A equipa médica que operou Lula da Silva de urgência, após hemorragia intercraniana, na madrugada de ontem, no Hospital Sírio-Libanês, em São Paulo, disse que o presidente do Brasil “está bem, conversa, alimenta-se normalmente e não ficará com nenhuma sequela”. Em conferência de imprensa, os clínicos afirmaram ainda que o chefe de estado, de 79 anos, “não sofreu qualquer lesão cerebral” e já deve voltar à atividade normal no início da próxima semana. Mas a idade e o histórico clínico de Lula acendem um alarme entre aliados, opositores e imprensa.“O hematoma foi entre osso e cérebro, ele não tem lesão no cérebro, e esse hematoma foi drenado totalmente”, disse o cirurgião Rogério Tuma, que realizou uma operação, chamada tecnicamente de trepanação, que perfurou o crânio do presidente do Brasil, durou duas horas e drenou três centímetros de hematoma.“O presidente encontra-se estável, conversando, alimentando-se e ficará em observação nos próximos dias", acrescentou Roberto Kalil, o médico pessoal de Lula, que prevê o regresso do político a Brasília para trabalhar no início da próxima semana. “Nestes dias não poderá viajar, depois volta à vida normal”, acrescentou. E, para Kalil, “novas complicações são muito improváveis nestes casos”.Lula, que esteve acompanhado da primeira-dama, Janja da Silva, sentiu dores de cabeça no início da noite de segunda-feira, 9, e interrompeu uma reunião com Arthur Lira, presidente da Câmara dos Deputados, e Rodrigo Pacheco, presidente do Senado, curiosamente, o terceiro e o quarto na linha sucessória segundo a Constituição do Brasil, sobre a votação de um plano governamental de corte de gastos em 2025.“A angústia deu espaço para a tranquilidade”, desabafou Janja via redes sociais, depois de viajar na madrugada de Brasília para São Paulo com o marido.As dores estão relacionadas com um “acidente doméstico” sofrido a 19 de outubro, quando Lula caiu e bateu com a cabeça numa casa de banho do Palácio do Alvorada, a sua residência oficial. O acidente levou, na altura, ao cancelamento de algumas viagens, incluindo a cimeira dos BRICS na Rússia, assim como esta cirurgia obrigou agora o vice-presidente Geraldo Alckmin, o segundo naquela linha sucessória, a representar o presidente em reunião com o primeiro-ministro eslovaco.Prótese, pneumonia, covid...Apesar de os médicos terem relativizado a gravidade deste caso, é a acumulação de problemas de saúde que vai preocupando o governo e os aliados de Lula. Além desta hemorragia e da queda de há dois meses, Lula colocou em setembro de 2023 uma prótese na junção do osso do fémur com a anca para curar uma artrose, ocasião em que aproveitou para realizar uma blefaropastia, a retirada do excesso de pele em torno das pálpebras. No mesmo ano, adiou viagem à China em duas semanas por culpa de uma pneumonia.Lula, que foi infectado com covid-19 duas vezes, em dezembro de 2020 e em junho de 2022, foi internado em 2010 com uma crise de hipertensão que o levou a parar de fumar depois de 50 anos. Os efeitos do tabaco, entretanto, fizeram-se sentir em 2011 quando foi diagnosticado com cancro na laringe, do qual se curaria em 2012, após tratamentos de rádio e quimioterapia. “Se reeleito, Lula terá condição de ser presidente até 2030?”, questionou Mário Sabino, colunista do jornal Metrópoles. “Em geral, ocorrências como estas, em homens e mulheres de certa idade, marcam o início de uma decadência inevitável”, continuou o jornalista, conotado com a direita.Em análise no jornal Folha de S. Paulo, o jornalista Igor Gielow escreve que a “cirurgia de Lula antecipa 2026”, apesar “dos relatórios médicos favoráveis”. E, como não há sucessores claros do atual presidente à esquerda, uma vez que Fernando Haddad, o atual ministro da Fazenda, ganhou uma eleição municipal em 2012 mas depois perdeu três seguidas para prefeito, presidente e governador, e Guilherme Boulos, do PSOL, espécie de Bloco de Esquerda brasileiro, é tido como demasiado radical, é o próprio Lula o plano A, B e C, segundo analistas.Biden da Silva?“Ele pode ser ‘bidenizado’ pela oposição”, afirma, a propósito, o politólogo Vinícius Vieira, da Fundação Armando Álvares Penteado. Meses antes, em julho, o senador Ciro Nogueira, um dos braços direitos da área política de Jair Bolsonaro, chamou Lula de “Biden da Silva”, na altura em que Joe Biden começou a ser visto como demasiado velho para concorrer contra Donald Trump nas eleições de novembro passado. Lula fará 81 por volta das eleições de 2026, Biden completou 82 na altura em que a sucessora Kamala Harris era batida por Trump.Na ocasião, Lula reagiu ao ataque de Nogueira. “Se for para impedir que os trogloditas voltem ao poder deste país, os meus 80 transformam-se logo em 40”, afirmou. .Alckmin já participou em reunião com primeiro-ministro eslovaco.No Palácio Itamaraty, sede do ministério das Relações Exteriores, Geraldo Alckmin reuniu-se ontem à tarde com Robert Fico, primeiro-ministro da Eslováquia. Exceto para as imprensas brasileira e eslovaca, o evento passaria despercebido do mundo não fosse ter sido o primeiro em que o vice-presidente substituiu o convalescente Lula da Silva..Originalmente, Fico seria recebido por Lula no Palácio do Planalto, sede do governo, e só depois ambos almoçariam no Itamaraty. Assim, o protocolo pulou a primeira etapa e foi diretamente para a sede da diplomacia brasileira..O próprio Alckmin alterou a sua agenda, em São Carlos, cidade no interior de São Paulo, para representar o governo brasileiro no lugar de Lula..O vice disse que Lula pediu “para enviar um afetuoso abraço” a Fico e para sublinhar que o Brasil “repudia com veemência todo o tipo de violência política independentemente da sua cor ideológica”. Alckmin referia-se ao atentado de que Fico foi alvo, com cinco tiros no abdómen e no braço, em maio passado..A declaração, entretanto, foi vista também como recado interno, depois de em novembro um homem ter morrido ao tentar explodir a sede do Supremo Tribunal Federal (STF) e de a polícia federal ter descoberto um plano de generais bolsonaristas para envenenar Lula e o próprio Alckmin..Entretanto, de acordo com a Constituição brasileira, caso Alckmin, por algum motivo, fique impedido, é Arthur Lira, presidente da Câmara dos Deputados, a autoridade seguinte na linha sucessória. Depois, Rodrigo Pacheco, líder do Senado, e, finalmente, Luís Roberto Barroso, presidente do STF.