Um dia depois da vitória incontestável de Donald Trump nas eleições norte-americanas, o republicano falou ao telefone com o presidente da Ucrânia, Volodymyr Zelensky, um dos líderes estrangeiros com mais a perder com a mudança de poder na Casa Branca. Trump assegurou que vai manter o diálogo com o país, que continua a defender-se da invasão russa de 2022, o que deixou Zelensky esperançoso com o futuro diálogo. O que o líder ucraniano não esperava é que Elon Musk, cidadão privado e homem mais rico do mundo, entrasse na chamada a partir da Sala Oval. .A presença de Musk num contacto bilateral de alto nível como este mostra como o multimilionário ganhou um poder imensurável com o seu apoio a Donald Trump. Depois de comprar o Twitter e alterar o seu nome para X, perdendo milhões com um negócio que não fazia sentido financeiro, Elon Musk tornou-se central na história do grande regresso de Trump a Washington, D.C. .Não só reabriu as portas da rede social aos extremistas que tinham sido banidos como deu primazia a teorias da conspiração anti-democratas, endossando oficialmente Trump para a presidência em julho deste ano. Nas últimas semanas, juntou-se fisicamente à campanha aparecendo ao lado do republicanos nos comícios, envergando chapéus MAGA e canalizando milhões para a campanha. Doou 119 milhões de dólares através do seu comité de ação política America PAC e criou uma “lotaria” de um milhão de dólares para eleitores nos estados decisivos que assinassem uma petição a favor das armas e liberdade de expressão. .“A burocracia federal não eleita e inconstitucional tem agora mais poder que a presidência, legislatura ou judiciário”, escreveu na sua conta da rede X no rescaldo da vitória. “Isto tem de mudar”. O dono da Tesla, SpaceX, Neuralink, The Boring Company, Starlink, X e xAI, mais rico que qualquer outra pessoa no planeta, é agora também o homem não eleito mais poderoso do mundo. .O que Musk ganha com a vitória de Trump.Elon Musk comprou o Twitter por 44 mil milhões de dólares em outubro de 2022, um mês antes das eleições intercalares que correram melhor para os democratas que o esperado. Desde então, a rede social perdeu cerca de 20% dos utilizadores e as receitas de publicidade caíram 55% por mês, levando a X a entrar com um processo contra anunciantes numa tentativa de os obrigar a pagar publicidade outra vez. .Mas Musk conseguiu que Donald Trump regressasse à rede e dinamizou um forte movimento de eleitores MAGA, abrindo espaço para personalidades como o supremacista branco Nick Fuentes ou o influenciador Andrew Tate, que se autoproclama misógino e enfrenta diversas acusações de violação na Roménia. .A aposta mais que compensou, em várias frentes. A nível financeiro, a vitória de Trump fez chover dinheiro para o magnata (e para vários outros milionários nos Estados Unidos). Assim que Wall Street abriu na quarta-feira depois da eleição, as ações da Tesla dispararam mais de 14%, tornando Elon Musk 15 mil milhões de dólares mais rico instantaneamente. A construtora de automóveis elétricos atingiu pela primeira vez a capitalização bolsista de um bilião de dólares, sinalizando que o mercado espera ventos muito favoráveis para a empresa e o seu CEO nos próximos anos. .O benefício vai muito além da valorização em bolsa. A maior parte das empresas de Elon Musk depende de subsídios e incentivos financeiros do governo federal, e como um dos membros do núcleo duro que vai rodear Trump na Casa Branca, o CEO poderá garantir que as coisas correm a seu favor. .Por exemplo, a Tesla recebeu milhões em financiamento governamental para instalar carregadores elétricos. A Starlink pode agora tentar receber contratos para fornecer Internet em todo o país. A SpaceX, que já fez vários contratos com a NASA no valor de vários milhares de milhões de dólares, está a competir com a Blue Origin de Jeff Bezos por uma série de contratos com a US Space Force no valor de 5,6 mil milhões. O New York Times reportou que Musk já pediu a Trump que nomeie responsáveis da SpaceX para lugares no governo e a análise dos especialistas que têm falado com os meios de comunicação social é de que a relação próxima entre os dois vai beneficiar a empresa nos próximos contratos. .