Dos quase 156 milhões de eleitores brasileiros aptos a votar nas municipais de 6 e 27 de outubro, cujos registos de candidatura fecharam por estes dias, só 9,3 milhões, os de São Paulo, terão pela frente um sufrágio que espelha com rigor aproximado a correlação de forças da política nacional. Na maior cidade do Brasil, ao contrário de outras, onde coligações locais enchem o país de pequenas e grandes geringonças, o candidato do presidente de centro-esquerda Lula da Silva está bem definido: Guilherme Boulos. E o do ex-presidente Jair Bolsonaro, de extrema-direita, idem: Ricardo Nunes. Mas há outras vias. Para entender a eleição municipal de São Paulo de 2024, entretanto, é preciso começar pela de 2020. Na altura, Bruno Covas, do PSDB, a força política de centro-direita fundada por Fernando Henrique Cardoso, bateu, com quase 60% dos votos, Guilherme Boulos, do PSOL, partido comparável ao Bloco de Esquerda português, na segunda volta. Jilmar Tatto, o candidato do PT, de Lula, somou, por sua vez, humilhantes 8,6% e caiu, com estrondo, na primeira. Como a meio do mandato, Covas faleceu vítima de cancro no aparelho digestivo, aos 41 anos, foi o vice-prefeito Ricardo Nunes, do MDB, de Michel Temer, quem concluiu a gestão da megalópole..Ricardo Nunes conta com o apoio da maioria dos partidos da direita brasileira, incluindo do PL, de Jair Bolsonaro..Em 2024, Nunes candidata-se, agora a prefeito, contra Boulos que conta, desta vez, com o apoio explícito do PT e de Lula. “O Boulos é o meu candidato, aliás, eu sinto-me tão candidato quanto ele”, disse o presidente da República em convenção de formalização da candidatura na semana passada. Ao PT, que pela primeira vez em 40 anos não concorre com nenhum nome próprio a prefeito, coube a consolação de escolher o nome da candidata a vice, a ex-prefeita da cidade Marta Suplicy, uma sexóloga de formação, que se refiliou este ano depois de sair em 2015 por defender o impeachment de Dilma Rousseff, e que não escapou, por isso, de ser chamada de “traidora” por uma ala do partido. .Boulos, 42 anos, antes de concorrer à prefeitura paulistana em 2020, foi candidato à presidência da República em 2018 (10.º mais votado) e, antes ainda, tornou-se conhecido como líder do Movimento dos Trabalhadores Sem Teto, um grupo que advoga o direito à moradia nos centros urbanos, ocupando, se necessário, imóveis considerados devolutos..Já Nunes, 56 anos, empresário de profissão, vereador desde 2012 e político marcadamente conservador, conta com o apoio da maioria dos partidos da direita brasileira, incluindo do PL, de Jair Bolsonaro, e do Republicanos, do governador paulista Tarcísio de Freitas, provável candidato presidencial em 2026 no lugar do inelegível ex-presidente brasileiro. “Façam as comparações e verão que o Ricardo Nunes é o nome adequado e justo para São Paulo”, afirmou Bolsonaro, na convenção, no passado dia 3, que confirmou o atual prefeito na corrida. A opção por Nunes, entretanto, causou atrito no PL: Ricardo Salles, ex-ministro do Ambiente de Bolsonaro, cujo nome tinha o aval do ex-presidente mas não de Valdemar Costa Neto, líder do partido, desistiu a contragosto. Ao PL coube então, como ao PT na candidatura de Boulos, a incumbência de nomear o vice, no caso, o Coronel Mello Araújo, membro da polícia militar. E como o União Brasil, formação de direita, também optou por apoiar Nunes, o candidato inicial do partido, o deputado federal Kim Kataguiri, foi outro que desistiu. “Na verdade, fui ‘desistido’ e sabotado”, reagiu Kataguiri..Com tantas movimentações e antagonismos, o debate de arranque, quinta-feira, dia 8, na rede Bandeirantes, teve pesados ataques entre os candidatos. No mesmo dia, nas sondagens, o instituto Datafolha deu 23% a Nunes e 22% a Boulos. No terceiro lugar, ex-aequo, com 14%, José Luiz Datena e Pablo Marçal. Já