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Louis Har, ex-refém israelita em Gaza, entrevistado em Telavive

Louis Har: o testemunho de um ex-refém israelita em Gaza

Louis Har foi um dos raros sequestrados pelo Hamas resgatado pelo exército israelita. Esteve quatro meses cativo. Foi levado do Kibbutz Nir Yitzhak para túneis e depois um apartamento em Rafah.
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"No dia 7 de outubro [de 2023], fui sequestrado com mais quatro membros da minha família e um cão. Tiraram-nos do quarto seguro do kibutz Nir Yitzhak de uma forma muito brutal. Dispararam contra nós, mas não acertaram. Foram muito agressivos”, conta Louis Har, ex-refém do Hamas, libertado pelos militares israelitas numa operação a 12 de fevereiro [de 2024] em Rafah, no sul da Faixa de Gaza.

E prossegue, sobre o dia do sequestro, em que além de fazer 230 reféns, o Hamas  massacrou 1200 israelitas: “levaram-nos para Gaza, para a área dos túneis. Caminhámos durante várias horas dentro do túnel. Levaram-nos para cima e puseram-nos num apartamento no segundo andar de um prédio. Fomos depois transferidos para outro apartamento, onde ficámos até o fim. No início havia comida suficiente, parecia não faltar oferta, mas com o tempo foi diminuindo, cada vez as porções eram menores. Após 53 dias, as três mulheres foram levadas e libertadas no acordo de novembro. Fernando, o meu amigo, e eu ficámos lá 129 dias. O exército libertou-nos numa das raras operações bem-sucedidas de resgate dos reféns”.

Har, nascido na Argentina e a viver em Israel desde 1971, relata a sua história em hebraico e é traduzido por Daniel Shek, antigo embaixador israelita em França, já reformado, um dos voluntários do Fórum das Famílias dos Reféns. Estamos num sexto andar de um edifício do centro de Telavive que serve de quartel-general para aqueles que tentam tudo para que os reféns em Gaza não sejam esquecidos. Inicialmente eram mais de 230. [Há ainda 48 sequestrados, dos quais apenas 20 estarão vivos, e com fortes hipóteses de serem agora libertados por causa da nova negociação entre Israel e o Hamas]. Perto fica a chamada Praça dos Reféns, junto ao Museu de Arte de Telavive, onde são muitas as evocações artísticas, incluindo a réplica de um troço de túnel do Hamas, destinado a transmitir a sensação de sufoco de quem está preso no subsolo.

Centro de Telavive, onde fica a chamada Praça dos Reféns, frente ao Museu de Arte. Uma réplica de um túnel pretende dar uma ideia do que existe no subsolo de Gaza, uma rede de quilómetros feita pelo Hamas
Centro de Telavive, onde fica a chamada Praça dos Reféns, frente ao Museu de Arte. Uma réplica de um túnel pretende dar uma ideia do que existe no subsolo de Gaza, uma rede de quilómetros feita pelo HamasDR

“Os nossos guardas tinham funções diferentes cada um deles. O homem que estava connosco no lugar onde ficámos mais tempo, já o chamávamos de senhorio, El propietario, por que entre nós conversávamos em espanhol. El propietario contou-nos que tínhamos sido sequestrados para nos trocarem por presos palestinianos em Israel. E garantiu-nos que seríamos bem tratados. E a verdade é que ele nos manteve protegidos até dos seus colegas. Os outros eram mais duros, sempre a gritar connosco. Não queriam que nos chegássemos perto da janela. El propietario  certificou-se de que os gritos nunca se transformassem em violência real. Com ele tive conversas, mas não com os outros. Ele falava árabe, eu falava hebraico e com umas palavras em inglês pelo meio íamos percebendo  o outro”, diz Har, de 71 anos, que já perdeu a conta às vezes que contou a sua história, mas sabe que ao falar com jornalistas contribui para manter na atualidade a questão da libertação dos reféns. 

Har foi levado do kibutz com a sua companheira, Clara Marman, de 62 anos, o irmão de Clara, Fernando Marman, de 60, a irmã, Gabriela Leimberg, de 59, e a filha desta, Mia, de 17 anos, que levou com ela o cão. A libertação das três  aconteceu a 28 de novembro [de 2023] no âmbito do acordo entre Israel e o Hamas patrocinado pelos Estados Unidos e o Qatar para troca de reféns por presos palestinianos. Har diz que chegou a acreditar que também ia ser libertado naquela ocasião e que se despediu de Clara com um “até já”. Mas os combates em Gaza reiniciaram-se e depressa percebeu que não seria assim. De volta a Israel, Clara disse aos jornais: “ não os podemos abandonar”. Referia-se ao companheiro e ao irmão, claro, mas aos restantes reféns igualmente. 

Excerto de texto originalmente publicado a 5 de julho de 2024 com o título "O maior inimigo dos reféns é o Hamas, o segundo é o esquecimento”

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