José Antonio Kast deverá ser o novo presidente do Chile se, como indicam as sondagens, vencer a segunda volta das eleições presidenciais, no próximo domingo, dia 14. O candidato de extrema-direita supera Jeanette Jara, do Partido Comunista, por 14 a 16 pontos nas principais pesquisas de opinião, apesar da candidata que defende a continuidade das políticas do atual presidente Gabriel Boric, de quem foi ministra do Trabalho, ter vencido na primeira volta por 26 a 24%. O debate final de campanha já na madrugada de quarta-feira, 10, em Lisboa, durou duas horas e meia e teve momentos de tensão durante os nove temas debatidos. Kast, que concorre pelo partido que fundou, o Republicano, e é comparado a Donald Trump, pela imprensa anglo-saxónica, a Jair Bolsonaro, pela brasileira, e ao argentino Javier Milei, pela dos outros países sul-americanos, disse que imigrantes “que solicitem um recurso do Estado vão ter de sair do Chile”, suavizando a proposta de expulsar os cerca de 330 mil imigrantes ilegais no país, parte deles da Venezuela, como defendera na primeira volta.“Já disse que ia expulsar, depois convidar a sair e agora negar benefícios”, reagiu Jara. “Quando perguntamos como vai fazer o que propõe e com que dinheiro, nunca responde”, disse a candidata, que propõe registar os imigrantes ilegais. “A pior coisa que pode acontecer é não sabermos quem está no Chile. Aqueles que não se registarem serão expulsos”, acrescentou.Questionados se Nicolás Maduro deveria deixar o poder na Venezuela, no contexto do aumento da pressão dos EUA, ambos responderam que sim. “É evidente que Maduro deve deixar o poder. Não há dúvidas de que o último processo eleitoral foi uma fraude e de que a Venezuela se converteu numa ditadura”, disse Jara. Segundo a comunista, é preciso apoiar as medidas que proponham uma transição no país mas afirmou que uma eventual amnistia a Maduro seria injusta.“Deve deixar o poder vivo, para que seja julgado e poder pagar com a prisão. Com narcotraficantes e bandidos não se negoceia, que libertem María Corina Machado e que ele seja preso, se quiser, em Cuba”, defendeu Kast. Jara afirmou que um eventual governo do adversário poderia indultar condenados por crimes durante a ditadura de Augusto Pinochet. “Querem tirar das prisões violadores de direitos humanos e indultar ou reduzir a pena de abusadores de crianças”, respondeu Jara, ao mencionar uma proposta de um deputado da direita que apoia Kast.“Não vamos libertar nenhum preso por delitos de narcotráfico, estrangeiros vão cumprir a pena no Chile. A sugestão de reduzir penas veio durante uma discussão no Parlamento, ninguém vai fazer isso”, justificou o candidato de extrema direita.Como ambos buscam afastarem-se da imagem de extremistas, Kast recuou nas críticas que tinha feito ao governo de direita tradicional de Sebastián Piñera, de 2010 a 2014 e de 2018 a 2022. “Isso está no passado, tivemos diferenças pontuais e unimo-nos a eles contra essa esquerda que reforma tudo”, afirmou.“A política requer capacidade de diálogo, o meu futuro governo vai ter amplo apoio político e também social. Se pensamos que governar é fácil e se faz com frases, sem capacidade de avançar, estamos enganados”, disse Jara. “A minha representação política é a centro-esquerda chilena”, continuou a candidata, reforçando que irá renunciar à sua militância no Partido Comunista, caso seja eleita. Kast também admitiu deixar o Partido Republicano.“Entretanto, pouca gente irá votar feliz nestas eleições”, resumiu Patrício Fernández, colunista da edição latino-americana do espanhol El País. “Para boa parte dos eleitores não é que um seja melhor do que o outro mas sim que um dos dois é insuportável por representar, ora o monstro do comunismo, Jara, ora o monstro da extrema-direita, Kast”.Os dois candidatos investiram os últimos dias em viagens pelo país, Jara no norte, no centro e no sul mas sobretudo na cidade de Coquimbo e em Puente Alto, na região metropolitana de Santiago. Kast apostou, sobretudo, em Temuco.Kast supera Jara nas sondagens, como se esperava, porque apesar de ter ficado em segundo lugar na primeira volta, somou o apoio formal do quarto e da quinta mais votados, o ultradireitista Johannes Kaiser e a candidata da direita tradicional Evelyn Matthei, que alcançaram 14% e 13%, respetivamente. O terceiro mais votado, Francisco Parisi, da direita populista, disse que Kast tem de conquistar os 19% do seu eleitorado.Aí reside a esperança, ténue, segundo a maioria dos observadores, de Jara, aliada do presidente Boric, impedido de se recandidatar pela lei chilena. Em 2021, quando Boric bateu o mesmo Kast na segunda volta, as sondagens revelaram que, assim como a maioria dos eleitores da direita clássica, mais de dois terços dos apoiantes de Parisi, também terceiro mais votado na ocasião, optaram pelo candidato de