Macron firme no Eliseu, enquanto direita entra em crise devido a aliança com Le Pen
Emmanuel Macron garantiu esta terça-feira que continuará a ser presidente de França independentemente do resultado das eleições antecipadas que convocou para combater a ascensão da Reunião Nacional, o partido de extrema-direita de Marine Le Pen que venceu as europeias francesas deste domingo. Mas deixou claro qual é o seu espírito: “Vou para ganhar!”
“Não é a RN que escreve a Constituição, nem o seu espírito”, afirmou o chefe de Estado francês à Le Figaro Magazine quando questionado sobre o que faria se a Reunião Nacional ganhasse as legislativas de 30 de junho e 7 de julho e pedisse a sua demissão. “As instituições são claras, o lugar do presidente é claro e continua a ser claro seja qual for o resultado”, acrescentou.
Macron disse estar preparado para debater novamente com Marine Le Pen, contra quem concorreu nas duas últimas eleições presidenciais. “Claro! Estou pronto para usar as nossas cores e defender o nosso projeto.” E encarou de forma bem-disposta a questão sobre se era “louco” por dissolver o Parlamento e convocar eleições em tão pouco tempo. “Estou a pensar apenas na França. Foi a decisão certa, no interesse do país”, respondeu. “E digo aos franceses: ‘Não tenham medo, vão votar’.”
Esta vai ser a mais curta campanha eleitoral da Quinta República francesa - ou seja, desde 1958 -, e uma sondagem Harris Interactive-Toluna publicada na segunda-feira sugere que apenas 19% dos eleitores mostra intenções de votar no partido de Macron, em comparação com 34% na RN de Marine Le Pen e Jordan Bardella, o presidente do partido e candidato a primeiro-ministro nestas legislativas.
A esquerda francesa decidiu pôr de lado as diferenças que destruíram a sua aliança parlamentar, com socialistas, Verdes, comunistas e a França Insubmissa, de extrema-esquerda, a tornarem público que iriam “apoiar candidaturas conjuntas desde a primeira volta” das eleições - a estratégia que lhes rendeu 151 lugares entre os 577 do Parlamento em junho de 2022.
À direita, líder republicano alia-se a Le Pen e abre divisões internas
No campo da direita, união parece longe de ser a palavra de ordem. O líder d’Os Republicanos (LR), a principal força de direita em França, disse apoiar uma aliança com a extrema-direita de Le Pen nestas legislativas antecipadas, desencadeando uma crise dentro do seu partido. Com este anúncio, Ciotti é o primeiro líder de um partido tradicional que apoia uma aliança com a RN.
“Precisamos de uma aliança com a RN, com os seus candidatos, com todos aqueles que se encontram nas ideias de direita, nos valores de direita. [...] Espero que a minha família política avance nesta direção”, defendeu, acrescentando que já manteve discussões com Marine Le Pen e Jordan Bardella. Le Pen elogiou “a escolha corajosa” e o “sentido de responsabilidade” de Ciotti, dizendo esperar que um número significativo de figuras do LR o sigam.
No entanto, a decisão de Ciotti, que, segundo ele, visava criar um grupo “significativo” na nova Assembleia Nacional após as eleições, corre o risco de dividir o seu próprio partido. “Vejo todos atualmente a pedir coligações, alianças, pequenas combinações. Digo já: não acredito nisso”, afirmou Laurent Wauquiez, líder da região central de Auvergne-Rhône-Alpes e visto como um potencial candidato presidencial do LR para 2027.
Ciotti “mentiu-nos”, declarou, por seu turno, Bruno Retailleau, líder dos republicanos no Senado, acrescentando que “isto é deslealdade”. Também o presidente do Senado, Gérard Larcher, uma figura de peso do LR, disse que “nunca engoliria” um acordo com a RN e foi um entre muitos a pedir a demissão de Ciotti. O cabeça de lista do LR às europeias, François-Xavier Bellamy, também rejeitou qualquer aliança com o Reunião Nacional, alegando que “seria uma escolha inútil para o país”.
Várias figuras de topo d’Os Republicanos - entre os quais Larcher, Wauquiez, o líder do grupo parlamentar do LR na Assembleia Nacional, Olivier Marleix ou a presidente do Conselho Regional da Île-de-France, Valérie Pécresse - assinaram um artigo ontem à tarde no Le Figaro no qual sublinham que “a posição expressa por Éric Ciotti é um beco sem saída” para a direita. Dois senadores do LR, Sophie Primas e Jean-François Husson, anunciaram a saída do partido.
Apesar dos pedidos de demissão, Ciotti recusou-se a fazê-lo para já, garantindo que “não cederá” às pressões e que “só os militantes poderão tirar-lhe o mandato”. Do seu lado estão o presidente da juventude do LR, Guilhem Carayon, a eurodeputada Céline Imart e a deputada Christelle d’Intorni.
Uma aliança entre forças de extrema-direita parece para já afastada. Depois de se reunir com Bardella e Le Pen na segunda-feira, Marion Maréchal, sobrinha de Marine Le Pen e uma das vice-presidentes do Reconquista!, lamentou “uma mudança de posição” da RN, que “recusa o princípio de um acordo” com o seu partido. “O argumento lamentável que me foi apresentado é que não queriam qualquer associação direta ou indireta com Éric Zemmour”, escreveu num comunicado, referindo-se ao presidente do partido.
ana.meireles@dn.pt