Kiev acredita na vitória até ao fim do ano. Moscovo diz que Ocidente está em "guerra híbrida total"
Vencida a batalha pela região de Kharkiv, a segunda maior cidade da Ucrânia, as forças de Kiev avançam para Izium, a sudeste, num momento em que os serviços secretos ucranianos alegam que a Rússia está sem batalhões prontos para combate, pelo que está a recorrer a uma mobilização secreta. Em entrevista, o general Kyrylo Budanov é a voz do otimismo, afirmando que na segunda quinzena de agosto dar-se-á uma viragem e que a guerra estará vencida até ao final do ano. O chefe da diplomacia russo, por seu lado, denuncia uma "guerra híbrida total" do Ocidente ao seu país, numa altura em que a NATO discute a entrada da Finlândia e da Suécia e que o grupo de países mais industrializados mostram apoio à Ucrânia.
Um dia depois de o ministro da Defesa da Ucrânia Oleksii Reznikov ter avisado que a guerra tinha entrado numa "nova e longa fase", com "semanas extremamente duras" pela frente, tendo até dito que não se sabem de quantas semanas se está a falar, o general Kyrylo Budanov pegou no calendário e apontou para a segunda quinzena de agosto como "ponto de viragem". Em entrevista à Sky News, O general de 36 anos mostrou-se otimista quanto ao desfecho do conflito, e classificou o exército russo de "hordas com armas". Budanov previu que "a maior parte das ações de combate ativo terão terminado até ao final deste ano".
"Como resultado, iremos renovar o poder ucraniano em todos os nossos territórios que perdemos, incluindo o Donbass e a Crimeia", afirmou. A vitória de Kiev terá consequências no país agressor, crê. "Acabará por levar à mudança de liderança da Federação Russa. Este processo já foi lançado e estão a avançar nesse sentido", disse, um curso sem paragem possível, declara.
Durante semanas, a Rússia tem vindo a utilizar Izium como área de concentração para uma ofensiva mais ampla no Donbass, tentando avançar para sul a partir desta cidade, enquanto outras forças russas tentam avançar para norte a partir de Donetsk, com o objetivo de fazer um cerco a dezenas de milhares de soldados ucranianos. Mas nos últimos dias, a perda de território dos russos na região de Kharkiv e uma feroz contraofensiva ucraniana à volta de Izium dão indicações de que Moscovo pode vir a ter aqui mais uma derrota militar.
O chefe da administração militar da região de Kharkiv, Oleg Synegubov, disse que a Rússia estava agora "em retirada" em algumas áreas em torno de Kharkiv, após semanas de combates ferozes para empurrar as tropas russas para fora das cidades e aldeias vizinhas. Desta forma as forças ucranianas encontram-se em posição de interromper as linhas de abastecimento a Izium. A confirmar-se, tal terá consequências nos planos da Rússia de cercar as tropas ucranianas mais a sul.
Synegubov explicou que a ofensiva foi concebida para impedir qualquer avanço russo sobre duas cidades importantes a sul de Izium, Sloviansk e Kramatorsk. Entretanto, o Estado-Maior informou que as tropas russas estão a preparar-se para atacar várias cidades na região de Donetsk, como Sievierodonetsk, Soledar e Bakhmut, enquanto continua a lançar ataques aéreos e bombardear a região com artilharia. Segundo o governador de Lugansk Sergei Gaidai, as tropas russas sofreram baixas consideráveis e perdas materiais na sexta-feira em "combates intensos na fronteira com Donetsk, perto de Popasna".
Já o Departamento da Defesa dos Estados Unidos diz que as tropas russas não conseguem "conquistas significativas", com a artilharia ucraniana, já equipada com material enviado pelos países ocidentais, a "contra-atacar os esforços russos para ganhar território".
O ministro dos Negócios Estrangeiros russo disse que o Ocidente declarou uma "guerra híbrida total" contra o seu país e é difícil prever quanto tempo durará, enquanto as consequências da guerra na Ucrânia serão sentidas em todo o mundo. "Fizemos tudo para evitar um confronto direto - mas agora que o desafio foi lançado, é claro que o aceitamos", disse.
"Os políticos ocidentais devem compreender que os seus esforços para isolar o nosso país são em vão", disse Sergei Lavrov sobre as sanções, antes de acusar os países ocidentais de roubarem os bens de outros países e de perderem a sua reputação como parceiros de confiança.
O líder russo, entretanto, falou com o homólogo da Finlândia, que o informou sobre a iminente candidatura de adesão de seu país à NATO. Putin disse que a iniciativa é um "erro".
