Estive com um pequeno grupo de jornalistas portugueses no início do ano em Israel. E num dos dias, depois de irmos em reportagem aos Montes Golã, à aldeia drusa onde várias crianças morreram meses antes num dos ataques do Hezbollah em solidariedade com o Hamas em Gaza, seguimos até Metula. É uma cidade israelita no extremo norte do país, de onde se vê o Líbano a poucos metros. No grupo de jornalistas, estava Catarina Maldonado Vasconcelos, do Expresso. Lembro-me de a ver a olhar para o Líbano, país que sei agora que tinha estudado nos últimos tempos de forma especialmente intensa. Li, entretanto, a sua visão desse país árabe no livro que publicou já depois da viagem e que tem como título A mais breve história do Líbano. Breve só até certo ponto, afinal são quase 250 páginas, mas não esquecer a antiguidade do Líbano, e a extrema complexidade da sua História..As atenções estiveram agora muito centradas na guerra entre Israel e o Irão, o país patrono do Hezbollah, mas ainda há poucos meses era o Líbano que estava nas notícias, por ser bombardeado. E o norte de Israel por sofrer a retaliação, por vezes de forma improvisada, mas também letal, como o pequeno drone com um explosivo colado que nos mostraram em Metula, e o qual os israelitas batizaram de “F-35 do Hezbollah”.Para a maioria dos portugueses, o Líbano, do ponto de vista da História, é o país dos fenícios. Um povo de marinheiros que andou pela Península Ibérica, o que mostra que o tal Médio Oriente que tanto surge nos telejornais, em regra por más razões, é mais próximo do que parece. Sim, próximo, sobretudo o Líbano, já que o continente onde vivemos foi buscar o nome a uma princesa fenícia. Conta o mito que Europa foi sequestrada por Zeus, loucamente apaixonado, que se apresentou nas águas do Mediterrâneo Oriental disfarçado de touro. De Ticiano a Nadir Afonso, inúmeros foram os artistas que imaginaram a cena.Catarina Maldonado Vasconcelos oferece-nos, de entrada, uma cronologia do Líbano, com as datas mais antigas a serem 4000-2750 a.C., assinalando a fundação das cidades de Sídon e de Tiro. Beirute é fundada em 3000-2000 a.C., e em 1100 a.C., os grandes navegadores e comerciantes que eram os fenícios fundam Cádis, cidade hoje no sul de Espanha, não muito longe desse nosso Algarve onde se pensa que as vinhas e a produção de vinho terão sido trazidas por esse povo do Médio Oriente. Como destaca a autora, entre as muitas colónias fenícias está Cartago, na atual Tunísia, que no tempo de Aníbal e dos seus elefantes foi grande rival de Roma..Persas, gregos, romanos, bizantinos, muitos foram os povos e os impérios que dominaram o Líbano, hoje uma estreita faixa costeira, com um interior montanhoso, ao todo pouco mais de dez mil km², mas com uma posição geográfica que explica a cobiça permanente ao longo dos séculos. A partir do século VII, dá-se a conquista árabe e uma islamização que nunca conseguiu ser total, pois os cristãos sempre resistiram. O cristianismo, explica a jornalista, “foi introduzido no Líbano, a partir da Galileia, no século I, mas as suas raízes têm origem logo durante o período de vida de Jesus”. Cristo, segundo a tradição, acrescenta, “visitou as cidades fenícias ao longo da costa do Líbano, pregando às pessoas e curando-as”.A resiliência do cristianismo é um dos fatores identitários do Líbano. Sobretudo, a influência, até hoje, da Igreja Maronita, a mais importante das várias confissões cristãs no país, que se inspira nos ensinamentos de São Marón, que viveu no século IV no Sul da Turquia e cujos discípulos se dedicaram “a converter os muitos pagãos existentes na terra dos cedros”. O Islão chegou, pois, logo no século VII. E o Líbano, durante séculos, foi parte dos impérios Omíada e Abássida. Também por lá passaram, há cerca de mil anos, os Cruzados, e o Reino de Jerusalém chegou a ter Tiro como capital. Também crucial para se perceber o que é o Líbano hoje foi o período otomano - iniciado em 1516-1517, quando os turcos conquistaram os territórios que eram dos mamelucos do Egito - e que durou quatro séculos quase exatos.Um dos grandes méritos deste livro é enquadrar sempre os acontecimentos no Líbano no quadro mais geral das relações de poder no Médio Oriente. Nomeadamente a interferência das potências. Isso é bem evidente quando aborda o período de domínio francês a seguir à Primeira Guerra Mundial, em que vastos territórios antes otomanos são divididos entre a França e a Grã-Bretanha. Destacar o Líbano da Síria, protetorado francês, foi uma decisão para favorecer a criação de um país de maioria cristã, controlado pelos maronitas, que reconheciam o papa. Durante séculos, a França alimentou uma relação com os cristãos do Levante, parceiros para o comércio e não só. E, a certa altura, ainda sob o jugo otomano, destaca a autora, “os maronitas do Líbano enviavam os seus filhos para estudar engenharia, medicina e direito em universidades europeias”. Claro que esta ocidentalização criou suspeitas entre os governantes turcos e também entre os muçulmanos sunitas e houve repressão dos cristãos. Drusos e maronitas enfrentaram-se no Monte Líbano em meados do século XIX. Não seria a última vez, como se pode ver à medida que o livro entra no século XX, com a independência em 1943 a vir acompanhada de um complexo sistema político que, sintetizando, dá a Presidência da República a um maronita, a chefia do governo a um sunita e a Presidência do Parlamento a um xiita, tudo baseado na demografia da época.O pequeno Líbano (é do tamanho do distrito de Beja), foi afetado pela criação do moderno Israel, em 1948, na medida em que recebeu grande número de refugiados palestinianos e, a dada altura, a direção da OLP. A seguir foi afetado pela rivalidade entre sírios e israelitas, pela Revolução Islâmica no Irão, pela crescente influência dos sauditas. Beirute, que já foi “a Paris do Médio Oriente”, é uma cidade que procura sempre reerguer-se, mesmo depois da destruição durante a guerra civil de 1975-1990; e mesmo agora, depois da guerra lançada por Israel contra o Hezbollah, uma milícia xiita que também é um partido político, e que faz parte da rede de aliados regionais do Irão.Na bibliografia deste A mais breve História do Líbano, sobressaem Albert Hourani, historiador britânico de ascendência libanesa, e Robert Fisk, jornalista britânico que fez reportagens sobre todo o Médio Oriente, mas que nunca deixou de dar uma atenção especial ao Líbano e deixou-nos, Pity the Nation - Lebanon at War. Vale a pena procurar saber mais sobre este país, com uma História muito maior do que o território. Amin Maalouf, escritor franco-libanês é uma sugestão minha, e as suas memórias familiares contadas em Origens ajudam a entender os libaneses. Catarina Maldonado Vasconcelos dá aqui um importante contributo em português. E agora também temos o livro de Safaa Dib, que acaba de publicar Líbano: uma biografia. Sempre atenta, a jornalista do Expresso já a entrevistou a luso-libanesa. Na conversa sobressaiu a complexidade do país. E a vontade de ter, um dia, finalmente paz.