Lai Ching-te: o filho de mineiro que chegou a presidente de Taiwan
Filho de um mineiro de carvão, Lai Ching-te assume hoje a liderança de Taiwan, com a tarefa de navegar no crescente fosso com uma China cada vez mais assertiva sobre a posse deste território. Aos 64 anos, chegou à presidência nas eleições de janeiro com a promessa de que defenderia a democracia da ilha e resistiria às reivindicações de Pequim.
O até agora vice-presidente definiu a sua vitória, que proporcionou um terceiro mandato consecutivo sem precedentes para o Partido Democrático Progressista (DPP), como uma mensagem clara para a China de que os habitantes de Taiwan “rejeitaram o autoritarismo”. “A nossa democracia está constantemente sob a pressão da desinformação estrangeira, das ameaças militares e da coerção económica”, disse recentemente o presidente eleito, também conhecido como William Lai, referindo ainda que “a coerção da China apenas reforçou a nossa determinação de permanecermos democráticos e livres. Recusamo-nos a submeter-nos ao medo”. Lai prometeu continuar as políticas da presidente cessante, Tsai Ing-wen, de desenvolver as capacidades militares de Taiwan como forma de dissuasão contra uma potencial invasão da China.
A sua franqueza, que conseguiu moderar nos últimos anos, atraiu a ira de Pequim. A China considera-o um “trabalhador obstinado” pela independência de Taiwan e um “sabotador da paz”, alertando que este político de falas mansas será a causa da “guerra e do declínio” da ilha.
Apesar de mostrar à China uma vontade de abertura ao diálogo, Lai provavelmente será rejeitado. Pequim “não lhe responderá positivamente, assim como não respondeu a Tsai”, vaticina Steve Tsang, diretor do SOAS China Institute de Londres. “A verdadeira questão é como Lai ajustará a sua abordagem, uma vez que a mão que ele provavelmente estenderá a Pequim deverá receber uma resposta fria, ou pior”, refere o mesmo especialista.
Sentimento de dever
Ao contrário da maioria da elite política de Taiwan, Lai vem de origens humildes. Nascido em 1959, ele e os cinco irmãos foram criados pela mãe numa vila rural costeira que faz agora parte da cidade de Nova Taipé, depois do pai, um mineiro de carvão, ter morrido quando ele tinha menos de um ano.
Depois de estudar em duas universidades de Taiwan, tirou um mestrado em Saúde Pública na Universidade de Harvard, nos Estados Unidos, tendo em seguida trabalhado num hospital no sul da ilha, antes de se dedicar à política em 1996 durante a Terceira Crise do Estreito de Taiwan.
“O meu momento decisivo ocorreu quando o aventureirismo militar da China ameaçou as nossas costas com exercícios de fogo real e mísseis”, escreveu William Lai num artigo de opinião para o The Wall Street Journal no ano passado. “Decidi que tinha o dever de participar na democracia de Taiwan e ajudar a proteger esta experiência incipiente daqueles que desejavam prejudicá-la”.
Serviu como deputado, presidente da Câmara de Tainan, e primeiro-ministro antes de ser escolhido para ser vice-presidente da presidente Tsai Ing-wen, a quem agora sucederá.
Durante os dois mandatos de Tsai, as relações com a China deterioram-se, levando ao corte de todas as comunicações de alto nível. Lai mantém a posição de Tsai de que Taiwan “já é independente” e não precisa se declarar formalmente separada da China.
Uma falsa paz
O novo presidente de Taiwan afirmou também estar disposto a ter intercâmbios com a China “nas condições prévias de paridade e dignidade”, explicando que laços mais estreitos para a prosperidade económica não devem ser trocados pela soberania da ilha. “Aceitar o princípio de uma só China da China não é a verdadeira paz”, declarou Lai, referindo-se à doutrina de Pequim de que Taiwan faz parte da China. “A paz sem soberania é igual a Hong Kong. É uma paz falsa”.
Durante o mandato de Lai como primeiro-ministro, ele foi mais veemente do que Tsai sobre a independência, o que terá deixado parceiros importantes como os Estados Unidos - o principal fornecedor de armas de Taiwan - preocupados com a forma como ele lidará com as relações com a China.
Para o professor de Ciências Políticas Luo Chih-mei, da Universidade Nacional de Taipé, é improvável que Lai tome “medidas complicadas durante um ano eleitoral nos Estados Unidos”. Já Ryan Hass, membro sénior da Brookings Institution, garante que Lai não é “um fanático de olhos arregalados com um foco único na independência de Taiwan”. “Ele é um político profissional que organizou a sua carreira para se tornar presidente de Taiwan”, escreveu Hass num relatório, referindo ainda que “agora que ascendeu ao cargo eleito mais alto de Taiwan, ele vai querer ser reeleito”.