Milhares de libaneses começaram esta quinta-feira bem cedo a regressar ao sul do Líbano, levando Israel a decretar um recolher obrigatório e a restringir os movimentos na região. O acordo de cessar-fogo, que o Hezbollah viu como uma “vitória”, entrou em vigor de madrugada e parece estar a ser respeitado, apesar de alguns incidentes, com os esforços diplomáticos a virarem-se já para a Faixa de Gaza. “O Hamas está pronto para um acordo sério de cessar-fogo e de troca de prisioneiros”, disse um alto-responsável do grupo terrorista palestiniano à AFP, acusando Israel de bloquear esse desenvolvimento..As estradas de saída de Beirute para o sul do Líbano encheram-se esta quarta-feira de carros dos que não quiseram perder tempo a voltar a casa - mesmo para zonas destruídas pelos israelitas. O cessar-fogo foi celebrado pelos apoiantes do Hezbollah, que dispararam tiros para o ar e desfraldaram as icónicas bandeiras amarelas..O regresso em massa não estaria previsto, com os militares israelitas a declarar um recolher obrigatório entre as 17.00 locais e as 07.00 desta quinta-feira. Além disso, quem está acima do rio Litani (que fica cerca de 30 quilómetros a norte da fronteira) não tem autorização para ir para sul. As informações foram avançadas pelo porta-voz das Forças de Defesa de Israel (IDF, na sigla em inglês) em árabe, Avichay Adraee. “Estão proibidos de ir para sul para as aldeias cuja evacuação foi ordenada pelas IDF ou em direção às forças das IDF na zona”, escreveu nas redes sociais, acrescentando que quem já está no sul do rio deve ficar onde está. .O acordo de cessar-fogo prevê uma trégua de 60 dias, durante a qual os militares das IDF têm que sair do sul do Líbano. A incursão começou a 1 de outubro, depois de quase um ano de trocas de tiros diárias na região fronteiriça que obrigaram mais de um milhão de pessoas a fugir das suas casas, a grande maioria do lado libanês, além de terem deixado mais de 3800 mortos (cerca de 120 deles do lado israelita). .Ao mesmo tempo, o Hezbollah tem que abandonar as posições a sul do rio Litani. Cabe aos militares libaneses assumirem o controlo da zona tampão que é criada, além de garantir o cessar-fogo - que será supervisionado, entre outros, pelos países que mediaram o acordo, EUA e França. Os libaneses contam com o apoio da força das Nações Unidas - a UNIFIL - tal como estava previsto na resolução do Conselho de Segurança da ONU que, em 2006, pôs fim à última guerra..Contudo, a resolução 1701 nunca foi aplicada a 100%, com troca de acusações mútuas. O Hezbollah aproveitou para reforçar a presença a sul do rio Litani, tendo as suas forças sido o principal alvo das IDF nos últimos meses. Por seu lado, o grupo xiita libanês (que é também um partido político) alegou que Israel nunca deixou o sul do Líbano, em referência às quintas de Shebaa (território disputado nos montes Golan sírios ocupados)..O presidente dos EUA, Joe Biden, disse que o acordo de cessar-fogo “está desenhado para ser uma cessação permanente das hostilidades”. Mas se a resolução falhou da primeira vez, será que vai resultar da segunda? O problema prende-se, desde logo, com as tropas libanesas, que não têm meios nem pessoal. Além disso, está em causa a sua capacidade de enfrentar o Hezbollah, sob pena de exacerbar as divisões sectárias no Líbano..Israel já deixou claro que qualquer violação do acordo da parte do grupo xiita libanês terá uma resposta adequada. O primeiro-ministro israelita, Benjamin Netanyahu, disse nomeadamente que as IDF atacarão o Hezbollah se a UNIFIL não tiver capacidade de fazer valer o acordo..O Hezbollah, considerado um grupo terrorista por Israel e EUA, não esteve diretamente envolvido nas negociações, tendo apoiado o papel de mediador do líder do Parlamento libanês, o xiita Nahib Berri. “Após analisar o acordo assinado pelo governo inimigo [Israel], veremos se há uma correspondência entre o que declarámos e o que foi acordado pelas autoridades libanesas”, disse Mahmoud Qamati, do conselho político do Hezbollah, à Al Jazeera. “Queremos o fim da agressão, claro, mas não à custa da soberania do Estado”, referiu. Mais tarde, em comunicado, o grupo disse que vai continuar a “resistência” ao lado dos palestinianos..Por seu lado, o primeiro-ministro libanês, o sunita Najib Mikati, fala no início da viagem “para reconstruir o que foi destruído e reforçar o papel das instituições legítimas”. E apelou à rápida eleição de um presidente - que ao abrigo de um pacto nacional tem que ser um cristão maronita. Há mais de dois anos que o país não tem um por causa das divergências políticas..Agora Gaza?.O secretário-geral da ONU, António Guterres, saudou o acordo, que apelidou de “raio de esperança” depois da “escuridão dos últimos meses” e que espera ver repetido na Faixa de Gaza. Esse cenário parece, contudo, estar longe, apesar da alegada abertura do Hamas. E apesar de Biden ter dito que ia retomar os esforços nesse sentido..“O cessar-fogo [no Líbano] aproxima-nos da concretização de um futuro que tenho defendido durante toda a minha presidência, onde o Médio Oriente esteja em paz, próspero e integrado além-fronteiras”, escreveu no X. “Nos próximos dias, os EUA vão fazer outro esforço com a Turquia, o Egito [uma delegação viaja hoje para Telavive], o Qatar, Israel e outros para alcançar um cessar-fogo em Gaza com a libertação dos reféns e o fim da guerra sem o Hamas no poder”, acrescentou Biden. Contudo, apesar desses esforços, ao mesmo tempo os EUA estarão a avançar com a venda de armas a Israel no valor de 680 milhões de dólares. .susana.f.salvador@dn.pt