"A conversa foi direta e sem rodeios, aconteceu sem problemas. Evitar as tensões foi considerado algo importante", afirmou o finlandês Sauli Niinisto. Em comunicado divulgado pelo Kremlin, Putin disse que respondeu ao chefe de Estado finlandês dizendo que o "fim da política tradicional de neutralidade militar seria um erro, pois não há nenhuma ameaça para a segurança da Finlândia".
"Tal mudança de orientação política do país pode ter um impacto negativo nas relações russo-finlandesas que se desenvolveram durante anos com um espírito de boa vizinhança e cooperação e eram vantajosas para ambos", acrescentou o Kremlin.
Niinisto e a primeira-ministra finlandesa, Sanna Marin, anunciaram na quinta-feira que são favoráveis a uma adesão à NATO"sem demora". A Suécia, outro país que permaneceu à margem das alianças militares, também deverá apresentar em breve sua candidatura para integrar a NATO, após uma reunião do Partido Social-Democrata, que governa o país, neste domingo. Depois de o presidente turco ter reagido negativamente à notícia, alegando que os países nórdicos albergam terroristas, menção aos militantes curdos e aos gulenistas exilados, os chefes da diplomacia dos três países abordam a questão neste fim de semana, durante a reunião dos ministros dos Negócios Estrangeiros da NATO, que decorre em Berlim.
As recentes declarações do presidente francês e o pedido de trégua a Moscovo por parte do chanceler alemão abriram brechas na frente unida pela Ucrânia. O próprio presidente ucraniano repreendeu Emmanuel Macron.
"Isto é exatamente o que líder ocidental algum deve fazer - oferecer a Putin parte da soberania da Ucrânia para permitir que este salve a face", comentou o economista sueco Anders Aslund, autor de Russia"s Crony Capitalism, sobre a iniciativa do Eliseu. Na segunda-feira, Emmanuel Macron disse que a paz terá de ser construída sem "humilhar" a Rússia, o que foi mal recebido em Kiev. "Não devemos procurar uma saída para a Rússia, e Macron está a fazer isso. Em vão", comentou Volodymyr Zelensky em entrevista ao canal italiano RAI.
"Sei que ele quer obter resultados na mediação entre a Rússia e a Ucrânia. Mas não obteve nenhum. Até que a Rússia queira e entenda que precisa [terminar a guerra], não procurará nenhuma saída", disse ainda o presidente ucraniano.
O Eliseu desmentiu que o chefe de Estado francês tenha tentado obter "concessões diplomáticas". Para o ministro dos Negócios Estrangeiros Jean-Yves Le Drian, há que "manter um meio de diálogo, um vetor de possível discussão", até porque, lembra, "o presidente Putin não quer falar com o presidente Zelensky, que considera ser irresponsável, não representativo, e portanto não legítimo".
O pedido de uma trégua por parte de Olaf Scholz a Putin também foi visto por vários comentadores como "inapropriado" numa altura em que as tropas russas dão sinais de poderem vir a ter o mesmo destino no leste da Ucrânia como tiveram em Kiev. E expõe a diferença de abordagem entre Londres e Washington, de um lado (Joe Biden chegou a dizer que Putin "não pode continuar no poder"), e de Paris e Berlim, do outro. "O mundo anglófono está a salvar a Ucrânia, enquanto a União Europeia está a salvar-se a si mesma", afirma no Politico o investigador irlandês Eoin Drea, do centro de reflexão Martens Centre, em Bruxelas.
Primeiro foram tabloides como o The Sun a noticiar que o líder russo estaria doente. Depois a norte-americana New Lines Magazine revelou o conteúdo de uma conversa entre um oligarca e um empresário ocidental, no qual o russo diz que Putin tem "um cancro do sangue", e desejando que "morra do seu cancro ou de uma intervenção interna como um golpe".
A revista com sede em Washington também teve acesso a um memorando do FSB (serviços secretos russos), de meados de março, no qual se diz aos diretores regionais para não acreditarem nos rumores que dão o presidente como um doente terminal - uma mensagem que teve o efeito contrário.
Agora foi a vez do general ucraniano Kyrylo Budanov alegar que Vladimir Putin está em "muito má condição física e psicológica e muito doente". À Sky News, o antigo agente do MI6 na Rússia Christopher Steele mostra acreditar nos relatos: "Certamente, pelo que ouvimos de fontes na Rússia e noutros lugares, é que Putin está, de facto, gravemente doente."