Nos dias seguintes à primeira volta das eleições municipais do Brasil, o presidente do partido que elegeu mais prefeitos - 882 - deu entrevistas aos canais Globonews, CNN Brasil, Jovem Pan e Band e aos jornais O Globo, Folha de S. Paulo, O Estado de S. Paulo, Valor e O Antagonista, mas, mesmo assim, ainda foi a tempo de atender o DN: por alguma razão se diz em Brasília que só duas entidades são omnipresentes, Deus e Gilberto Kassab..Kassab, 64 anos, fundou o Partido Social Democrático (PSD), sem relação com o quase homónimo PSD português, em 2011, quando era prefeito de São Paulo. Na altura, o PSD era apenas mais um na selva de 40 partidos que se acotovelavam na política brasileira, entre os quais, gigantes como o PT, de Lula da Silva, o PSDB, de Fernando Henrique Cardoso, e, sobretudo, o MDB, de Michel Temer, oposição permitida à ditadura militar que, por anos, foi o maior partido brasileiro e venceu todas as municipais. Todas? Não: em 2024 “só” elegeu 846 prefeitos, menos 36 do que o jovem rival. .E porquê? Kassab responde: “A marca do nosso crescimento é a presença de lideranças qualificadas e respeitadas nas mais diversas regiões que estimulam a filiação e a participação de novos nomes na política, elas são responsáveis pelos bons resultados que obtivemos”..“Ao mesmo tempo, nas municipais o eleitor está mais atento aos problemas da cidade, por isso, acima de divisões ideológicas que apareceram recentemente na eleição federal, os resultados positivos dos partidos de centro, como o PSD, com mais prefeitos, e o MDB, em segundo, mostram que o eleitor prefere a moderação aos extremos, o centro recebeu 39 milhões de votos, a direita, 30 e a esquerda, apenas 23”, completa ao DN..A politóloga Mayra Goulart lembra que “o PSD foi organizado tendo o MDB como molde mas, ao contrário deste, constituído a partir de lideranças locais aglomeradas, tem um nome nacional, Kassab, como figura ascendente, o que o torna mais eficaz”..“Ele, depois de ser prefeito de São Paulo, em vez de se arriscar em voos mais altos, preferiu ter poder de bastidor e criar um partido”, acrescenta o cientista político Vinícius Vieira. “A ideia era ter um partido ‘pega tudo’, como o MDB, de ‘extremo centro’ ou de ‘direita, centro e esquerda’, como definiu o próprio Kassab”. “Ou seja”, conclui o académico, “o partido mais forte do Brasil tende sempre a ser um partido sem ideologia definida, como agora o PSD, que soma Eduardo Paes, prefeito do Rio de Janeiro apoiado por Lula, a Ratinho Junior, governador do Paraná claramente à direita”..Kassab não concorda que falte ideologia ao PSD. “O PSD é um partido de centro com definições ideológicas claras desde a sua fundação: defendemos, entre outras bandeiras, um Estado mínimo mas forte o suficiente para garantir serviços de Saúde, Educação e Segurança Pública, que simplifique as formas para empreender, empregar e investir, uma vez que uma economia forte também é um motor de desenvolvimento”..Entretanto, além de ser, desde dia 6, a maior força municipal do país, o PSD de Kassab, que ainda pode ganhar mais 10 cidades nas segundas voltas, é o partido mais representado no Senado, com 15 senadores, acima do PL, de Jair Bolsonaro, do MDB e do PT. E, na Câmara dos Deputados, a quinta força, com 42 parlamentares..Porém, é no poder executivo que a habilidade de Kassab mais se destaca: tem três ministros no governo Lula, um registo só superado pelo próprio PT, enquanto ele próprio é secretário do governo de São Paulo, sob o comando de Tarcísio de Freitas, provável candidato do bolsonarismo à presidencial de 2026 contra... Lula. “Como concilio isso? A eleição nacional não está em discussão ainda”, diz ao DN..“O nosso partido em São Paulo foi o principal apoiante da candidatura do governador Tarcísio, tanto que indicou o candidato a vice, logo é natural que participe da gestão. Ao mesmo tempo, na presidencial o partido oficialmente ficou neutro e liberou os seus filiados a definir apoios, diversas lideranças participaram ativamente da eleição do presidente Lula, sendo, por isso, natural que elas participem do governo”, explica..“Voltando a 2026, entendo que o PSD, como todos os partidos de destaque, deve buscar ter candidatura própria a presidente: o nome do governador Ratinho Junior, do Paraná, está colocado e a formação discutirá o seu posicionamento no momento adequado”. Por já ter cumprido dois mandatos, Ratinho Junior, 43 anos, filho de um apresentador popular de TV, estará inelegível por lei no Paraná, em 2026, e, por isso, apto a concorrer a presidente..Entretanto, se Kassab é, por estes dias, convidado a falar a todos os órgãos de comunicação brasileiros - e um português - e adulado por líderes da esquerda à direita, também gera inimigos poderosos, como Marcos Pereira, presidente do Republicanos, que acusa o líder do PSD de Kassab de ser, após negociações de bastidor, o responsável pelo fracasso da sua candidatura a presidente da Câmara dos Deputados. Ou Valdemar Costa Neto, o presidente do PL, onde milita Bolsonaro, para quem “estar na esquerda e na direita tem um preço e isso vai custar caro para ele”.