É isso que Jeff Bezos poderá tentar contrariar. Bezos, o fundador da Amazon que também detém o Washington Post, impediu o conselho editorial do jornal de endossar Kamala Harris para presidente na semana anterior à eleição e fez uma das declarações de parabéns a Trump mais efusivas de toda a big tech..Um outro benefício do acesso ao poder para as empresas de Elon Musk é o alívio do escrutínio por parte dos reguladores, como SEC (Securities and Exchange Commission), FCC (Federal Communications Commission) e FTC (Federal Trade Commission), e possivelmente alguma desregulação. Musk tem sido alvo de investigações por violações das leis laborais, por exemplo, e a Tesla tem sido limitada na sua capacidade de expandir as funcionalidades autónomas por causa de restrições de segurança. O magnata está a investir em Inteligência Artificial e criou a xAI, pelo que vê com bons olhos a ausência de regulamentos nesta área, ao contrário do que está a acontecer na União Europeia. .Também a Neuralink, a sua empresa de implantes de chips no cérebro, tem sido escrutinada pela FDA (Food and Drug Administration), com requerimentos de controlo de qualidade que são morosos e atrasam a comercialização. Tudo isso pode desaparecer com a sua influência na escolha dos novos chefes dos reguladores e a mudança de direção em relação à administração de Joe Biden, que foi rigorosa em matéria de leis laborais, proteção de dados e anti-concentração. .Até a X, que poderia ser chamada a monitorizar a disseminação de conteúdos falsos, bullying e outros numa administração Harris, deverá conhecer uma nova era sem salvaguardas. Corre o rumor de que está em ponderação uma fusão da X e da Truth Social, de Donald Trump, embora tal possibilidade tenha sido desmentida até agora. .Por cima de todos estes benefícios, Trump prometeu a Elon Musk a liderança da nova comissão de eficiência governativa, uma task force que será criada para reduzir os gastos do governo de forma dramática. Musk falou em cortar 2 biliões de dólares e disse que isso levará a dificuldades nos primeiros anos, mas depois permitirá um crescimento sustentado. Essa posição dará a Musk o poder de decidir as prioridades do orçamento e a direção do país, algo notável para o empresário sul-africano que imigrou para os Estados Unidos quando tinha 19 anos. .Há desvantagens?.Donald Trump tem um histórico de rejeição de carros elétricos e eletrificação com recurso a energias renováveis, pelo que a expectativa é de que a sua administração acabe com os incentivos que estão a ser dados a este segmento e opere um retrocesso nos objetivos de redução de emissões. Esse é um ponto que pode afetar a Tesla negativamente, embora Musk defenda que não. O seu argumento é que os subsídios do governo de Biden incentivaram outras construtoras automóveis a investir em carros elétricos e isso aumentou a concorrência..Com o fim dos incentivos, a Tesla pode operar num mercado com menor competição. Mais desvantajoso que isso para as empresas de Musk é o potencial de uma guerra de tarifas com a China, um mercado importantíssimo onde o empresário tem a sua maior fábrica, a Gigafactory em Xangai, e que compra metade de todos os carros elétricos vendidos no mundo. Um quarto das receitas da Tesla vem da China. .Uma das promessas de campanha de Trump é impor tarifas de 60% sobre os produtos importados da China e de 10% de todos os outros países (incluindo Portugal). Além dos efeitos inflacionários esperados pelos economistas, essa imposição pode desencadear uma guerra tarifária de retaliação, o que não será bom para a Tesla. .Segundo artigos de meios de comunicação virados para a China e publicados em inglês, a esperança dos líderes chineses é que Elon Musk influencie a administração não só em relação a tarifas (no sentido de uma redução) mas também em termos de maior cooperação entre Washington e Pequim, visto que o empresário está tão dependente daquele mercado e tem boas relações com o Partido Comunista Chinês. .No futuro, para lá desta vitória esmagadora da estratégia de apoiar Trump, a intenção de Elon Musk é continuar a usar a sua fortuna para influenciar campanhas e o fluxo da informação no país. Musk disse que o seu comité de ação política America PAC vai continuar e é muito pouco provável que os conflitos de interesse que já estão a ser apontados venham a ter algum tipo de consequência. .Na X, Musk congratulou-se pela vitória da sua rede social contra os meios de comunicação tradicionais, que apelidou de máquinas de propaganda. E disse que quem manda agora são os seus utilizadores: “Vocês são os média.”