“Invasão da Ucrânia conferiu reforçada importância estratégica ao alargamento da UE”
A União Europeia assinala hoje, dia 1 de maio, 20 anos desde o chamado “grande alargamento”, que, em 2004, trouxe dez novos Estados-membros ao espaço comunitário. Passadas duas décadas da adesão de Chipre, Eslováquia, Eslovénia, Estónia, Hungria, Letónia, Lituânia, Malta, Polónia e República Checa, o tema voltou ao debate europeu. E agora há um novo contexto, após a invasão russa da Ucrânia.
É perante este novo panorama que a presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, avisa que o que acontecer na Ucrânia “irá moldar o futuro da União para sempre”. Por essa razão, apela ao apoio dos Estados-membros, a favor do país que trouxe o tema do alargamento para o topo da agenda europeia.
Em junho de 2022, numa iniciativa que é vista como histórica, a Comissão Europeia concedeu o estatuto de candidato à Ucrânia, que tinha solicitado a adesão à UE, ainda em fevereiro, poucos dias após ter sido invadida pelo país vizinho, trazendo uma nova dinâmica ao dossier do alargamento. Aliás, a Macedónia do Norte, depois de anos de impasse, viu no mesmo dia ser reconhecido o seu estatuto de país-candidato à adesão, numa lista que inclui agora nove países.
“A invasão da Ucrânia pela Rússia veio conferir uma reforçada importância estratégica ao alargamento da UE”, afirmou ao DN o autor do relatório do Parlamento Europeu sobre a expansão do espaço comunitário, o eurodeputado Pedro Silva Pereira (PS).
“A Rússia representa uma ameaça existencial não só para a Ucrânia, mas também para a Europa”, destacou a presidente da Comissão Europeia, na sessão plenária de dia 24 de abril, quando o Parlamento Europeu assinalou as duas décadas sobre o grande alargamento, concretizado às 00.00 horas da noite de 1 de maio de 2004.
Aquela “foi uma noite de promessas: a promessa de que todos os europeus podem ser mestres do seu próprio destino, promessa de liberdade e estabilidade, paz e prosperidade”, afirmou Von der Leyen, em Estrasburgo, na presença de Romano Prodi, o italiano que em 2004 chefiava o Executivo comunitário.
Há 20 anos, Prodi reconhecia que os longos anos de negociações com os países da Europa Central e Oriental e do Mediterrâneo que passaram a integrar o espaço comunitário foram “por vezes difíceis”. Mas as reformas levadas a cabo “pelos Governos que sucederam à queda do Muro de Berlim” permitiu-lhes “entrar nas instituições de cabeça erguida, com direitos iguais e responsabilidades iguais”, completava Prodi numa alocução em Dublin, no dia em que a UE passava de 15 para 25 Estados-membros.
Para Prodi, aquele dia era a prova “do empenho comum em unificar o continente e em pôr fim à divisão artificial imposta pela Cortina de Ferro durante mais de meio século”.
Tal como há duas décadas, os Estados candidatos à adesão deverão agora fazer reformas que, no essencial, garantam instituições estáveis, capazes de assegurar o regular funcionamento democrático, o Estado de Direito e os Direitos Humanos. Devem funcionar com base numa economia de mercado e devem ter capacidade para assimilar o acervo comunitário no seu ordenamento jurídico nacional, assim como estarem disponíveis para aderir à moeda única.
O ministro dos Negócios Estrangeiros Paulo Rangel confessou, em Bruxelas, em declarações aos jornalistas, ter “uma expectativa muito positiva” em relação ao alargamento da UE, defendendo, porém, que têm de ser “criadas as condições nos Estados que querem integrar a UE”, assim como “na própria UE, para que esse alargamento possa decorrer o mais depressa possível”.
Em fevereiro, o Parlamento Europeu assinalou com uma posição maioritária de 305 votos a favor, 105 contra e 71 abstenções a necessidade de também as instituições realizarem reformas. De acordo com o autor do relatório, adaptar os processos de decisão na UE “é crucial”. Pedro Silva Pereira sugere a possibilidade do uso da decisão por maioria qualificada para evitar bloqueios e manipulações pelo direito de veto, que podem paralisar a União. Entre as reformas institucionais a considerar está a possível alteração da composição de instituições-chave.
Por exemplo, pode haver a necessidade de “ajustar o número de eurodeputados para acomodar novos membros”, debatendo se o limite de 751 deve ser mantido ou aumentado. Silva Pereira destaca também a possibilidade de se “reduzir o número de comissários ou implementar um sistema de rotatividade”, dado que uma comissão muito grande “pode ser ineficaz”.
No Parlamento e no Conselho Europeu pode haver a necessidade de uma “revisão do sistema de ponderação de votos” para encontrar um equilíbrio que reflita adequadamente o peso dos Estados-membros numa UE ampliada. Por outro lado, discute-se também uma abordagem flexível no ritmo da integração, numa “Europa a várias velocidades” onde os países que desejam avançar mais rapidamente em certas áreas de integração possam fazê-lo sem ser impedidos por outros, o que “requer uma estrutura institucional mais flexível”, sublinha Silva Pereira.
Em simultâneo, será preciso realizar um debate sobre o Orçamento da UE, defendendo-se a possibilidade de este ser “aumentado e de se fortalecer as fontes de financiamento”, para enfrentar “os desafios de uma Europa alargada, especialmente nas políticas de agricultura e coesão”, destaca o europdeputado.
O ministro dos Negócios Estrangeiros entende que, “se for possível”, as reformas no funcionamento da UE “era melhor” não passarem por qualquer revisão dos tratados, “porque isso significa que tudo seria mais rápido”. Para Rangel, esta seria a forma de “dar um sinal político muito claro de que somos a favor do alargamento”. Por outro lado, Paulo Rangel admite que “pode haver cirurgicamente necessidade de mudar ou pode mais tarde considerar-se que tem de se fazer algo maior”. Mas, para já, “a nossa posição é: tudo aquilo que seja possível resolver no quadro do Tratado de Lisboa vai ser aquilo que Portugal vai defender e há muita coisa que se pode fazer”.
“E, depois há algumas coisas que se podem fazer ao lado, mesmo do ponto de vista dos quadros financeiros, sem se exigir uma alteração de tratados”, completou o ministro, que foi eurodeputado, testemunhando entre Bruxelas e Estrasburgo grande parte dessa “experiência” que marcou as últimas duas décadas, na construção europeia. “A experiência que tivemos [desde o alargamento em 2004] é uma experiência, eu diria, excecional”, considerou Rangel.