Menos de 24 horas depois da censura ao Governo de Michel Barnier, o presidente francês, Emmanuel Macron, quebrou o silêncio numa alocução ao país sem anunciar o nome do futuro primeiro-ministro - dizendo que o fará “nos próximos dias”. Ao longo de dez minutos, Macron atirou as culpas aos deputados pela atual crise (a oposição à esquerda e à direita culpa-o a ele), apesar de ter admitido que a decisão de antecipar as eleições (o que deixou a Assembleia Nacional mais dividida) “não foi compreendida”. Assumiu a responsabilidade por isso, mas insistiu que não se vai demitir..Barnier apresentou a demissão oficialmente na quinta-feira de manhã, mas vai continuar responsável pela gestão corrente até haver um sucesso. Sem entrar em pormenores, o presidente disse que irá encarregar o próximo primeiro-ministro “de formar um governo de interesse geral, representando todas as forças políticas de um arco de governo que nele possam participar ou, pelo menos, que se comprometam a não o censurar”. São vários os nomes de que se tem falado para o cargo - muitos deles já eram falados para suceder a Gabriel Attal - não sendo claro qual será capaz de ultrapassar esse desafio. A prioridade do sucessor de Barnier será o “orçamento”, com Macron a dizer que “recusa que os franceses paguem a fatura desta censura”..O presidente usou esta alocução para voltar à decisão de convocar eleições antecipadas, considerando que era “inevitável” depois do desaire dos partidos que o apoiam nas europeias e do crescimento dos extremos. “Muitos culparam-me por isso e muitos continuam a culpar-me”, referiu, assumindo a responsabilidade, mas insistindo que considerava necessário voltar a dar a palavra aos franceses..A oposição culpa Macron pela censura a Barnier, mas o presidente negou essa responsabilidade. “Foi censurado porque a extrema-direita e a extrema-esquerda se uniram numa frente antirrepublicana e porque as forças que ainda ontem governavam a França optaram por ajudá-las”, afirmou, num recado aos socialistas. “Sei que alguns se sentem tentados a culpar-me por esta situação. É muito mais confortável. Mas se sempre assumi todas as minhas responsabilidades, as coisas boas e, por vezes, os erros que possa ter cometido, nunca assumirei a irresponsabilidade dos outros”, insistiu..O presidente atacou o Reunião Nacional, dizendo que os seus deputados “optaram por votar uma moção de censura que dizia o contrário do seu programa, que insultava os seus próprios eleitores”. Para Macron, “escolheram simplesmente a desordem que é o único projeto que os une à extrema-esquerda”..Macron admite que era ele o alvo e que os partidos da oposição estão de olho nas presidenciais, em 2027, mas rejeita demitir-se. “O mandato que me confiaram democraticamente é um mandato de cinco anos e irei exercê-lo plenamente até ao seu termo”, afirmou, apelando ao fim das divisões e lembrando o que é possível fazer quando os franceses trabalham juntos - desde a reconstrução da Catedral de Notre-Dame até aos Jogos Olímpicos..Reações.“Um rápido lembrete ao presidente Macron, suposto garante da Constituição: a censura não é antirrepublicana, está prevista na Constituição da nossa Quinta República”, reagiu a líder parlamentar do Reunião Nacional, Marine Le Pen, no X. Já Jean-Luc Mélenchon, líder histórico da Frente Insubmissa, lembrou aos microfones da TF1 que Macron é “a causa do problema”, mostrando-se confiante de que cairá “pela força dos acontecimentos”..A Nova Frente Popular, aliança de esquerda que é a que mais lugares tem na Assembleia, insiste que o primeiro-ministro tem que vir da esquerda - Macron poderá tentar quebrar os laços frágeis entre França Insubmissa e socialistas. Mas Le Pen já lembrou que o Reunião Nacional não aprovará nenhum nome vindo deste campo..Com ou sem Governo, o que acontece ao orçamento?.O Governo de Michel Barnier caiu numa moção de censura, em plena discussão do orçamento para 2025. O que é que isso implica? A moção de censura a Michel Barnier foi desencadeada depois de o primeiro-ministro recorrer ao artigo 49.3 da Constituição para tentar aprovar o orçamento para a Segurança Social do próximo ano sem passar por uma votação na Assembleia Nacional. A moção foi aprovada por 331 deputados (só precisava de 288) e isso significa não só que Barnier foi obrigado a demitir-se, como o chumbo da proposta de orçamento em causa. .O próximo Governo vai ter tempo para aprovar um novo orçamento? Barnier, que estava na chefia do Governo há três meses, admitiu que o orçamento para a Segurança Social foi feito em 15 dias e que não era perfeito. Em teoria, o novo Governo teria tempo para apresentar um novo texto (ou rever o que estava em cima da mesa) para ser aprovado na Assembleia, mas teria as mesmas dificuldades que Barnier..Isso significa que França vai funcionar em duodécimos, como em Portugal, ou haverá um shutdown como nos EUA? Nenhum destes cenários existe em França. Em Portugal, quando um orçamento é chumbado, prorroga-se automaticamente o do ano anterior - com o Governo a ficar limitado à gestão de duodécimos [ver impacto desta crise em Portugal na pág. 14]. Nos EUA, quando não é aprovado o orçamento, há o chamado shutdown, com as agências federais a terem que dizer quais são os funcionários essenciais e os não essenciais. Os primeiros continuam a trabalhar, apesar de só receberem o ordenado quando a situação estiver resolvida..Então, o que acontece em França? O presidente francês, Emmanuel Macron, disse ontem que vai nomear um primeiro-ministro “nos próximos dias” e que a sua prioridade será um orçamento. “Uma lei especial será apresentada antes de meados de dezembro no parlamento e esta lei temporária permitirá, tal como previsto na nossa Constituição, a continuidade dos serviços públicos e da vida do país.” A legislação de emergência de que Macron fala prorrogará os limites de despesa e as disposições fiscais de 2024, enquanto se aguarda um novo projeto de lei orçamental para 2025. A líder parlamentar do Reunião Nacional (extrema-direita), Marine Le Pen, já disse que votaria a favor desta opção. O presidente disse que depois, no início do ano, o novo Governo preparará um novo orçamento. “É necessário para proteger os franceses das subidas dos impostos automáticas ligadas à inflação porque recuso que os franceses paguem a fatura desta dívida”, indicou Macron. .Mas com uma Assembleia Nacional tão dividida, será que haverá acordo para um novo orçamento? Um novo Governo pode sempre recorrer, como Barnier fez, ao artigo 49.3 da Constituição, mas arrisca ter o mesmo destino que o primeiro-ministro se não fizer concessões à esquerda ou à direita. Macron, dissolveu a Assembleia Nacional em junho deste ano e agora só o poderá voltar a fazer em junho do próximo - com a possibilidade de a fragmentação parlamentar se manter. Mas Macron tem ainda uma última carta na manga que pode usar: recorrer ao artigo 16 da Constituição. Pensado para tempo de guerra ou de crise profunda, ativa poderes especiais para o presidente, que poderá intervir em áreas reservadas à Assembleia Nacional através de decretos. .susana.f.salvador@dn.pt