O emir do Qatar acusou Israel de atacar o Hamas no seu território de forma propositada para acabar de vez com as negociações sobre o cessar-fogo e a libertação dos reféns. E fê-lo horas antes de o comunicado da cimeira de emergência que reuniu líderes árabes e muçulmanos apelar para que os países revejam as suas relações diplomáticas e económicas com o Estado hebraico. No segundo dia de visita a Israel, o secretário de Estado norte-americano voltou a mostrar alinhamento com o governo de Benjamin Netanyahu, apesar das declarações, na véspera, de Donald Trump que aconselhou “muita prudência” em relação ao “grande aliado” Qatar.O comunicado final da cimeira de líderes da Liga Árabe e da Organização de Cooperação Islâmica convocada pelo Qatar apela para os países que mantenham relações com Telavive as revejam. No entanto, segundo a Reuters, caiu uma passagem de um rascunho, o qual dizia que o ataque israelita e outros “atos hostis” ameaçam a coexistência e os esforços para normalizar as relações na região. A ideia de avançar com sanções também terá caído. Fica uma passagem vaga sobre a necessidade de uma “nova arquitetura de segurança coletiva”. O anfitrião, o emir do Qatar, usou linguagem mais forte, ao concluir que “aquele que age com persistência e metodologia para assassinar a parte com a qual negoceia pretende fazer fracassar as negociações”. As declarações de Tamim bin Hamad al-Thani referiam-se ao ataque aéreo realizado na semana passada por Israel e que matou seis pessoas, cinco das quais do grupo islamista Hamas, em Doha, a capital do Qatar onde decorreram várias rondas de negociações mediadas pelas autoridades locais. O líder do pequeno país do Golfo disse ainda que Netanyahu “sonha que a região árabe se torne numa esfera de influência israelita”, o que, na sua ótica, “é uma ilusão perigosa”. O emir mostrou que as pontes com Israel foram queimadas: “Como podemos receber delegações israelitas no nosso país para negociações, quando aqueles que enviaram essas delegações estão a conspirar para bombardear este país? Não há espaço para lidar com uma parte que é cobarde e traiçoeira.” Al-Thani acusou ainda o governo de Netanyahu de mentir quando afirma que procuram a libertação de reféns. Diante dos líderes árabes e muçulmanos reunidos em Doha, entre os quais o presidente da Autoridade Palestiniana, os presidentes da Turquia, Irão e Egito, o rei da Jordânia ou o príncipe herdeiro saudita, al-Thani descreveu o seu país como um “estado de mediação” que tem “exercido esforços intensos há dois anos para alcançar um acordo” em Gaza. Este é o culminar de uma longa e onerosa tentativa de mudar a imagem do país, que sofreu o corte de relações e um bloqueio económico de países árabes que acusavam o Qatar de financiar grupos terroristas, do Hamas ao Estado Islâmico entre 2017 e 2020. O emirado também investiu dezenas de milhões de euros na construção de mesquitas - algumas das quais com imãs extremistas - e em organizações islamistas na Europa. O seu país também estará por trás de um escândalo de corrupção com eurodeputados, o Qatargate. Mas longe vão os tempos - 2017 - em que Donald Trump acusava o Qatar de “financiar o terrorismo ao mais alto nível”. Doha recebeu na segunda-feira alguns dos seus anteriores rivais na região e, em maio, o presidente dos EUA visitou o país, tendo aceitado a oferta de um Boeing 747 que quer utilizar como avião presidencial. Sexta-feira, Mohammed Jassim al-Thani, primeiro-ministro do Qatar, jantou com Trump. Este, no domingo, advertiu Israel para ter “muita prudência” com o Qatar, apesar de não condenar o ataque “porque eles [israelitas] têm de fazer algo em relação ao Hamas”. Segundo o site Axios, Trump foi avisado do bombardeamento na terça-feira de manhã por Netanyahu. Segundo a Casa Branca, a informação foi prestada quando os mísseis já estariam no ar. O chefe da diplomacia dos EUA, em visita de dois dias a Israel, afirmou que as pessoas esqueceram que a guerra em Gaza começou porque “animais bárbaros realizaram uma operação” a 7 de outubro de 2023 e não mostrou interesse em comentar o ataque israelita em Doha: “Estamos focados no que vai acontecer a seguir.” Marco Rubio, que nesta terça-feira é recebido no