Gronelândia vai a votos entre o interesse de Trump e o desejo de independência
A Gronelândia realiza esta terça-feira eleições legislativas num ambiente de tensão sem precedentes, face às ameaças de Donald Trump sobre tomar o controlo da maior ilha do mundo, e com a perspetiva de, em breve, os gronelandeses voltarem às urnas para decidir se desejam ou não ser independentes da Dinamarca, país que os controla desde 1721 e do qual são um território autónomo desde 1979.
A data destas eleições foi aprovada por unanimidade pelos 31 deputados do Parlamento a 4 de fevereiro, dia em que foi adotada também uma lei que proíbe que os partidos recebam financiamento estrangeiro, uma forma de evitar a influência estrangeira nesta campanha eleitoral, nomeadamente dos Estados Unidos, mas também para “salvaguardar a integridade política da Gronelândia”. “Estamos numa altura de tempos difíceis. Tempos que nunca experienciámos no nosso país. Este não é altura de divisões internas”, escreveu então o primeiro-ministro Múte Egede.
Além dos cinco partidos que já estão representados no Parlamento, haverá um sexto, o Qulleq, nos boletins de voto. O social-democrata pró-independência Siumut, o segundo maior do território e que faz parte da coligação governamental, surge à frente numa sondagem feita no final de janeiro, com 31% das intenções de voto, seguido do socialista e também pró-independência Inuit Ataqatigiit, liderado pelo primeiro-ministro Múte Egede, com cerca de menos 10 pontos.
Após as legislativas, mas sem indicar uma data concreta, o Siumut, presidido por Erik Jensen, pretende realizar um referendo sobre a independência, invocando um artigo de uma lei de 2009 que concedeu à ilha uma maior autonomia, incluindo o direito a negociar com a Dinamarca a sua independência, explicou à Reuters Doris Jensen, porta-voz do partido. “Até o nosso país atingir o estatuto de Estado independente, as nossas oportunidades de participar oficialmente em negociações são limitadas”, referiu a mesma fonte.
A Gronelândia, apesar das suas riquezas naturais, depende economicamente em grande parte da pesca e das subvenções atribuídas pela Dinamarca. Uma sondagem recente mostrou que se um referendo sobre a independência do território fosse levado a cabo agora a maioria votaria a favor, com apenas 28% a mostrar-se contra.
Este valor sobe para 45% se a independência afetasse de forma negativa o nível de vida da população. “[A decisão] tem de ser tomada de forma informada, para que a população não tenha dúvidas sobre as consequências. Temos uma sociedade de bem-estar que deve funcionar. Temos alguns aspetos económicos que também precisamos de ter em conta”, referiu recentemente Erik Jensen, líder do Siumut.
E depois há o fator Trump. A ideia de comprar a Gronelândia foi lançada pelo republicano no seu primeiro mandato e recuperada na campanha das últimas Presidenciais. No seu discurso perante o Congresso, na semana passada, Trump voltou a falar do interesse em controlar a ilha. “Apoiamos fortemente o vosso direito de determinar o vosso próprio futuro e, se vocês escolherem, dar-vos-emos as boas-vindas nos EUA. Precisamos da Gronelândia para a segurança nacional e até mesmo para a segurança internacional e estamos a trabalhar com todos os envolvidos para tentar obtê-la, mas precisamos dela realmente para a segurança internacional, e acho que vamos obtê-la”, afirmou Trump, fazendo um aviso: “De uma forma ou de outra, vamos obtê-la. Iremos manter-vos seguros e ricos. E juntos, levaremos a Gronelândia a níveis como vocês nunca imaginaram ser possível.”
Logo em seguida as autoridades dinamarquesas e gronelandesas rejeitaram a pretensão de Trump, com Egede a assegurar que a Gronelândia não está à venda. “Não queremos ser americanos, nem dinamarqueses, somos kalaallit [gronelandeses]. Os americanos e o seu líder devem compreender isto”, escreveu nas redes sociais “Não estamos à venda e não podemos ser levados. O nosso futuro é determinado por nós na Gronelândia.”
Uma posição que é partilhada pelos cinco partidos com representação no Parlamento e pela maioria dos cerca de 57.000 habitantes - uma sondagem de janeiro mostra que 85% dos gronelandeses são contra a ideia de a ilha passar para o controlo americano e quase metade vê o interesse de Trump como uma ameaça.
Esta segunda-feira, o primeiro-ministro gronelandês voltou a falar de Donald Trump, referindo que o presidente dos Estados Unidos “é muito imprevisível e isso preocupa as pessoas”. Múte Egede notou ainda que “com o que aconteceu recentemente, com o que o presidente norte-americano disse e fez, não queremos estar tão perto [dos EUA], como talvez quiséssemos estar antes”, criticando ainda Trump por não tratar os habitantes do território “com respeito”.
O que torna a ilha tão atrativa
Comecemos por um conceito básico, a geografia. Embora mais associada à Europa, por ser um território autónomo da Dinamarca, a Gronelândia fica na América do Norte, entre o Ártico e o Canadá, sendo o caminho mais rápido entre os dois continentes, o que é estrategicamente importante para os EUA.
Há ainda a ter em conta que as alterações climáticas estão a reduzir o gelo do Ártico, prevendo-se a criação de uma passagem para o comércio internacional e reacendendo a competição entre a Rússia, a China e Estados Unidos pelo acesso aos recursos minerais da região.
De acordo com Serviço Geológico Nacional da Dinamarca e da Gronelândia (GEUS), os recursos de terras raras do território são estimados em 36,1 milhões de toneladas, sendo que a ilha possui um stock significativo destes 17 metais cobiçados pela indústria do futuro e cuja procura deverá aumentar nos próximos anos. Segundo o GEUS, os solos da Gronelândia também contêm grafite, lítio e cobre, três minerais definidos pela Agência Internacional da Energia como críticos para a transição energética.
Poderão ainda ser descobertos na ilha cerca de 28,43 mil milhões de barris de petróleo equivalente de hidrocarbonetos, segundo uma estimativa da GEUS.