O líder da Venezuela alertou para os riscos de uma guerra na América do Sul e nas Caraíbas horas depois de o presidente dos Estados Unidos ter revelado que deu instruções para operacionais da CIA operarem na Venezuela, numa rara admissão pública de utilização, por parte do poder executivo, de serviços daquela agência em território externo. Caracas levou o assunto ao Conselho de Segurança das Nações Unidas.Na sequência de uma notícia do The New York Times, Donald Trump reconheceu ter instruído a agência de espionagem e de segurança para avançar com operações encobertas na Venezuela. Questionado se teria autorizado a CIA a visar Nicolás Maduro, respondeu: “É uma questão ridícula. Bem, não é realmente uma questão ridícula, mas seria ridículo da minha parte responder a isso, não é?”. Num discurso transmitido pela televisão, Maduro fez a defesa da diplomacia em detrimento do intervencionismo norte-americano. “Tem de triunfar a paz”, para depois apelar em inglês macarrónico: “Not war, yes peace, por favor povo dos Estados Unidos”. Prosseguiu o homem acusado pela comunidade internacional de ter negado a vitória nas presidenciais de 2024 ao opositor Edmundo González: “Não à mudança de regime, que nos lembra tanto as fracassadas guerras no Afeganistão, Iraque e Líbia. Não aos golpes de Estado promovidos pela CIA, como os que ocorreram no Chile e na Argentina. Até quando golpes de Estado da CIA? A América Latina não os quer, não os necessita e repudia-os.” Palavras proferidas perante um órgão criado no mês passado, o Conselho Nacional para a Soberania e a Paz, para enfrentar a “ameaça militar” dos EUA. Mais tarde, numa mensagem áudio, Maduro disse que “toda a força militar, popular e policial” iria ser ativada para lidar com as declarações de Washington. Há dois meses que as forças bolivarianas realizam exercícios militares. .As forças dos EUA alvejaram cinco embarcações da Venezuela e mataram 27 tripulantes suspeitos de narcotráfico..Com a chegada de Trump à Casa Branca, em janeiro, as associações criminosas e de narcotráfico foram equiparadas a organizações terroristas. Desde o primeiro mandato do republicano que Maduro é acusado de liderar o cartel de Los Soles, mas agora com a agravante de se considerar terrorista, e alegadamente com o objetivo de traficar cocaína e fentanilo, o que está por provar. Nas últimas semanas, os EUA destacaram para bases em Porto Rico forças navais compostas por oito navios e um submarino e 10 mil homens. Nesse período abateram cinco embarcações, que alegam ser de narcotráfico, tendo matado 27 pessoas. Em paralelo, segundo a comunicação social dos EUA, Trump pôs fim à tentativa de chegar a um acordo com Maduro. O seu enviado, Richard Grenell, oferecia alívio na pressão em troca do acesso ao petróleo e minerais raros venezuelanos e a um arrefecimento de relações de Caracas com Pequim, Moscovo e Teerão.Se Maduro se dirigiu aos norte-americanos em tom grave, o ministro do Interior e da Justiça fez uso da ironia. “Devemos agradecer aos Estados Unidos, que anunciaram formalmente que a CIA vai começar a operar na Venezuela e na América Latina. Disseram-no formalmente. Vão enviá-la. Pela primeira vez”, declarou Diosdado Cabello. Depois, já em tom de acusação, afirmou que “não há povo neste continente americano que não tenha sofrido um golpe de Estado preparado pela CIA”. Haverá algum exagero por parte do ministro (ele próprio acusado pela administração Trump de fazer parte do cartel), mas é factual que os Estados Unidos têm um longo historial de interferência na América Latina desde a doutrina Monroe.Segundo um trabalho de 2005, portanto desatualizado, do historiador John Coastworth, então professor na Universidade de Harvard e agora em Columbia, os EUA foram responsáveis por 17 intervenções diretas e 24 indiretas que levaram à mudança no poder de países da América Latina desde 1898. A Nicarágua foi o país mais vezes alvo de ação norte-americana (seis). Na Venezuela não houve interferências bem-sucedidas. Em 2002, Hugo Chávez foi afastado do poder para o recuperar dois dias depois e acusar os EUA de apoio tácito à intentona. Em 2019, o autoproclamado presidente Juan Guaidó, reconhecido pelos EUA, tentou derrubar Maduro com o apoio de militares, mas sem sucesso.