Qatar, disse que vai tentar convencer os catarianos a não desistirem do seu papel de mediadores. Mas, ao seu lado, Netanyahu atirava mais achas para a fogueira, ao afirmar que não descarta novos ataques a líderes do Hamas “onde quer que estejam”. E sobre o da semana anterior, comentou: “Tinha uma mensagem central que é ‘podes esconder-te, podes correr, mas vamos apanhar-te’.”Acordos de Abraão em suspensoA normalização das relações entre países árabes e Israel foi o grande sucesso diplomático do primeiro mandato de Donald Trump. Tendo como mediador Jared Kushner, genro do presidente dos EUA, os acordos bilaterais foram firmados em 2020 entre Israel e Emirados Árabes Unidos, Bahrein, Marrocos e Sudão, nos quais estes países reconheceram o primeiro, juntando-se à Jordânia e Egito, sem qualquer exigência respeitante ao estabelecimento do Estado da Palestina. O ataque terrorista do Hamas de 7 de outubro de 2023 e a resposta de Israel esfriaram as relações entre os países árabes e Telavive. E, sobretudo, suspendeu o processo de normalização de Israel, em particular com a Arábia Saudita a recusar avançar sem que a solução dos dois Estados seja posta em prática. O apelo do ministro israelita Bezalel Smotrich de que o seu país anexe a Cisjordânia levou a que os Emirados tenham advertido que os Acordos de Abraão ficariam em risco..Sánchez apela para boicote desportivo e é alvo de críticas .MNE israelita e PM dinamarquesa criticam líder espanhol. PP preocupado com imagem do país. O primeiro-ministro espanhol foi alvo de críticas depois de ter proposto um boicote a Israel ao nível do desporto, tal como aconteceu à Rússia após a invasão da Ucrânia.O socialista Pedro Sánchez reafirmou a sua posição crítica quanto ao governo israelita e, encorajado pela onda de manifestações que marcaram a Volta em Espanha em bicicleta - e que culminaram com o cancelamento da última etapa em resultado da tomada das ruas de Madrid pelos ativistas pró-palestinianos -, sugeriu o boicote internacional a Israel nas provas desportivas. “O debate que se abriu a propósito do que aconteceu em Madrid, em Espanha, deveria crescer e chegar a todos os recantos do mundo. Já está a acontecer, vimos como governos europeus estão a dizer que, enquanto durar a barbárie, Israel não pode utilizar qualquer plataforma internacional para branquearem a sua presença”, disse aos deputados. “As organizações desportivas devem questionar-se se é ético que Israel continue a participar em competições internacionais. Por que é que a Rússia foi expulsa após a invasão da Ucrânia e Israel não é expulso após a invasão de Gaza?”, questionou. Apresentou como exemplo a não seguir o apoio do conservador José María Aznar à invasão do Iraque por parte dos EUA de George W. Bush e citou o ex-ministro francês Dominique de Villepin, também ele conservador, segundo o qual “é a Espanha que salva a honra da Europa” no que respeita à questão palestiniana.O ministro dos Negócios Estrangeiros israelita Gideon Saar respondeu a uma publicação de Sánchez no X na mesma plataforma. “Um antissemita e um mentiroso”, escreveu Saar, que ainda classificou Sánchez e o seu “comunista” executivo de coligação de “inimigos da verdade”, em aparente referência ao facto de o primeiro-ministro não ter mencionado o ataque terrorista do Hamas.As críticas vieram de outros quadrantes ideológicos. A primeira-ministra da Dinamarca, Mette Frederiksen, social-democrata, também criticou Sánchez, ao dizer que “discorda fortemente” dos elogios de Sánchez aos manifestantes. “O parlamento das ruas não tem nada a ver com a democracia. Destroem o desporto e, a longo prazo, também a democracia”, disse Frederiksen, que não viu o seu compatriota Jonas Vingegaard comemorar a vitória na prova de ciclismo. Em Espanha, o líder da oposição responsabilizou Sánchez pelos “atos de violência” ocorridos na capital, onde se registaram cargas policiais, dois detidos e mais de 20 polícias feridos. Para Alberto Núñez Feijóo, não se pode confundir uma manifestação com um boicote à Volta a Espanha, o qual “põe em risco a vida das pessoas”. A presidente da região de Madrid, Isabel Ayuso, disse que a capital deu a imagem de “uma Sarajevo em guerra” e onde “se perseguem judeus”.