na Paraná Pesquisas, Nunes soma 25%, Boulos, 23% e Datena, 16%. .Corrida pelo bronze?.Datena, 67 anos, é o candidato do PSDB, o partido pelo qual Covas se elegeu nas eleições anteriores e ainda com forte implantação em São Paulo. Apresentador do popularíssimo Brasil Urgente, noticiário de fim de tarde da Rede Bandeirantes dedicado sobretudo aos crimes na cidade e não só, Datena chegou a ser especulado, primeiro como eventual candidato a vice de Boulos, depois como aliado de Tábata Amaral, do PDT, para, finalmente, decidir concorrer por conta própria. Por enquanto. “Porque se me encherem muito o saco, eu vou embora”, afirmou. No décimo partido da sua vida política, Datena já se apresentou a eleições, municipais ou nacionais, em quatro ocasiões, abandonando sempre à última hora. Na atual, o seu nome causou dissidências no PSDB, com uma ala, que governou com Nunes, a manifestar apoio ao atual prefeito..A citada Tábata Amaral, deputada federal, nasceu pobre, filha de um cobrador de autocarro e de uma mulher a dias, mas conseguiu formar-se em Ciência Política em Harvard. Ela concorre pelo PSB, o partido do vice-presidente Geraldo Alckmin, que está, por isso, num barco diferente do de Lula na eleição paulistana, apoiando a, até agora, quinta classificada nas sondagens, com 5% numa e 7%, noutra..O quarto classificado, o já citado Pablo Marçal, é chamado pelos detratores nas redes sociais de “coach picareta [aldrabão]”. Marçal, 37 anos, foi notícia em 2022 por levar um grupo de coachees a escalar uma montanha “para vencer o medo” que só não acabou em tragédia graças ao resgate dos bombeiros. O candidato do PRTB substituiu, à última hora, o Padre Kelmon, vinculado à Igreja Ortodoxa Grega da América e Exterior, que ganhou preponderância entre conservadores graças ao discurso beligerante contra a esquerda política e concorreu à presidência em 2022 pelo PTB, obtendo 0,07% dos votos. .Nas sondagens, a economista de 42 anos Marina Helena, do Novo, partido equivalente ao português Iniciativa Liberal, começou por ter resultados surpreendentemente positivos para espanto de Luciana Chong, diretora do instituto Datafolha. Segundo Chong, a explicação pode ter sido uma confusão do eleitorado com Marina Silva, a ministra do Meio Ambiente quatro vezes candidata presidencial. “Justamente para evitar isso decidimos manter o ‘Helena’”, afirmou a candidata, agora abaixo dos 4%. ao jornal Folha de S. Paulo. .Vídeo íntimo no Rio.No Rio de Janeiro, o atual prefeito Eduardo Paes tem, segundo as sondagens, a reeleição praticamente garantida, ultrapassando, na maioria delas, os 50% na primeira volta. Do PSD, partido que se declara de esquerda, de direita e de centro, Paes, que já foi prefeito de 2009 a 2016 e voltou ao cargo em 2020, tem o apoio de dez partidos de centro e esquerda, entre os quais o PT, de Lula..O principal opositor, mas só com 11 a 14 pontos nas últimas sondagens, é o deputado federal Alexandre Ramagem, do PL, de Bolsonaro, controverso diretor da Agência Brasileira de Inteligência (o equivalente ao SIS) na presidência anterior..Com a eleição praticamente decidida, foi a escolha do vice de Paes que ocupou as manchetes: Eduardo Cavaliere, também do PSD, acabou escolhido em detrimento de Pedro Paulo, seu amigo e aliado de 30 anos. Em causa, a ameaça de divulgação de um vídeo íntimo, de 2020, em que o político se masturba durante uma conversa com uma mulher. “É algo que não tem nada a ver com o debate da cidade mas ele, meu amigo de 30 anos, preferiu preservar a família da possível exploração de episódios pessoais”..Além de São Paulo e Rio de Janeiro, mais 5567 municípios vão a votos preencher as quase 60 mil vagas de prefeito, vice e vereador disponíveis. Só nas cidades com mais de 200 mil habitantes - são 99 - há necessidade de segunda volta, segundo a lei eleitoral brasileira.