Um “alto funcionário” do governo israelita acusou esta quarta-feira a equipa que negociou a primeira fase do acordo de cessar-fogo com o Hamas - que incluía os líderes das secretas da Mossad, David Barnea, e do Shin Bet, Ronen Bar - de ter cedido às exigências do grupo terrorista palestiniano. O ataque direto surge numa altura em que o primeiro-ministro israelita, Benjamin Netanyahu, nomeou uma nova equipa para negociar a segunda fase do acordo, na qual o Hamas se diz disposto a libertar todos os restantes reféns de uma só vez.“A nova equipa mudou a dinâmica e liderou as negociações, em vez das concessões”, disse o “alto funcionário familiarizado com os detalhes”, sob anonimato, num comunicado do gabinete de Netanyahu citado pelos media locais. “Também acabou com a prática de briefings regulares e tendenciosos contra o primeiro-ministro e a liderança política, que apenas fez com que o Hamas consolidasse a sua posição e acrescentasse exigências”, conclui a declaração, apelidada pelo líder da oposição, Yair Lapid, de “cobarde” e “mentira completa e absoluta”.A acusação surge um dia depois de ter sido anunciado que a equipa de negociação para a segunda fase do acordo será liderada pelo ministro dos Assuntos Estratégicos, Ron Dermer, próximo de Netanyahu. A anterior equipa era liderada por Barnea, que segundo a imprensa israelita continuará em contacto com os mediadores egípcios e qataris, mas sob o comando de Dermer. No início do mês, o jornal Haaretz tinha escrito que o presidente dos EUA, Donald Trump, teria pressionado Netanyahu para substituir Barnea. Não porque o primeiro-ministro estivesse desagradado com o líder da Mossad, mas porque Trump queria alguém com capacidade para decidir e evitar atrasos no processo. Em relação a Bar, chefe dos serviços secretos internos, será substituído pelo antigo número dois, identificado apenas como “M”. De fora está também o representante das Forças de Defesa de Israel, Ni-tzan Alon, com quem Netanyahu tinha entrado em choque. Desde outubro, quando o número dois de Alon, Oren Setter, se demitiu, que estaria a ser pressionado para sair.Numa entrevista no sábado ao canal 12, Setter disse que Israel “perdeu duas oportunidades para assinar um acordo de cessar-fogo” com o Hamas em março e julho do ano passado - a primeira por causa da insistência em manter o controlo do Corredor de Netzarin, que separa o norte do sul da Faixa de Gaza, e a segunda do Corredor Filadélfia, na fronteira com o Egito. “Não fizemos todo o possível para os trazer de volta o mais rapidamente possível”, afirmou o ex-negociador, diante das imagens dos reféns que regressaram extremamente magros do enclave. O gabinete do primeiro-ministro acusou-o de “mentir” para prejudicar a reputação de Netanyahu. A fonte do gabinete do primeiro-ministro alegou que a decisão do Hamas de libertar os seis reféns do grupo inicial de 33 que ainda estão vivos no próximo sábado (em vez de o fazer em duas datas diferentes) e de entregar os corpos de quatro dos que estão mortos já esta quinta-feira “é resultado da decisão do primeiro-ministro de mudar a composição da equipa de negociação”. Outras fontes israelitas, citadas na véspera pelo site norte-americano Axios, indicavam que a proposta tinha partido do próprio grupo terrorista. O gabinete do primeiro-ministro negou, falando de “um novo pico de absurdo” que “ecoa a propaganda do Hamas”. Na segunda fase de negociações, em que é suposto serem libertados os restantes reféns vivos, o grupo terrorista disse ontem estar disposto a fazê-lo de uma só vez - Trump queixou-se das libertações a conta-gotas da primeira fase. Do lado israelita, Netanyahu irá alegadamente exigir o desarmamento do Hamas e a sua saída da Faixa de Gaza, mas também exigirá que a Autoridade Palestiniana não tenha nenhum papel na gestão do enclave.O dia da verdade para a família BibasO Hamas anunciou que vai entregar esta quinta-feira a Israel os corpos de quatro reféns mortos em cativeiro, incluindo Shiri Bibas e os dois filhos, Ariel e Kfir. As crianças tinham apenas 4 anos e 9 meses quando foram levadas para a Faixa de Gaza, a 7 de outubro de 2023, com o vídeo desse momento a tornar-se um dos símbolos do terror e da provação dos reféns. Em novembro de 2023, no final de uma semana de tréguas que permitiu libertar mais de uma centena de reféns, o Hamas anunciou que eles tinham sido mortos num ataque israelita. Israel nunca confirmou a morte dos três e a família mantém a esperança. O pai, Yarden, também foi raptado no mesmo dia, de forma separada da mulher e dos filhos, e foi libertado a 1 de fevereiro. O quarto corpo é de Oded Lifshitz, um antigo jornalista e um dos fundadores do kibbutz Nir Oz. Tinha 83 anos quando foi levado no ataque de 7 de outubro de 2023.