Lula pega na Bíblia para atrair o voto evangélico
"Quando nas últimas eleições presidenciais apoiei o Lula e o Haddad contra o Bolsonaro perdi mais de mil amigos nas redes sociais, depois, quando me filiei ao PT, os companheiros de partido perguntavam ‘um evangélico aqui?’, com medo de que eu fosse algum espião’”, conta ao DN, entre risos, o pastor Júlio Carneiro, simultaneamente líder da igreja evangélica Vida em Jesus e candidato nas municipais de 6 de outubro a vereador de Piracicaba, cidade de 425 mil habitantes no interior de São Paulo, pelo Partido dos Trabalhadores (PT).
Evangélico e de esquerda, Júlio Carneiro é uma raridade no Brasil, para desespero do presidente Lula da Silva e do PT, partido que cresceu nos anos 80 aliado à ala mais progressista da igreja católica, paróquia a paróquia, Brasil afora. Nas últimas décadas, porém, o segmento cristão, sobretudo o evangélico, fez da esquerda um inimigo e do ex-presidente Jair Bolsonaro o seu representante político.
Segundo sondagem do instituto AtlasIntel de junho, Lula é reprovado por 69,3% e aprovado por 29,5% dos evangélicos. Agnósticos, ateus, católicos e fiéis de outras religiões, pelo contrário, consideram maioritariamente a atuação do executivo “ótima” ou “boa”.
Como, segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, os evangélicos representam 22% da população e são o segmento religioso que mais cresce, o governo e o PT lançaram uma ofensiva para cativar o eleitor protestante tendo em conta as municipais da próxima semana mas também as presidenciais de 2026.
O partido preparou vídeos em que integrantes da comunidade evangélica relatam como o exercício da sua fé se relaciona com as suas bandeiras. Nos vídeos, fala Jorge Messias, advogado-geral da União, cargo com estatuto de ministro, que frequenta a Igreja Batista Cristã há décadas. “Disseram isso [que Lula fecharia igrejas] na campanha de 1989, tentaram usar isso na campanha de 2002, 2006 e por aí vai, fizeram isso também contra a presidente Dilma e a verdade é que desde que o presidente Lula foi eleito, no primeiro mandato em 2002, nunca houve na história deste país um aumento tão significativo de igrejas”.
“O PT cuida das pessoas, e elas podem estar em qualquer condição (...) nós [evangélicos] temos muito mais em comum com o PT do que possamos imaginar”, diz, por sua vez, a deputada federal Benedita da Silva.
“Se Jesus descesse hoje à terra, ele seria de esquerda”, sublinha o pastor Júlio Carneiro ao DN, “o evangelho fala em amar a Deus sobre todas as coisas e amar ao próximo como a si mesmo, ora, defender casa, hospital e escola de graça para o povo é de esquerda e é cristão, Jesus curava e alimentava de graça, já a direita privatiza tudo, com ela por tudo se paga”.
Paralelamente, Lula aprovou, dia 16, leis para criar o “Dia Nacional da Pastora Evangélica e do Pastor Evangélico”, a ser comemorado no segundo domingo de junho, e reconhecer expressões artísticas cristãs como parte da cultura brasileira.
E, no primeiro semestre deste ano, investiu numa campanha publicitária, batizada “Fé no Brasil”, para tentar suavizar a imagem do governo junto aos evangélicos.
Paralelamente, o PT divulgou uma cartilha, em agosto, onde orientava candidatos e aliados do partido nas municipais a driblar estigmas e preconceitos que poderiam afastar os evangélicos.
Marco Feliciano, presidente da Assembleia de Deus Catedral do Avivamento e deputado pelo PL, partido de Bolsonaro, acha que “as estratégias de Lula e do PT são em vão”. “Nada do que Lula faça no tocante à comunidade evangélica nos aproximará dele. Para a grande e esmagadora maioria de nós, as ideologias dele e do seu partido são nefastas”, disse ao jornal Gazeta do Povo.
Christina Vital, pesquisadora da Universidade Federal Fluminense e autora de Religião e Política: Medos Sociais, Extremismo Religioso e as Eleições de 2014, afirmou ao DN que seduzir evangélicos “não depende somente do voluntarismo do governo”. “No governo anterior, Bolsonaro foi além do voluntarismo em direção aos evangélicos, esses evangélicos percebiam nele uma liderança que falava a mesma língua, no caso de Lula, há uma distância evidente”.
“E nas redes sociais de vários políticos influentes de direita, além dos robôs que mandam mensagens Ininterruptas em grupos de WhatsApp ou Telegram, os políticos das esquerdas são atrelados ao comunismo e as agendas das esquerdas descritas como ameaças à família e ao desenvolvimento moral e espiritual das pessoas, ora isso vai construindo uma barreira que, não sendo intransponível, é muito significativa”, afirma.
Juliano Spyer, criador do Observatório Evangélico, sugeriu, em artigo no jornal Folha de S. Paulo em abril, que Lula opte por um vice evangélico em 2026. “Interlocutores evangélicos com quem conversei - conservadores nos costumes- concordaram que um candidato a vice evangélico pode funcionar como uma bala de prata para o governo”, defendeu. O atual, Geraldo Alckmin, é católico fervoroso.
Entretanto, em Piracicaba, o pastor Júlio Carneiro diz ao DN que o trabalho de base de evangélicos do PT vem gerando frutos - “mais de 30% dos evangélicos já votaram Lula em 2022 e a tendência é crescer nestas municipais”.