a política externa europeia. Esta aliança teria como objetivo transformar a União Europeia a partir do seu interior, adaptar a agenda às prioridades nacionalistas dos dois dirigentes e poria em causa o conjunto dos avanços realizados nos últimos meses. Sobretudo o que preocupa seria o encorajamento que esta eleição criaria junto dos Estados-membros que estavam reticentes em impor mais sanções à Rússia e que encontrariam em Marine Le Pen uma aliada para o levantamento destas sanções, o que destruiria a unidade europeia e transatlântica de apoio à Ucrânia que se manteve nos últimos dois meses. Esta destruição lenta e insidiosa da União Europeia seria catastrófica.
Se Macron vencer, o que podemos esperar dos próximos cinco anos?
Podemos esperar a continuação do empenho no desenvolvimento da soberania europeia e na criação dos instrumentos da potência da Europa: sanções, luta contra a coerção económica, fornecimento de material militar a países terceiros, como a Ucrânia, graças ao Mecanismo Europeu de Apoio à Paz. A retoma do motor franco-alemão será a chave tanto no que diz respeito a projetos industriais como o SCAF [sigla em francês para Sistema de Combate Aéreo do Futuro] ou sobre assuntos mais tradicionalmente europeus, como a convergência fiscal.