A voragem com que o presidente norte-americano se tem aproximado do homólogo russo a custo da Ucrânia e da Europa conheceu um novo capítulo na segunda-feira, com o porta-voz da presidência da Rússia e Donald Trump a afirmarem o mesmo, ou seja, que o presidente ucraniano “não quer a paz”. Na véspera, o mesmo Dmitri Peskov regozijava-se pelo facto de a “nova administração” dos EUA estar a “mudar de forma rápida todas as configurações de política externa” e agora “está amplamente alinhado” com a visão de Moscovo. Numa mensagem publicada na sua plataforma, Truth Social, Trump acusou Zelensky de ser um obstáculo para o fim da guerra. “Este tipo não quer que haja paz enquanto tiver o apoio dos Estados Unidos”, escreveu. Comentou, em termos irados, o facto de o ucraniano ter afirmado que a “paz ainda está longe”, ao dizer que “é a pior declaração que poderia ter sido feita por Zelensky”, e que “os Estados Unidos não o vão tolerar por muito mais tempo”. Sem personalizar, também deixou farpas para os líderes ocidentais reunidos em Londres no domingo, com Zelensky. Afirmou que a Europa “declarou categoricamente que não pode fazer o trabalho [garantir a paz] sem os EUA”. Segundo Trump, “provavelmente não foi uma grande declaração feita em termos de demonstração de força contra a Rússia”. E terminou interrogativo: “O que é que eles estão a pensar?”.Poucas horas antes, o homem que fala por Vladimir Putin, criticou a cimeira de Londres por incluir a promessa de enviar mais assistência militar e financeira para Kiev. “Isto não é obviamente parte de um plano de paz, mas para continuar os combates”, disse. Peskov, ao referir-se à altercação entre Trump e o seu vice JD Vance com o dirigente ucraniano, disse que o ocorrido não só mostra que “Zelensky não quer a paz”, mas que “o evento sem precedentes demonstra a ausência de capacidades diplomáticas” do ucraniano. O porta-voz do Kremlin sugere uma solução: “É importante que alguém force Zelensky a mudar a sua posição e a procurar a paz.”O presidente ucraniano não demorou a responder à mensagem de Trump, tendo reconhecido que “a paz é necessária o mais rapidamente possível”. Numa mensagem nas redes sociais, Zelensky lembrou alguns pontos usados pelo presidente dos EUA (“a guerra destrói as nossas cidades e vilas”, “perdemos o nosso povo”) e disse contar com o apoio norte-americano. “É muito importante que tentemos fazer com que a nossa diplomacia seja realmente substancial para pôr fim a esta guerra o mais rapidamente possível.” Noutra mensagem acrescentou: “Ucrânia, Europa, EUA: só juntos podemos restaurar a segurança para todos os nossos povos, e isso é verdadeiramente possível.”Dessintonia anglo-francesa Na ressaca da cimeira londrina, Emmanuel Macron apresentou ao Le Figaro a ideia de se criar uma trégua de um mês, tendo dito que a mesma era uma proposta franco-britânica. Mas o ministro das Forças Armadas britânico não confirmou haver sintonia nessa proposta. “Não há acordo sobre como seria uma trégua, mas estamos a trabalhar em conjunto com a França e os nossos aliados europeus para determinar o caminho a seguir para uma paz duradoura na Ucrânia”, afirmou Luke Pollard à Times Radio. Por sua vez, o ministro dos Negócios Estrangeiros francês Jean-Noël Barrot, em entrevista à France Inter, defendeu que uma trégua “no ar, nos mares e nas infraestruturas energéticas” permitirá “atestar a boa-fé de Vladimir Putin quando este se comprometer com esta trégua”..Ondas de choque da Casa BrancaO futuro chanceler alemão não tem dúvidas sobre o que se passou na reunião de Trump e de Zelensky na Sala Oval: “Não foi uma reação espontânea às intervenções de Zelensky, mas obviamente uma intensificação fabricada”, comentou Friedrich Merz em conferência de imprensa. O conservador disse que é altura de mostrar que os europeus podem “agir de forma independente” em relação aos EUA. . Na Assembleia Nacional, o primeiro-ministro francês François Bayrou salientou que na “cena estarrecedora, marcada pela brutalidade e pelo desejo de humilhar”, o líder ucraniano não cedeu “pela honra da responsabilidade democrática, pela honra da Ucrânia e pela honra da Europa”. Da Polónia, Trump vai receber uma carta assinada por 40 antigos prisioneiros políticos, incluindo do Prémio Nobel da Paz Lech Walesa para exprimir o “horror e desagrado” depois de terem visto o tratamento dado a Zelensky.