Guerra interna no Reform UK: está a liderança de Nigel Farage ameaçada?
Um dos cinco deputados do Reform UK criticou numa entrevista ao Daily Mail o seu líder, Nigel Farage, comparando-o a um “Messias” e defendendo mudanças internas. Dois dias depois, o partido populista de extrema-direita acusava-o de proferir ameaças verbais de violência e de bullying contra duas funcionárias e, no dia seguinte, suspendia-o. A guerra aberta decorre nas redes sociais, nas páginas dos jornais e nas televisões britânicas e ameaça o partido que, há pouco mais de um mês, surgia pela primeira vez à frente das sondagens para as eleições no Reino Unido.
Para os que acompanham a política britânica, o choque entre Farage e o deputado Rupert Lowe é só mais um episódio a envolver o antigo líder do UKIP e do Partido do Brexit - o site Politico fez um levantamento de pelo menos outras dez ocasiões em que entrou em confronto com os aliados (e ganhou). “Farage trata os seus partidos como se fossem monarquias absolutas”, escreveu Ben Walker, jornalista do New Statesman, explicando que as disputas se tornam “inevitáveis” quando o partido cresce.
Mas afinal o que aconteceu? Lowe foi suspenso a 8 de março, um dia depois de o partido dizer que o tinha denunciado à polícia por alegadas ameaças de violência física contra o seu presidente, Zia Yusuf. O deputado eleito por Great Yarmouth, que passou a independente e ameaça processar o partido por difamação, negou as acusações, apelidando-as de “ultrajantes e totalmente falsas”. Mas a polícia está a investigar.
Além disso, segundo um comunicado de Yusuf e do líder parlamentar, Lee Anderson, havia queixas de suposto bullying . “É com pesar que nos sentimos obrigados a divulgar que o partido recebeu queixas de duas funcionárias sobre assédio moral grave”, revelaram, falando em “provas de comentários depreciativos e discriminatórios sobre as mulheres, incluindo a referência a uma deficiência”. O caso foi entregue a um investigador independente, com o partido a acusar Lowe de “não cooperar”.
Acusações recusadas
O deputado respondeu nas redes sociais, dizendo-se “desapontado, mas não surpreendido” de ler as “falsa alegações” do partido. “Deixem-me ser muito claro - esta investigação baseia-se em zero provas fiáveis contra mim”, escreveu no X. Lowe denunciou um “ataque malicioso” à sua “reputação”, deixando claro que não deixará que o seu nome seja “arrastado pela lama como parte de um assassinato político” porque questionou o líder. Farage, alega, tem uma “completa incapacidade de aceitar até a mais suave crítica construtiva sem uma reação maliciosa”.
Em causa estaria a entrevista ao Daily Mail, na qual Lowe defendeu que o Reform UK continuava a ser um “partido de protesto liderado pelo Messias” e questionava a liderança de Farage. O deputado defendeu mudanças no partido e referiu o facto de seis meses depois de ter sido eleito já estar a ser falado para futuro primeiro-ministro.
Apoio de Musk
Em janeiro, Lowe recebeu o apoio do milionário Elon Musk, aliado do presidente dos EUA, Donald Trump. O dono do X e da Tesla escreveu, na sua rede social, que Farage “não tem o que é preciso” e que o “Reform UK precisa de um novo líder” - isto meses depois de se deixar fotografar ao seu lado. Musk tem dito que aquilo que Lowe diz “faz muito sentido” - o deputado tem sido mais vocal nas promessas de “deportação em massa” de mais de um milhão de imigrantes ilegais.
Nessa altura, Lowe saiu em defesa de Farage, dizendo que ele tinha “feito o Brexit acontecer e que por isso estaria sempre grato”. Mas, no meio dos elogios, falava também já em “democratizar o partido”. Mais recentemente, o deputado alegou que Farage “tende a desentender-se” com pessoas que considera “capazes de o substituir”. No meio da guerra, Musk estará alegadamente a equacionar financiar um partido liderado por Lowe.
Uma sondagem da YouGov sugere que um terço (33%) dos eleitores do Reform UK acham que o partido estaria melhor com um novo líder, com outro terço (34%) a acreditar que estaria muito pior sem Farage. O líder tem uma opinião favorável de 73% dos seus eleitores. O número é elevado, mas no início de fevereiro eram 91%. Então o partido surgia, pela primeira vez, à frente das sondagens - tinha 25% das intenções de voto, frente aos 24% do Labour de Keir Starmer e 21% dos conservadores de Kemi Badenoch.
Esta quinta-feira, Lowe partilhou no X uma carta que escreveu a Farage a insistir num encontro para resolver a situação. Mas também a exigir que o líder do Reform UK acabe com a “caça às bruxas” aos membros do partido que saíram em sua defesa. Mas Farage não parece estar disposto a ceder, tendo na véspera defendido que Lowe devia ser ignorado.
Protagonistas
Nigel Farage: O antigo eurodeputado de 60 anos conseguiu, à oitava tentativa, ser eleito deputado no Reino Unido (pelo círculo eleitoral de Clacton, em Essex) em julho do ano passado. É uma figura incontornável do euroceticismo britânico, tendo deixado o Partido Conservador quando o governo assinou o acordo de Maastricht (1993) que defendia uma “união cada vez mais estreita” entre os países europeus. Cofundou então o UKIP, que liderou entre 2006 e 2018, tendo tido um papel fundamental no referendo em 2016. Após a vitória, esteve na fundação, em 2018, do Partido do Brexit, renomeado Reform UK em 2021. Não frequentou a universidade, foi casado duas vezes e tem quatro filhos.
Rupert Lowe: O empresário de 67 anos, que liderou o Southampton Football Club entre 1996 e 2009, também deixou o Partido Conservador em 1993 após o Tratado de Maastricht. É considerado uma figura controversa no Reino Unido, tendo posto em causa as alterações climáticas no Parlamento Europeu (para onde foi eleito pelo Partido do Brexit em 2019), alegando que é tudo um “culto”. Desde julho que é deputado por Great Yarmouth (Norfolk). Milionário, prometeu doar o salário a instituições de caridade locais. É casado e tem quatro filhos. Foi suspenso pelo partido no dia 9 de março, no meio de acusações de bullying e de ameaças e em pleno choque com Nigel Farage.