Libertada mulher condenada há 20 anos pela morte dos filhos que.... afinal não matou
Kathleen Folbigg chegou a ser apelidada de "maior serial killer da Austrália", depois de ter sido condenada em 2001 pela morte dos seus quatro filhos. Só que esta segunda-feira, a mulher agora com 55 anos foi libertada pelo procurador-geral de Nova Gales do Sul, Michael Daley, que assinou um perdão total, depois de uma investigação genética ter provado que as crianças morreram de causas naturais.
Há 20 anos, Kathleen Folbigg foi condenada a 30 anos de prisão por alegadamente ter sufocado os filhos filhos Caleb e Patrick e as filhas Sarah e Laura, que morreram entre 1989 e 1999, com idades que variavam entre 19 dias e 19 meses.
A mulher sempre clamou pela sua inocência e em 2019, após vários recursos e uma investigação autónoma sobre as mortes, fizeram com que o caso fosse reaberto, realizando-se um novo julgamento que deu maior relavância às provas médicas que tinham sido desvalorizadas no primeiro julgamento.
Este novo processo, conduzido pelo juiz reformado Tom Bathurst, fez com que o tribunal aceitasse que um estudo sobre mutações genéticas tenha mudado a compreensão sobre a morte das crianças.
De acordo com Michael Daley, o perdão incondicional emitido esta segunda-feira não anula, no entanto, as condenações de Kathleen Folbigg. Para isso, é necessária uma decisão do Tribunal de Recursos Criminais, que poderá demorar um ano se a mulher decidir apresentar recurso.
Só se a sua condenação for anulada por aquele tribunal, Flobigg poderá processar o governo australiano e reivindicar uma indemnização multimilionária por aquele que já é considerado um dos maiores erros da justiça australiana.
Numa mensagem em vídeo, a mulher disse sentir-se "extremamente humilde e extremamente grata por ter sido perdoada e libertada da prisão".
"Hoje é uma vitória da ciência e principalmente da verdade", acrescentou, garantindo que lamentaria a perda dos filhos para sempre e que os amará para sempre.
Casada com Craig Folbigg desde finais da década de 80, aos 21 anos Kathleen teve o primeiro filho, Caleb, que morreu quando tinha 19 dias de vida. A causa da morte foi dada como Síndrome de Morte Súbita Infantil (SMSI).
Engravidou novamente e em 1990 e teve outro filho, Patrick. Os testes mostraram que ele estava normal e saudável. Mas aos quatro meses, sofreu um evento que o deixou com danos cerebrais e convulsões. Quatro meses depois morreu devido às convulsões.
Sarah, a terceira filha, morreu aos 10 meses e a causa da morte foi registada também com SMSI. Mas quando a sua quarta filha, Laura, morreu aos 18 meses, a 1 de março de 1999, a polícia começou a investigar.
O casamento acabou e a 19 de abril de 2001, Folbigg foi presa e acusada de quatro homicídios.
Para a acusação do Ministério Público australiano "uma morte súbita de bebés é uma tragédia", pelo que "duas são suspeitas", mas "três são assassinatos, até prova em contrário." O procurador chegou a comparar a hipótese de as crianças terem morrido de causas naturais com a de porcos a voar.
"Não posso excluir a possibilidade que um dia alguns leitões possam nascer com asas e voar. Isso é alguma dúvida razoável? Não", disse o magistrado ao juiz durante o julgamento de 2003.
A acusação usou os diários de Folbigg, que o marido tinha entregado à polícia, como confissões de culpa. "Sinto-me a pior mãe deste mundo, com medo de que (Laura) me deixe agora, como Sarah fez. Eu sabia que às vezes era mal-humorado e cruel com ela e ela foi embora, com um pouco de ajuda", escreveu Folbigg. "Não pode acontecer de novo. Estou com vergonha de mim mesma. Não posso contar (ao meu marido) porque ele vai preocupar-se em deixá-la comigo."
A mulher não confessou, não havia motivo óbvio e ninguém alegou tê-la visto assassinar seus filhos. Mas o júri considerou-a culpada do assassinato das quatro crianças.