centro-esquerda. Advogado católico nascido na região metropolitana de Santiago, Kast é o mais novo de dez filhos de Michael, cujo passado como membro do partido nazi de Adolf Hitler foi um dos temas de campanha. “A história da minha família é o mais distante do nazismo que se possa imaginar”, defendeu-se o candidato que, porém, elogia Augusto Pinochet e nega abusos do regime militar chileno, o que fez reavivar fantasmas do passado da sociedade chilena. Kast disse ainda que se o presidente norte-americano lhe perguntasse se devia invadir a Venezuela, responderia “vá em frente” e que pretende deportar mais estrangeiros sem documentos do que Trump. Na segurança, um dos principais temas de campanha, pediu “mais Bukele e menos Boric”, aludindo à política dura do presidente de El Salvador na área. Na economia repetiu ideias do vizinho argentino Javier Milei.“Ele tem planos ‘trumpianos’”, descreveu Tom Phillips, correspondente do britânico The Guardian na América Latina, como “a construção de fossos, barreiras e muros a que chamou de ‘escudo fronteiriço’”. Jeanette Jara, por sua vez, além de defender o aumento do salário mínimo e o reforço dos direitos dos trabalhadores, também falou de segurança ao prometer construir mais prisões e modernizar a polícia. Natural de Santiago, formou-se em Direito e em Administração Pública e, embora se tenha inscrito logo aos 14 no Partido Comunista e sido líder estudantil na juventude, gaba-se de vir de uma família sem ligação à política. “Venho do Chile real!”, afirma. Mais velha de cinco irmãos e membro do executivo de Boric, e também do de Michelle Bachelet, é a primeira militante do Partido Comunista a chegar a uma segunda volta no Chile.“A eleição também confirma a perda de popularidade das duas coligações que dominaram a política chilena durante as três primeiras décadas após o retorno da democracia [a Concertación, à esquerda, e a Alianza, à direita], abrindo caminho para partidos de extrema-direita. Não está claro até que ponto essa mudança reflete uma crescente polarização ou uma aversão cada vez maior aos políticos tradicionais”, escreveu Loreto Cox, professora assistente da Universidade Católica do Chile, no Americas Quarterly. “Outro resultado revelador foi o aparecimento de divisões regionais acentuadas, um fenómeno relativamente novo na política chilena”, acrescenta Cox. “Parisi venceu no norte mineiro; Jara prevaleceu nas regiões centrais, onde se concentra a maior parte da população; e Kast dominou o sul agrário, com exceção das duas regiões do extremo sul, que favoreceram Jara. Esses contrastes geográficos, juntamente com as crescentes diferenças entre as áreas rurais e urbanas, apontam para um cenário político cada vez mais segmentado”.Caso Kast suceda a Boric como inquilino do Palácio La Moneda empataria 6-6 o marcador entre governos de esquerda e de direita na América do Sul e sublinharia uma tendência conservadora do subcontinente. Depois de Rodrigo Paz ter sido empossado a 8 de novembro presidente da Bolívia, após quase 20 anos de domínio da esquerda no país, a direita governa em La Paz mas também no Equador, no Peru, no Paraguai e na Argentina. E a esquerda tem presidentes na Colômbia, na Venezuela, na Guiana, no Suriname, no Brasil e no Uruguai (a Guiana Francesa é um departamento da França) mas deve, a fazer fé nas sondagens, perder o Chile.“Se não é uma onda é, pelo menos, uma tendência para a direita, com exceções, como o Brasil e o Uruguai, com presidentes eleitos recentemente à esquerda, que acredito se confirme na região como um todo”, disse Roberto Georg Uebel, professor de Relações Internacionais da Escola de Propaganda e Marketing, de São Paulo, sobre o tema em declarações ao DN. “Não lhe chamaria de onda de direita, até porque no Chile muita gente ainda votou numa candidata comunista, mas de tendência, sim”, concordou Vinícius Vieira, politólogo da Fundação Armando Álvares Penteado. “Na Bolívia ganhou a direita, antes, na Argentina, idem, com o Milei, no Paraguai, também, e o Lula ganhou pela esquerda no Brasil em 2022 mas por muito pouco”.Para Paulo Niccoli Ramírez, professor de Ciência Política da Fundação Escola de Sociologia e História, “tem havido uma espécie de rotação na região, de que o Chile é exemplo, a que não é alheia a colonização económica atual dos EUA - e as oscilações económicas por lá levam a desgastes tanto da direita como da esquerda por cá, eles espirram e nós apanhamos a gripe”.“Mas um certo refluxo da esquerda já vem da década passada com a vitória de Sebastián Piñera, no Chile, o golpe em Dilma Rousseff e a ascensão de Jair Bolsonaro, no Brasil, o próprio Luis Arce, mesmo sendo do partido de Evo Morales, tinha um discurso mais conservador, na Bolívia, e já recentemente a Argentina passou por isso”..Com vitória provável no Chile, direita igualaria esquerda na América do Sul