Como vê a relação entre os ataques contra jornalistas e a perda da qualidade da democracia?Diretamente conectados. Isso fica claro nos dados da organização Freedom House, com quase duas décadas de estatísticas. E, recentemente, o V-Dem, da Suécia divulgou dados mais indicativos sobre a qualidade da democracia, que mostram que agora cerca de três em cada quatro pessoas ao redor do mundo vivem sob governos autocráticos e iliberais. Isso significa que estamos literalmente a eleger líderes iliberais de maneira democrática, certo? Segundo estes dados, 72% do mundo está sob um governo autocrático. Estamos a retroceder na democracia para níveis de 1978. Acho que outra parte disso é que não haverá democracia se não houver jornalistas a responsabilizar o poder. Em muitas constituições, como no Brasil, existe um judiciário forte. É mais forte, por exemplo, do que o das Filipinas, que tem um sistema como o dos Estados Unidos. Nós jornalistas, com um conjunto de padrões e ética, somos o canal para o povo. Claro, a tecnologia derrubou um pouco isso, mas nunca substituiu os padrões e a ética. E essa é parte da razão pela qual a democracia está a morrer. Quero dizer, estamos a ver isso agora globalmente, especialmente após a eleição do presidente Donald Trump nos Estados Unidos. Acho que no caso do Brasil, com [Jair] Bolsonaro, o país aprendeu, como nas Filipinas. Nós tivemos Rodrigo Duterte, que foi preso em março. Agora, estamos a responsabilizar Duterte. O início disso está a acontecer. E, assim como no Brasil, que viu em primeira mão o quão perigosas são as plataformas de media sociais, o mundo está a ver. Há dados, como revelados pelo New York Times, de que o Youtube recomenda conteúdos de extrema-direita e outros grupos de teóricos da conspiração, o que faz todos crescerem juntos. Quero dizer, estamos a ver como as redes sociais, como as big techs destroem a democracia por lucro.Como vê a administração de Donald Trump?É chocante. Eu ensino na Universidade de Columbia e o que fizeram com um estudante de lá, com Carta Verde, é chocante. Vimos um médico da Universidade de Brown, com ascendência indiana e foi deportado, embora tivesse Carta Verde. Acho que a questão aqui é parecida com a que inquietava os filipinos durante os seis anos do governo Duterte: quando termina a impunidade? E a questão que o mundo inteiro está a enfrentar é: existe ainda uma ordem internacional baseada em regras? Se os Estados Unidos seguem o caminho que estão a tomar com as guerras comerciais e a proteção das tecnologias, das big techs. Se isso continuar, realmente entramos numa nova ordem mundial.O mundo ficou significativamente mais perigoso?Precisamos sair dessas grandes plataformas de tecnologia. Essa é uma das razões pelas quais a Rappler construiu um aplicativo de chat baseado no protocolo Matrix, Porque o design dessas empresas é baseado na vigilância para o lucro. Elas manipulam as pessoas de forma insidiosa. É como semear um vírus de mentiras. E fomos os primeiros a ser atacados. Os governos, os ativistas, foram atacados da mesma forma que nós jornalistas. As empresas de tecnologia, essas plataformas que dominam o nosso ecossistema de informações públicas, precisam ser responsabilizadas. Quando a vigilância para o lucro incentiva o pior da humanidade, a democracia não pode sobreviver. O único tipo de governo que pode sobreviver quando os factos, a verdade e a confiança não existem mais, quando a confiança é destruída, o único tipo de governo que pode sobreviver seria uma ditadura, certo? Precisamos de confiança, de factos. Precisamos de uma realidade compartilhada para garantir o Estado de Direito, para poder ouvir e escolher, que é o que uma democracia é. Nas Filipinas, como vê o estado da democracia agora?O mundo está de cabeça para baixo quando as Filipinas são mais estáveis que os Estados Unidos [risos]. E também, as Filipinas que me desculpem, sem ofensa, mas quando o meu país, segue o Estado de Direito, a lei internacional e prende Rodrigo Duterte porque ele é acusado pelo TPI de crimes contra a humanidade, é um momento estranho. Mas o Duterte de uma forma estranha, ainda é bastante popular nas Filipinas por causa do Facebook, por causa das redes sociais. A desinformação ainda está a espalhar-se, ainda está a infectar as pessoas. O Governo precisa de lidar com isso. E sim, é um momento em que precisamos ver o que ainda vai acontecer, mas acabamos de provar que a impunidade termina e que a responsabilização e um senso de justiça podem começar. E esta é uma sensação boa. amanda.lima@dn.pt.Academia contra-ataca: Harvard processa administração Trump e mais de 100 reitores assinam declaração conjunta.D. José Ornelas compara frase de Trump à de Hitler e alerta: "Não se pode adormecer neste momento"