As primeiras eleições democráticas na Guiné-Bissau realizaram-se em 1994, mas os últimos mais de 30 anos foram marcados por constante instabilidade, com golpes de Estado, guerra civil e assassinatos. Quase um milhão de eleitores guineenses voltam este domingo (23 de novembro) às urnas para eleições presidenciais e legislativas, mas são as primeiras que dominam o debate. O presidente Umaro Sissoco Embaló procura a reeleição face a onze adversários, com Fernando Dias da Costa a surgir como o mais forte. Se um candidato não conseguir 50% dos votos, haverá uma segunda volta.As presidenciais acontecem, tecnicamente, já depois do final do mandato de Embaló. O antigo primeiro-ministro e general na reserva assumiu o poder em fevereiro de 2020, numa altura em que o adversário Domingos Simões Pereira, outro antigo chefe do Governo e líder do Partido Africano para a Independência da Guiné e Cabo Verde (PAIGC), ainda contestava o resultado da segunda volta das presidenciais. O Supremo acabaria por confirmar a vitória de Embaló só em setembro, havendo aqueles que alegam que o mandato já terminou em fevereiro de 2025 e outros que foi em setembro.O presidente resolveu contudo em março que as eleições seriam só a 23 de novembro, juntando também as legislativas. A Assembleia Nacional Popular da Guiné-Bissau não reúne desde dezembro de 2023, quando foi dissolvida pelo presidente (pela segunda vez no mandato e sem respeitar os prazos da Constituição). Isto depois de uma alegada tentativa de golpe de Estado - a Guarda Presidencial envolveu-se em confrontos com a Guarda Nacional, que tinha libertado dois ministros suspeitos de corrupção. A coligação Plataforma Aliança Inclusiva (PAI-Terra Ranka), liderada pelo PAIGC, tinha a maioria absoluta na Assembleia, conquistada nas eleições de junho de 2023. Estas tinham sido convocadas depois de Embaló dissolver o Parlamento (o PAIGC também tinha o maior número de deputados), em maio de 2022, alegando que este órgão agia como um “espaço de guerrilha política” e protegia membros do Executivo com fortes indícios de corrupção. Nas eleições de domingo, os principais partidos da oposição foram impedidos de concorrer pelo Supremo Tribunal. A coligação PAI-Terra Ranka, que tinha ganho em 2023, terá alegadamente entregado a documentação tarde de mais e não vai a votos nas legislativas. É a primeira vez que o partido histórico que liderou a luta pela independência não estará no boletim de voto. Nas presidenciais, o PAIGC apoia a candidatura do independente Fernando Dias da Costa, que também tem o apoio da Aliança Patriótica Inclusiva - Cabas Garandi. Esta coligação congrega dissidentes de partidos como o Movimento para a Alternativa Democrática - G15 (de Embaló) ou o Partido da Renovação Social, não tendo sido autorizada a ir a votos porque supostamente eles não se desvincularam desses partidos.O presidente, que os críticos dizem estar a congregar todo o poder, aposta na continuidade e estabilidade, acreditando que vai vencer por larga maioria. É apoiado pela coligação Plataforma Republicana Nô kumpu Guiné, que reúne 16 partidos. Já Dias da Costa aposta na ideia de “alternância democrática”, acusando Embaló de querer “banir a democracia” e defendendo um presidente que “respeite os limites do seu poder”.O opositor defende ainda restaurar o Parlamento dissolvido em 2023 (de forma ilegal, uma vez que ainda não tinha decorrido o prazo previsto na Constituição desde as eleições), descartando o eleito este domingo. Sem os grandes partidos da oposição nas legislativas, a Assembleia - que é quem elege o primeiro-ministro - será liderada por forças leais a Embaló. Caso o presidente consiga a reeleição e vença as legislativas, poderá eventualmente reformar a Constituição e reforçar o seu poder.Num país que já conheceu mais de duas dezenas de tentativas de golpes de Estado desde a independência em 1974 (quatro foram bem sucedidos), os candidatos vieram apelar à neutralidade das Forças Armadas. Isto depois de o chefe do Estado-Maior, Biaguê Na N’tam, ter surgido num vídeo de campanha de Embaló. O tenente-general veio a público dizer que não apoia nenhum candidato e que jurou proteger a Constituição, mas há divisão entre os militares e receio do que pode acontecer depois da ida às urnas..Luta a dois?As eleições são gerais, mas o foco está em quem será eleito presidente. Há 12 candidatos, mas só um parece fazer sombra a Umaro Sissoco Embaló, tendo recebido o apoio daquele que era visto como o principal rival, o antigo primeiro-ministro Domingos Simões Pereira. O líder do Partido Africano para a Independência da Guiné e Cabo Verde (PAIGC) foi impedido de concorrer.Umaro Sissoco Embaló: O antigo chefe de Governo (novembro de 2016 a janeiro de 2018) e general na reserva, chegou à presidência após vencer na segunda volta das eleições de 2019 o candidato do PAIGC, Simões Pereira, que tinha ganho a primeira volta (e contestou os resultados). Aos 53 anos, quer ser o primeiro presidente a ser reeleito e a terminar o mandato, num país propenso a golpes de Estado (Embaló alega que já houve várias tentativas contra si). É licenciado em Relações Internacionais pela Universidade Técnica de Lisboa e doutorado pela Complutense de Madrid, foi agraciado com o Grande-Colar da Ordem do Infante D. Henrique em 2023. Fernando Dias da Costa: .O jurista de 47 anos é o principal adversário do presidente. É candidato independente, apesar de pertencer ao Partido da Renovação Social, que após uma divisão interna integra a Plataforma Republicana que apoia Embaló. Dias da Costa herdou o barrete vermelho do fundador do partido, o carismático ex-presidente Kumba Ialá. Apoiado pela Aliança Patriótica Inclusiva - Cabas Garandi, ganhou depois o apoio também do PAIGC de Simões Pereira. Foi vice-presidente do Parlamento e ministro da Administração Territorial (na altura no Governo de Embaló).