Foi condenada sem recurso a 30 anos de prisão, sem liberdade condicional durante 25 anos - altura em que teria 60 anos.
Em 2015, com os recursos esgotados, os advogados de Folbigg submeteram uma petição ao governador de Nova Gales do Sul, pedindo-lhe que instruísse a realização de um inquérito sobre as condenações.
Os advogados argumentaram que novas provas tinham surgido relacionadas com avanços científicos sobre o SMSI.
A equipa de defesa de Kathleen contactou a professora Carola Vinuesa, codiretora do Centro de Imunologia Personalizada da Universidade Nacional da Austrália, pedindo-lhe que sequenciasse os genomas das crianças para ver se havia uma mutação genética causadora da SMSI .
Durante a investigação, Vinuesa e sua equipa encontraram uma variação não relatada anteriormente no gene CALM2, que controla como o cálcio e é transportado para dentro e para fora das células do coração.
Estudos descobriram que variações nos genes CALM 2 podem causar problemas cardíacos em crianças pequenas e quando sequenciaram os genomas de todas as quatro crianças, descobriram que ambas as filhas carregavam a mesma mutação CALM2 que sua mãe.
Vinuesa e sua equipa escreveram ao juiz relatando que era provável que as filhas morressem como resultado da variante. Apesar da nova constatação, o juiz optou por não reabrir o inquérito.
Em novembro de 2020, os cientistas publicaram provas ainda mais convincentes.
Liderada pelo professor dinamarquês Michael Toft Overgaard, uma equipa de especialistas em seis países descobriu que a variante CALM2 em Folbigg e suas duas filhas podem causar doenças - assim como outras variantes CALM2.
Concluíram que a variante alterou o ritmo cardíaco das meninas, tornando-as suscetíveis a problemas cardíacos - principalmente devido à medicação que receberam. Sarah estava a tomar antibióticos para tosse, enquanto Laura estava a ser tratada com paracetamol e pseudoefedrina para uma infeção respiratória pouco antes de morrer. Laura teve uma inflamação no coração ao morrer, a ponto de três professores afirmarem que a teriam considerado como a causa da morte.
No caso dos meninos, os cientistas encontraram outras variações em seus genes, uma variante tinha sido herdada da sua mãe e a outra provavelmente do seu pai, embora ele se recusasse a fornecer uma amostra aos investigadores.
Apenas 75 pessoas no mundo são conhecidas por serem portadoras de mutações nos seus genes CALM1, CALM2 ou CALM3 que foram comprovadamente letais em crianças.
"No final das contas, não se trata de essas variações serem muito raras no mundo, mas das chances de Kathleen encontrar alguém como Craig e ter essa combinação de mutações entre os dois. Uma vez que a genética entra em jogo, as estatísticas vão pela janela", sublinhou Vinuesa.
"Estão a dizer a uma pessoa que a coisa que ela carregava foi transmitida para as crianças. Isso é emocionalmente de partir o coração", disse Tracy Chapman, a maior amiga de Kathleen que a tem contactado. "A realidade é que Kath perdeu quatro filhos. E ela não teve permissão para sofrer como uma mãe deveria."
Os avanços nos testes genéticos - incluindo as descobertas no caso de Folbigg - também podem ajudar a dar respostas para outras pessoas que lidam com a morte inexplicada dos seus filhos.
Vinuesa diz que é provável que, nos próximos anos, outras famílias que sofreram SMSI descobrirão que a culpa é de uma mutação genética.
"Na maioria das famílias onde houve mortes por SMSI ninguém ainda sequenciou os genomas das crianças", disse ela. Isso pode ajudar as famílias a encontrarem respostas - e também ajudar aqueles que estão preocupados em serem alvos da lei.
"Muitas famílias vivem com medo, porque tiveram dois ou mais filhos morrendo e estão preocupadas que um dia alguém vá bater em sua porta com algum tipo de investigação policial", disse ela. "Nós sabemos agora que quando você tem uma doença genética ... não é raro."