Em 1893, Floriano Peixoto, presidente da República do Brasil, indicou, por decreto, Cândido Barata Ribeiro para uma vaga no Supremo Tribunal Federal (STF). Conforme a Constituição, o candidato foi depois submetido à apreciação do Senado que, por 60 votos a seis, o rejeitou por, sendo médico e não jurista, não ter “notório saber jurídico”, uma das condições para o cargo. Esse episódio, com 132 anos, voltou à tona porque, pela primeira vez desde então, um nomeado, Jorge Messias, pelo chefe de Estado, Lula da Silva, corre risco de reprovação na câmara alta do Congresso. A Messias, 45 anos, formado em Direito pela Universidade Federal de Pernambuco, com mestrado e doutoramento em Desenvolvimento, Sociedade e Cooperação Internacional pela Universidade de Brasília, 18 anos de funções relevantes de Estado e atual Advogado-Geral da República, cargo equiparado ao de ministro, não falta “notório saber jurídico” para ocupar o cargo deixado vago pela reforma antecipada de Luís Roberto Barroso, atual juiz do STF, anunciada a 19 de outubro. Os ónus do candidato são, em primeiro lugar, não ser o preferido de Davi Alcolumbre, presidente do Senado, nem da maioria dos senadores, e, em segundo, ter sido lançado na imprensa por Lula, a 20 de novembro, sem que o presidente desse uma satisfação prévia ao mesmo Alcolumbre, como mandam as regras tácitas de convivência em Brasília. Como a relação entre os poderes legislativo e judicial atravessa uma crise, o Congresso está empenhado em ter uma palavra na composição do STF, por mais que a prerrogativa das indicações dos juízes pertença ao líder do poder executivo. E Alcolumbre e parte dos senadores, mesmo os aliados do governo, preferiam o nome do ex-presidente da câmara, Rodrigo Pacheco. O nome de Pacheco não desagradava ao presidente da República mas não tinha, como o do indicado, aquilo que é visto como um bónus: Messias é cristão evangélico, segmento religioso muito conotado com a direita a quem a esquerda pretende agradar antes das eleições de 2026. Em retaliação, o líder do Senado marcou a “sabatina”, o exame obrigatório dos senadores a Messias, em que este precisará ter aprovação de mais de metade dos 81 membros da casa, já para quarta-feira, dia 10, um tempo considerado demasiado curto para o indicado convencer os senadores, em reuniões individuais e coletivas, a aprová-lo. Para irritação de Alcolumbre, o governo contra-atacou e não entregou ainda a documentação necessária para formalizar a realização desse exame, o que levou ao seu adiamento sine die. “Esta omissão do poder executivo é grave e sem precedentes”, acusou o senador que, agora, ameaça marcar a “sabatina” só para depois das eleições de 2026, já o credo religioso de Messias deixaria de ter efeito eleitoral. Alcolumbre enfureceu-se também com notícias a insinuar que o que o movia no processo era apenas a obtenção de mais cargos no executivo. “Ofensivo”, disparou ele.“Não sei porque isto foi transformado num problema político desta monta”, disse, por sua vez, Lula, que deve encontrar-se com Alcolumbre nos próximos dias com um “armistício” na agenda.Enquanto isso, o PL, partido de Bolsonaro, já disse que votará contra Messias na “sabatina” mas aliados da primeira hora do ex-presidente, como o bispo Silas Malafaia, admitem aconselhar a bancada evangélica a aprová-lo. “Não vou fazer campanha contra ele só porque ele é um evangélico esquerdopata”, disse o televangelista ao jornal Metrópoles. Na composição atual, o STF já tem um evangélico declarado, o juiz André Mendonça, nomeado por Bolsonaro, de quem foi ministro da Justiça. Neste mandato, Lula já nomeou Cristiano Zanin, ex-advogado pessoal, e Flávio Dino, ex-ministro da Justiça. Apesar do perfil discreto, não é a primeira vez que Messias se vê no centro de um impasse entre os poderes da República. Em 2016, no auge da crise do governo de Dilma Rousseff, que levaria ao impeachment dela, e da Operação Lava-Jato, que levaria à prisão de Lula, ficou decidido no PT, partido de ambos, que a presidente nomearia o padrinho político para um ministério, porque um titular de cargo público estaria a salvo de ser julgado por um juiz de primeira instância, no caso Sergio Moro. Sucede que Moro mantinha Lula sob escuta e divulgou para a imprensa um telefonema entre o investigado e Dilma, no qual a presidente dizia estar a enviar um termo de posse como ministro para o antecessor assinar. “Eu ‘tô mandando o ‘Bessias’ junto com o papel, é o termo de posse, ok?”, dizia Dilma, ao que Lula respondia “‘tá bom, ‘tá bom”, antes de se despedir com um “tchau querida”, que se tornaria slogan das manifestações pela queda da presidente. O “Bessias”, nome que ganhou os noticiários na época e passou a fazer parte do folclore político de Brasília, era o então subchefe da presidência para Assuntos Jurídicos, Jorge Messias, chamado assim no telefonema por culpa de uma gripe que afetava Dilma..No tiroteio político após operação policial no Rio, Lula dá tiro no pé